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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.1 Joinville Mar. 2010

 

ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA LITERATURE REVIEW ARTICLE

 

Etiologia e prevenção das reabsorções cervicais externas associadas ao clareamento dentário

 

Etiology and prevention of external cervical root resorption associated to teeth bleaching

 

 

Eliane Mendes da SilvaI; Denise Piotto LeonardiII; Gisele Aihara HaragushikuIII; Flávia Sens Fagundes TomazinhoIII; Flares Baratto FilhoIV; João César ZielakV

IEspecialista em Endodontia pela Universidade Positivo – Curitiba/PR
IIDoutora em Endodontia pela Universidade Positivo – Curitiba/PR
IIIMestres em Endodontia pela Universidade Positivo – Curitiba/PR
IVDoutor em Endodontia e coordenador do Mestrado em Odontologia Clínica da Universidade Positivo – Curitiba/PR
VDoutor em Processos Biotecnológicos (Saúde) pela Universidade Positivo – Curitiba/PR

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: A estética na Odontologia tem sido priorizada, e o desejo por dentes mais claros tem estado cada vez mais presente nos consultórios, pois dentes mais brancos tendem a demonstrar saúde, beleza, jovialidade e tornam o sorriso mais atraente. O clareamento dental é um meio conservador amplamente utilizado para restabelecer a cor natural de dentes escurecidos, no entanto uma provável relação com a reabsorção externa cervical tem preocupado muitos pesquisadores e clínicos.
REVISÃO DE LITERATURA: Vários são os mecanismos que podem desencadear essa reabsorção, entre eles a ação química e física dos agentes clareadores empregados, a morfologia da junção amelocementária associada ao sistema imunológico, a concentração dos materiais empregados, os traumas, bem como a técnica de clareamento utilizada.
CONCLUSÃO: Diante de diferentes fatores, ainda não conclusivos, prevenindo efeitos deletérios para dentes e estruturas de suporte, cuidados devem ser tomados na escolha do agente clareador, da técnica de aplicação e também dos casos, além da confecção de uma restauração adequada após o clareamento dental.

Palavras-chave: reabsorção óssea; reabsorção da raiz; reabsorção de dente; clareamento dentário.


ABSTRACT

INTRODUCTION AND OBJECTIVE: Esthetic dentistry has been prioritized and the desire for whiter teeth has been increasingly present in dental offices, since whiter teeth tend to indicate health, beauty, youth and a more attractive smile. Teeth bleaching is a conservative method widely used to restore the original color of darkened teeth. However, possible relations with the external cervical root resorption have concerned many researchers and clinicians.
LITERATURE REVIEW:
There are many mechanisms that can activate the external cervical root resorption, such as: chemical and physical action of the bleaching materials used, morphology of the cementoenamel junction associated to the immune system, material concentration, traumas and bleaching technique used.
CONCLUSION: Therefore, considering many factors that are still not conclusive, preventing deleterious effects on teeth and support structures, care must be taken when choosing bleaching agent and bleaching technique, as well as when selecting each case, beyond a proper restoration after teeth bleaching.

Keywords: bone resorption; root resorption; tooth resorption; teeth bleaching.


 

 

Introdução

A estética tem sido cada vez mais priorizada nos tratamentos odontológicos, sendo enfatizado o clareamento, pois dentes mais brancos podem estar associados a saúde, beleza, jovialidade, além de tornarem o sorriso mais atraente.

As alterações de cor podem ocorrer por conta de fatores intrínsecos, como uso prolongado de medicamentos específicos e ingestão excessiva de alimentos com corantes, e também ser decorrentes de procedimentos endodônticos inadequados, entre eles acesso incorreto à câmara pulpar, remanescente de material obturador na coroa dental, assim como hemorragia intrapulpar e permanência de tecido pulpar em decomposição, que, em contato com a dentina, podem levar ao escurecimento [50].

Independentemente da etiologia do escurecimento dental, o clareamento, branqueamento ou clareação dental é a primeira alternativa estética para os dentes, já que constitui um tratamento rápido, eficaz e, na maioria dos casos, conservador, além de ter custo relativamente acessível. Diferentes técnicas de clareamento, tanto interno como externo, têm sido pesquisadas quanto à sua eficiência em clarear o dente [32, 40]. Por outro lado, o clareamento interno e, mais recentemente, o clareamento externo de dentes permanentes têm sido associados com frequência a um processo patológico de reabsorção, por perda de tecidos duros na porção cervical externa desses dentes. Tal reabsorção acontece desde que haja uma lesão na camada de tecido cementoide, causada por trauma físico ou químico.

A etiologia das reabsorções cervicais pode estar associada não apenas ao trauma dental ou ao clareamento. As reabsorções também podem apresentar origem diversa, como relataram Von Arx et al. [51] em 2009. Nesse estudo, os autores relacionaram a reabsorção cervical externa à contaminação do paciente pelo vírus Feline herpes tipo 1, encontrado em felinos.

Segundo Tronstad [48], em 1988, as reabsorções podem ser do tipo inflamatória ou substitutiva. A reabsorção substitutiva é vista como uma anquilose incorporada ao osso. Diante do descobrimento da raiz, com necrose dos cementoblastos em áreas menores que 200-250 µm (espessura do ligamento periodontal), outros cementoblastos e osteoblastos vizinhos proliferam e migram para tentar o recobrimento da área lesada, restabelecendo a normalidade. Esse é um processo autolimitante que não requer tratamento. Não é o resultado de uma doença, mas ocorre como um "engano", porque as células envolvidas na remodelação do osso não são hábeis para distinguir entre tecidos dentais e osso.

Já a reabsorção inflamatória pode acontecer quando houver mineralização da pré-dentina ou do pré-cemento ou, ainda, quando este último é raspado. Tal reabsorção pode ser transiente ou tornar-se progressiva. O tipo transiente poderá aparecer nos dentes que sofreram tratamento ortodôntico ou periodontal e tem duração de aproximadamente duas a três semanas, não requerendo tratamento. Essa reabsorção poderá se tornar progressiva quando, além do descobrimento celular, houver estimulação de longa duração às células inflamatórias reabsortivas, seja por estimulação mecânica, aumento da pressão ou por infecção nos tecidos. Segundo Tronstad [48], um processo reabsortivo mantido pela infecção, com ação de endotoxinas bacterianas, pode progredir rapidamente. Como consequência, haverá formação de tecido granulomatoso no periodonto e formação de lacunas de reabsorção [37, 48].

Quando a reabsorção está presente na superfície externa radicular, correspondente à junção amelocementária, imediatamente abaixo do epitélio juncional de dentes clareados, trata-se de um processo patológico de natureza inflamatória progressiva denominado reabsorção cervical externa [7, 36]. Esta é, certamente, a mais grave sequela do clareamento interno. A presente revisão literária tem o propósito de elucidar a etiologia e a prevenção da reabsorção cervical externa pós-clareamento de dentes desvitalizados, além de comentar sobre técnicas e agentes clareadores adequados para um tratamento mais seguro e eficiente.

 

Revisão de literatura

A etiologia da reabsorção cervical externa tem sido amplamente pesquisada, bem como a interação dos agentes clareadores com os tecidos duros orais e também com o tecido pulpar [5], permitindo assim maior segurança no tratamento clareador.

Em 1893, Kirk [27] descreveu o uso do peróxido de sódio (Na2O2) para clarear dentes escurecidos. Sua técnica consistia na saturação da dentina com uma solução de peróxido de sódio, seguida da aplicação de um ácido. Essa substância era originalmente utilizada para clarear fibras de seda e algodão; seu poder clareador é proveniente da associação com um ácido, sendo conhecido como uma reação de redução, retirando o oxigênio do composto corado e destruindo a molécula do pigmento.

Rosenthal [41], em 1911, foi o primeiro autor a reportar o uso de luz para catalisar a reação de clareamento dental. Ele recorria a raios ultravioletas de uma lâmpada de vapor de mercúrio e a lentes especiais de quartzo para aumentar o calor e a luz, o que potencializava a ação clareadora de dentes vitais e não-vitais.

Em 1963, Nutting e Poe [39] propuseram uma combinação efetiva para clarear dentes, inicialmente denominada de "uma nova combinação para clarear dentes", na qual o peróxido de hidrogênio era selado na câmara. Os autores recomendaram que o paciente retornasse à consulta três semanas depois e obtiveram como resultado que o dente havia clareado mais que o adjacente. Posteriormente, eles decidiram combinar essa técnica com os estudos de Spasser [46], utilizando uma pasta de perborato de sódio associado ao superoxol, na tentativa de proporcionar uma combinação mais efetiva. Essa técnica é conhecida até os dias de hoje como walking bleach. Os autores indicavam o uso de tampão cervical para evitar dor, no caso de haver penetração para os tecidos periapicais. O método foi considerado simples, efetivo e consumidor de menos tempo que as outras técnicas.

Harrington e Natkin [21], em 1979, foram os primeiros a relacionar a reabsorção cervical externa com o clareamento interno. As reabsorções foram detectadas clínica e radiograficamente entre dois e sete anos após o clareamento. Todos os dentes apresentavam história de trauma entre 11 e 15 anos de idade, mas não houve história de trauma posterior à perda da vitalidade pulpar. Entre um e 15 anos após o trauma, os dentes foram submetidos ao clareamento utilizando lâmpadas de calor com superoxol (solução de H2O2 30% + água) e a técnica walking bleach com uma pasta de peróxido de hidrogênio a 30% e perborato de sódio. Considerando que a reabsorção pós-traumatismo ocorre em apenas um ano após o trauma, os autores sugeriram que a causa da reabsorção externa seria dada em função da infiltração de peróxido de hidrogênio pelo interior dos túbulos até o periodonto, dando origem a um processo de reabsorção inflamatória.

Freccia et al. [14], em 1982, avaliaram a capacidade clareadora das três técnicas até então propostas: termocatalítica, walking bleach e técnica mista. Os autores escureceram 36 dentes humanos utilizando sangue e uma centrífuga. As trocas dos agentes clareadores foram realizadas a cada sete dias durante quatro semanas. Os resultados obtidos revelaram que não houve diferença estatisticamente significante entre as três técnicas empregadas.

Em 1983, Lado et al. [29] relataram um caso de reabsorção externa cervical observado em paciente com 50 anos de idade, sem história anterior de trauma, que seis anos antes do relato havia recebido um tratamento clareador combinando-se o uso de calor, ou seja, a técnica termocatalítica, com o método walking bleach. A guta-percha foi removida abaixo do nível da gengiva inserida e nenhuma barreira de selamento cervical (tampão cervical) foi utilizada. Foram empregados superoxol + perborato de sódio, com uso de isolamento absoluto do campo operatório com grampo de fixação. O agente clareador foi selado na câmara entre as visitas e um instrumento aquecido eletricamente foi utilizado em cada uma das duas sessões. Dessa forma, os autores concluíram que a ocorrência de trauma não era indispensável para que a reabsorção ocorresse. Além disso, concordaram com as duas hipóteses etiológicas sugeridas para as reabsorções inflamatórias cervicais. Uma delas era a inflamação cervical em função da penetração do peróxido de hidrogênio, e a outra, o não reconhecimento pelo sistema imune da dentina desnaturada do gap (fenda) na junção amelocementária.

Cvek e Lindvall [8], em 1985, ao analisarem casos de dentes clareados entre os anos de 1959 e 1965 no Eastman Institute, em Estocolmo, encontraram nos pacientes 11 casos de reabsorção cervical externa por clareamento, quando o peróxido de hidrogênio a 30% foi utilizado sob isolamento absoluto do campo operatório e calor produzido por lâmpada (15 minutos), além de associação com walking bleach. Apenas um deles não apresentava história de trauma, enquanto os outros sofreram injúrias (luxação ou subluxação) nas idades de 11 a 16 anos. As análises radiográficas indicavam reabsorções desde a primeira observação, ocorridas entre seis meses e um ano após o clareamento, na região externa cervical correspondente à altura em que o corte da obturação foi mantido. Em dois dentes, as reabsorções foram superficiais e não progrediram durante os seis anos de observação. Em quatro dentes, mostraram-se progressivas; já nos cinco restantes, estavam relacionadas à anquilose (substitutiva). Os autores acreditavam que a reabsorção progressiva ocorreria em função da penetração do cáustico peróxido de hidrogênio para o ligamento periodontal numa área descoberta entre esmalte e cemento apenas se houvesse uma complicação por contaminação bacteriana associada, a qual pudesse manter o processo inflamatório. Mesmo assim, recomendaram evitar a aplicação do superoxol, usando-o somente quando a entrada do canal radicular estivesse bem protegida por uma base de cimento de óxido de zinco e eugenol.

Kehoe [25] demonstrou, em 1987, que o pH da superfície radicular é reduzido a, aproximadamente, 6,5 após o uso de peróxido de hidrogênio a 30% e o resultado da difusão de materiais cáusticos no sulco gengival, ou ligamento periodontal cervical, poderia iniciar um processo de reabsorção inflamatória. A direção dos túbulos dentinários do canal radicular até a junção amelocementária poderia permitir que substâncias clareadoras penetrassem na dentina e chegassem a uma região mais próxima da cervical. Nesse estudo, o autor sugere que os agentes clareadores devem ser utilizados estritamente na câmara pulpar e, caso o esmalte, a dentina ou o cemento cervical estejam escurecidos, a substância clareadora pode ser colocada nessa região, mas após o clareamento tem de ser substituída por uma pasta de hidróxido de cálcio para que o pH retorne a um nível próximo do neutro (7,5), a fim de tornar o ambiente desfavorável à atividade osteoclástica.

Friedman et al. [15], em 1988, pelo período de observação de um a oito anos estudaram a incidência de reabsorção externa radicular e os resultados estéticos utilizando 58 dentes extraídos, sem história de trauma, clareados pela técnica termocatalítica (lâmpada de calor ou instrumento aquecido) ou walking bleach com solução aquosa de H2O2 a 30%, sem uso de tampão cervical, com remoção da obturação na região cervical. Os autores observaram reabsorção externa de início apical em 6,9% dos casos (quatro dentes). Destes, dois foram considerados estagnados e dois progressivos. Nenhum dos quatro dentes apresentou história de trauma pré ou pós-operatório. Em um dos dentes reabsorvidos foi utilizado apenas o procedimento de walking bleach, sem associação com o calor. Por meio da análise dos resultados, os autores acreditam que tal fenômeno não estaria relacionado com o trauma nem com o uso de calor, mas sim com o efeito cáustico do peróxido de hidrogênio, que seria o causador de inflamação culminante em reabsorção. Além disso, eles concordam com a ideia de que a dentina desnaturada é capaz de provocar resposta imunológica. Diante da análise dos resultados obtidos, os autores sugerem como medida preventiva contra a reabsorção o uso de base protetora de hidróxido de cálcio, ou então que se lance mão de restaurações com compósitos ou laminados antes de clarear os dentes com peróxido de hidrogênio.

Em 1989, Fuss et al. [17] realizaram, in vitro, a primeira análise química para demonstrar a difusão dos agentes clareadores e do hidróxido de cálcio pelos túbulos dentinários descobertos pela remoção do cemento, por meio de mudanças do pH do nível externo cervical. Trinta dentes foram divididos em grupo selado com agente clareador e em grupo selado com pasta de hidróxido de cálcio, além de um grupo controle sem nenhum material no interior da câmara pulpar. A seguir, as amostras foram imersas em água destilada. O pH dessa água foi medido, verificando-se que o agente clareador (perborato de sódio + H2O2 a 30%) havia ultrapassado os túbulos dentinários, o que diminuiu o pH, mas não o CaOH2. Os pesquisadores constataram que a penetração dos agentes clareadores pode iniciar um processo inflamatório. Já o hidróxido de cálcio não apresentou efeito nem em relação ao aumento do pH nem quanto à diminuição da atividade osteoclástica. Possivelmente, segundo os autores, esse processo inflamatório é o que culmina em reabsorção cervical.

Madison e Walton [34], em 1990, num estudo in vivo com o objetivo de quantificar a presença de reabsorção cervical em 45 dentes de cães durante um ano de observação, utilizaram para o clareamento interno de dentes despolpados o peróxido de hidrogênio a 30% empregando três técnicas: a termocatalítica (peróxido de hidrogênio a 30% + perborato de sódio), a walking bleach (com peróxido de hidrogênio a 30% + perborato de sódio) e a associação das duas. Cada técnica foi aplicada duas vezes em cada dente, com intervalos de uma semana entre as sessões. Não foi utilizado tampão, e todos os dentes sofreram condicionamento ácido prévio ao clareamento. Mesmo com aplicação do condicionamento ácido coronário e ausência do uso de uma base protetora, só houve evidência histológica ou radiográfica de reabsorção quando ocorreu a combinação de calor (técnica termocatalítica) e peróxido de hidrogênio a 30%, fazendo com que os autores recomendassem evitar o uso de calor. Ainda, eles sugerem a adoção da técnica walking bleach com pasta de perborato de sódio feita com água destilada e não com peróxido de hidrogênio, pelo fato de a primeira associação ser tão efetiva – e, aparentemente, menos prejudicial – quanto esta.

Rotstein et al. [43], em 1991, analisaram a influência das diferentes localizações dos defeitos cementários na penetração radicular do H2O2 a 30% durante o clareamento intracoronário termocatalítico em pré-molares humanos extraídos. As amostras foram divididas em três grupos: um deles composto de 30 dentes sem defeitos na junção amelocementária, outro de 20 dentes com defeitos criados na região cervical e o terceiro de 10 dentes com defeitos artificiais no cemento localizados na metade da raiz. Todos os dentes tiveram o nível de obturação mantido 3 mm abaixo da JAC (junção amelocementária). Utilizou-se a técnica termocatalítica empregando-se lâmpadas de calor. Após o clareamento, as amostras foram colocadas em contato com cloreto de amônio ferroso. Se o peróxido de hidrogênio estivesse presente, seriam formados íons férricos e, com a adição de tiocianato de potássio, seria formado um complexo de tiocianato férrico que absorve luz ao comprimento de onda de 480 nm. Pela análise dos resultados obtidos, os autores verificaram que nos dentes com defeitos na junção amelocementária a difusão do peróxido de hidrogênio foi significativamente maior do que naqueles sem defeitos na mesma região.

Heller et al. [24], em 1992, examinaram a relação do clareamento intracoronal com a reabsorção externa cervical num estudo in vivo com 48 dentes incisivos superiores de quatro cães da raça Beagle. Os autores empregaram mistura de perborato de sódio + peróxido de hidrogênio, sem aplicação de calor ou base protetora (tampão cervical), com a técnica walking bleach. Os dentes foram divididos em dois grupos. Metade deles foi submetida aos procedimentos clareadores dessa técnica, e as outras amostras serviram como grupo controle. Os animais foram sacrificados entre um e três meses após o tratamento. Durante o período de clareamento, eles foram radiograficamente examinados todo mês. A reabsorção foi observada apenas histologicamente em dois dos 16 dentes clareados após três meses, e nenhum deles fazia parte do grupo controle, no qual foram utilizadas solução salina e aplicação de calor. Um dos dentes apresentou reabsorção na altura da crista óssea alveolar, na região onde a obturação do canal foi removida (foram encontrados células gigantes multinucleadas e alguns linfócitos com evidente reposição de tecido cementoide no defeito reabsortivo). O outro dente reabsorveu entre o aparelho de inserção epitelial e o nível da crista óssea alveolar, região que estava ligeiramente abaixo de onde a obturação de guta-percha tinha sido removida. Nesse caso, havia inúmeras células gigantes multinucleadas, mas sem a presença de reposição de tecido cementoide. Os autores não descartam a possibilidade de a reabsorção ter associação com o trauma e a reação inflamatória persistente, causada pela penetração do agente clareador nos tecidos periodontais. Eles disseram não compreender o mecanismo pelo qual os agentes clareadores são capazes de promover a continuidade do processo reabsortivo.

Smith et al. [45], em 1992, analisaram a infiltração cervical nos túbulos dentinários ocorrida em 40 dentes humanos anteriores, pós clareamento interno, utilizando-se perborato de sódio ou peróxido de hidrogênio pela técnica walking bleach. Os autores observaram, por meio da infiltração com corante azul de metileno, que a penetração é maior onde há mais presença de defeitos. Embora a camada de 2 mm de Cavit (cimento selador coronário provisório), empregada como barreira cervical protetora e colocada em posição ligeiramente coronária à junção amelocementária vestibular, tenha sido suficiente para reduzir significativamente a infiltração linear e a penetração do material clareador nos túbulos dentinários, os autores recomendam eliminar o H2O2 e utilizar somente perborato de sódio na técnica walking bleach.

No ano de 1993 Rotstein et al. [42], em estudo pioneiro sobre aplicação da enzima catalase para eliminar o peróxido de hidrogênio residual, examinaram e compararam a eficácia dessa enzima com a de lavagens repetidas com água, quando aplicadas após o clareamento, com o objetivo de proteger contra danos causados pelas altas concentrações do peróxido de hidrogênio os tecidos dentais e periodontais. Pré-molares humanos extraídos foram tratados endodonticamente, clareados com superoxol e, em seguida, tratados com catalase ou água. A catalase é uma enzima essencial e própria do mecanismo de defesa humano que age de forma praticamente independente do pH e da temperatura, promovendo reações que envolvem a decomposição do peróxido de hidrogênio em água e oxigênio. Esse fator torna seu uso clínico extremamente facilitado. Três ciclos de 5 minutos de lavagem e 1 hora de imersão em água reduziram significativamente a penetração do peróxido de hidrogênio residual nos tecidos. O tratamento com aplicação de catalase por 3 minutos, associado à lavagem com água por 2 minutos, eliminou por completo o peróxido de hidrogênio residual. Dessa forma, a catalase (C-40 10 mg/ml, 10.000-25.000 un/mg) foi considerada capaz de prevenir os efeitos adversos do peróxido de hidrogênio após o clareamento.

MacIsaac e Hoen [33], em 1994, em importante revisão de literatura, citaram que 100% dos dentes que reabsorveram após clareamento não receberam base protetora cervical, 84% haviam sido clareados pela técnica termocatalítica, 80% tinham sofrido condicionamento ácido interno após secagem completa do cimento obturador e 72% apresentavam história de trauma associado. Pela análise dos dados revisados, foi concluído que o uso do calor deveria ser evitado e a base teria de ser escolhida considerando a região do aparelho de inserção e a efetividade do selamento da estrutura dental. Além disso, o aparato de inserção também deveria ser protegido dos procedimentos clareadores.

Weiger et al. [52], em 1994, com o objetivo de determinar a quantidade de H2O2 difundido pela dentina radicular de 63 incisivos humanos extraídos e escurecidos artificialmente com células sanguíneas, durante clareamento pela técnica walking bleach, utilizaram diferentes formas de perborato de sódio (mono-hidratado, bi-hidratado e tetra-hidratado) e concluíram que a quantidade de infiltração do peróxido de hidrogênio depende, entre outros fatores, de como o perborato é usado, e o risco de reabsorção externa cervical pode ser diminuído empregando-se perborato de sódio tetra-hidratado associado à água, em substituição ao peróxido de hidrogênio.

Seguindo esse estudo, em 1995 Heling et al. [23] investigaram a permeabilidade dentinária ao Streptococcus faecalis após clareamento com perborato de sódio associado ao peróxido de hidrogênio 30% e com perborato de sódio misturado à água. Os autores verificaram que, nos dentes clareados com peróxido de hidrogênio em altas concentrações, a penetração bacteriana nos túbulos dentinários foi maior do que nos dentes que receberam apenas o perborato de sódio associado à água. Sendo assim, os autores recomendam a utilização do perborato de sódio misturado à água, em substituição ao peróxido de hidrogênio.

Koulaouzidou et al. [28], em 1996, num estudo in vitro, por meio de análise colorimétrica tentaram relacionar o tipo de junção amelocementária com a penetração de peróxido de hidrogênio a 30% após o clareamento interno. Para o grupo experimental foram empregados 15 dentes, e para o grupo controle, dois dentes. Foram removidos 3 mm de obturação abaixo da junção amelocementária, sem uso de tampão cervical. Mediante um método colorimétrico de análise da presença de peróxido de hidrogênio, os autores observaram que a penetração do agente clareador foi maior nos dentes com gap entre cemento e esmalte e menor quando a junção era do tipo "topo a topo" ou quando o cemento recobria o esmalte na junção amelocementária.

Dahlstrom et al. [9], em 1997, pesquisaram a atividade do radical hidroxila em dentes endodonticamente tratados e a seguir clareados pela técnica termocatalítica, com o propósito de evidenciar se radicais hidroxila são gerados durante o clareamento quando os dentes são escurecidos por sangue mantido dentro da câmara pulpar. Foram utilizados 40 pré-molares humanos extraídos. Vinte dentes foram escurecidos com sangue. Todos foram clareados pela técnica termocatalítica, utilizando-se como agente o peróxido de hidrogênio a 30%. A presença dos radicais hidroxila foi observada em 25 dentes, por meio da reação desse radical com o salicilato, empregando-se um líquido de cromatografia de alta performance que permite a detecção eletroquímica (HPLC-ECD). O peróxido de hidrogênio foi capaz de gerar radical hidroxila e um radical de oxigênio livre, na presença de sais de ferro. Os radicais hidroxila são extremamente reativos e têm demonstrado degradar componentes do tecido conjuntivo, particularmente colágeno e ácido hialurônico. Houve grande relação entre a presença dos radicais hidroxila e os dentes que escureceram pelo sangue. Com a análise dos resultados, os autores concluíram que os radicais tóxicos hidroxila são gerados durante o clareamento termocatalítico e o surgimento dessas espécies químicas tóxicas pode estar envolvido na destruição de tecidos periodontais e na reabsorção radicular que ocorre após clareamento interno.

O tipo de veículo empregado com o perborato de sódio foi estudado por Britto e Dezan [3], em 2000. Foram selecionados 24 incisivos inferiores escurecidos artificialmente com sangue hemolisado, utilizando-se o método descrito por Freccia et al. [14]. Uma análise computadorizada, a fim de verificar o grau de escurecimento obtido, foi realizada. Os dentes foram divididos em três grupos de oito elementos cada. No G1 (grupo controle), procedeu-se à irrigação com solução de Milton e manutenção em recipiente com soro fisiológico a 37ºC. No G2, efetuaram-se irrigação com solução de Milton e condicionamento ácido com ácido fosfórico a 37%, sob a forma de gel, por 30 segundos no interior da câmara pulpar. Em seguida, os dentes foram lavados com água corrente por 10 segundos e secos com ar. Posteriormente, as amostras receberam uma pasta de perborato de sódio com água oxigenada a 130 vol. e foram seladas com guta-percha, óxido de zinco e eugenol. Os mesmos procedimentos do G2 foram realizados com os dentes do G3, mas o veículo do perborato de sódio foi o soro fisiológico. Como resultado, os autores averiguaram que todos os dentes clarearam, independentemente do veículo utilizado; portanto, a água oxigenada pode ser substituída pelo soro fisiológico para minimizar riscos.

Analisando a junção amelocementária e a reabsorção cervical externa, Neuvald e Consolaro [38] em 2000 pesquisaram 198 dentes humanos permanentes e encontraram, ao microscópio eletrônico de varredura, distribuição imprevisível e irregular dos tipos de relações entre tecidos duros na junção amelocementária entre todos os dentes. Os autores consideram que, de acordo com a permeabilidade cervical (espessura da dentina cervical, diâmetro dos túbulos, presença ou ausência de smear layer), a reabsorção advinda do clareamento dental acontece pela ação e pelas propriedades físico-químicas dos agentes clareadores. Estes, ao promoverem alteração local do microambiente periodontal, podem expor as proteínas específicas da dentina, provocando, dessa forma, uma reação imune celular (clastos). Ocorrido isso, se houver a associação com bactérias, o número de mediadores químicos eleva-se e dá-se a reabsorção. Assim, os autores consideraram a região cervical susceptível à reabsorção externa.

Em 2000, Vasconcelos et al. [49] pesquisaram a capacidade de vedamento de diferentes materiais usados na confecção do tampão em clareamento interno. Para isso, utilizaram 32 incisivos inferiores que foram divididos em quatro grupos: G1 (controle) – desobturação parcial do conduto (1 mm); G2 – tampão com ionômero de vidro modificado com resina; G3 – tampão com fosfato de zinco; G4 – tampão com cimento resinoso Sealer 26. Os dentes sofreram condicionamento ácido com ácido fosfórico a 37% por 15 segundos. O agente clareador foi o perborato de sódio, o qual foi associado a um corante e selado com cimento de óxido de zinco e eugenol. Os resultados foram analisados com lupa estereoscópica sob aumento de 50 vezes. Os seguintes escores foram utilizados: 0 – sem penetração de corante; 1 – infiltração de corante até a metade do comprimento total do tampão; 2 – infiltração por todo o tampão; 3 – infiltração até a base. Os autores concluíram que nenhum dos materiais proporcionou selamento perfeito, no entanto o G1 (guta-percha) obteve melhor vedamento, seguido do G4 (Sealer 26), do G2 e do G3, que não tiveram diferenças estatiscamente significativas.

Kinomoto et al. [26], em 2001, num estudo in vitro, compararam a citotoxidade do peróxido de hidrogênio e do perborato de sódio nas células do ligamento periodontal humano. Foram utilizados, como agente clareador, peróxido de hidrogênio a 30%, 2 g/mL de solução de perborato de sódio e 2 g/mL de perborato de sódio em peróxido de hidrogênio. A citotoxidade foi medida pela determinação da quantidade de atividade de deidrogenase lática liberada pelas células após exposição aos agentes por 24-72 h. A maior toxicidade foi encontrada quando se adicionou perborato de sódio ao peróxido de hidrogênio. Embora o uso apenas de perborato também pudesse ter certo potencial citotóxico, ele foi considerado relativamente seguro, com toxicidade mais baixa que a do peróxido de hidrogênio. Porém recomendou-se, como medida preventiva, sempre aplicar barreira cervical e evitar o uso do calor.

Lee et al. [31], em 2004, avaliaram a difusão do peróxido de hidrogênio e as mudanças de pH na raiz de dentes extraídos utilizando quatro agentes clareadores. Para isso, empregaram-se dentes pré-molares humanos extraídos por razões ortodônticas e corados com células sanguíneas. Os dentes foram preparados e obturados. Um tampão cervical foi colocado 1 mm abaixo da junção amelocementária. Defeitos na JAC foram preparados artificialmente, e os dentes, divididos de modo aleatório. Os agentes avaliados foram: peróxido de carbamida a 35%, peróxido de hidrogênio, perborato de sódio e, como controle, água destilada. Os dentes foram examinados e mediu-se o pH após um, dois e sete dias. Como resultado do estudo, constatou-se que a difusão do peróxido de hidrogênio é inversamente proporcional ao aumento de pH da raiz. A quantidade de peróxido de hidrogênio encontrada no grupo do peróxido de carbamida foi significativamente menor que no grupo do peróxido de hidrogênio e não foi estatisticamente menor que no grupo do perborato de sódio. Os autores concluíram que o peróxido de carbamida em gel é uma alternativa para clareamento de dentes desvitalizados, em substituição ao peróxido de hidrogênio.

Em relação ao tratamento das reabsorções, Baratto Filho et al. [2], em 2005, relataram um caso clínico de reabsorção cervical externa tratada com MTA. Nesse caso, a reabsorção comunicava o espaço do canal radicular com o periodonto lateral. A proservação, dois anos após o tratamento, não mostrou problema de origem periodontal nem alteração da cor da coroa dental. Os autores constataram que a colocação de MTA pode ser uma boa opção não-cirúrgica para o tratamento de reabsorções cervicais, devendo ser bem aplicado e condensado na região.

Cardoso et al. [4], em 2006, avaliaram radiograficamente a adaptação de tampões cervicais utilizados para clareamento interno, confeccionados com quatro materiais: cimento de fosfato de zinco, cimento de hidróxido de cálcio fotopolimerizável, cimento de ionômero de vidro convencional e cimento de ionômero de vidro híbrido. Para o estudo foram selecionados 88 incisivos inferiores humanos. Os materiais foram manipulados conforme indicação do fabricante e inseridos em 2 mm da porção cervical dos canais radiculares. Radiografias padronizadas nos sentidos mesiodistal e vestibulolingual, com o auxílio de posicionadores, foram realizadas. Os resultados encontrados quanto à presença de bolhas mostraram que não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos, fato justificado pelos autores em função da pressão adotada na inserção do material. Em relação à regularidade, o estudo revelou que os cimentos de fosfato de zinco e de ionômero de vidro convencional, ambos de presa química, demonstram inúmeras irregularidades. Os cimentos com ativação pela luz proporcionam uma espessura mais uniforme e, portanto, são os materiais eleitos pelos autores.

Em 2008, em estudo sobre a eficácia dos materiais utilizados como barreira cervical, Gomes et al. [19] selecionaram quatro grupos de dentes com nove unidades cada: G1 (controle) – sem barreira cervical; G2 – cimento de ionômero de vidro quimicamente ativado (Vidrion R, SS White); G3 – cimento de ionômero de vidro reforçado por resina (Vitremer, 3M); G4 – cimento de óxido de zinco/sulfato de zinco (Coltosol, Vigodent). Como agente clareador, utilizou-se perborato de sódio associado ao peróxido de hidrogênio a 30%. Após o clareamento, os dentes foram impermeabilizados com esmalte de unhas nas superfícies radicular e coronária. Uma hora depois, eles foram submersos em recipiente com corante à base de nanquim. Como conclusão do trabalho, os autores relataram que nenhum dos grupos proporcionou um bom selamento cervical, no entanto o G4 (Coltosol) obteve o melhor resultado, seguido do G3 (Vitremer). O G2 demonstrou precárias propriedades seladoras, estatisticamente semelhantes ao grupo controle.

Gökay et al. [18], em 2008, avaliaram a penetração do peróxido de carbamida no clareamento interno. Os dentes foram preparados e obturados, e um tampão cervical a 2 mm da junção amelocementária foi confeccionado utilizando-se cimento de ionômero de vidro. Os dentes foram divididos em grupos com diferentes agentes (peróxido de carbamida a 10%, a 17% e a 37% e perborato de sódio + peróxido de hidrogênio a 30%) e deixados por 24 horas. Como resultado do estudo, os autores verificaram que o peróxido de hidrogênio mostrou penetração maior que o dobro do grupo de peróxido de carbamida a 37%. Os agentes a 10 e a 17% não apresentaram diferenças estatísticas entre si, mas obtiveram penetração equivalente a um décimo dos valores encontrados no H2O2 a 30%. Concluiu-se que o peróxido de hidrogênio deve ser evitado, em virtude do risco de reabsorção cervical externa.

Fica claro após tantas pesquisas que o tratamento clareador, apesar de usado há mais de 100 anos, possui riscos que podem ser minimizados com um criterioso diagnóstico e adequado tratamento, para que o benefício e a segurança sejam favorecidos, e os resultados, satisfatórios.

 

Discussão

O mecanismo de ação dos agentes clareadores foi amplamente estudado, todavia ainda não está bem esclarecido. Sabe-se apenas que o clareamento é resultado de reações de oxidação ou redução [1, 12, 47]; é uma reação química que cliva ligações moleculares orgânicas, parecendo ser uma alteração permanente, embora substâncias previamente oxidadas possam se tornar quimicamente reduzidas novamente [16, 33, 35]. Portanto, o profissional deve conhecer o tipo de agente clareador usado, seu mecanismo de ação, assim como seus benefícios e malefícios, para melhor escolha do tratamento.

A ureia é um composto que regula o pH intracoronário durante o processo clareador. O baixo pH associado à difusão de peróxido de hidrogênio por entre os túbulos dentinários pode dar início a uma reação inflamatória capaz de resultar em reabsorção radicular externa, como também afirmam Dezotti et al. [10] e Kehoe [25]. Esses autores ainda complementam que o pH da superfície radicular é reduzido após o uso de peróxido de oxigênio a 30%. Chng et al. [6] afirmaram que o pH do peróxido de hidrogênio é de 1,7 e, quando este é associado ao perborato de sódio (pH = 9,6), o pH fica próximo ao da água (pH = 6,0), comprovando que o peróxido de hidrogênio é prejudicial aos tecidos mesmo quando adicionado ao perborato de sódio. Lee et al. [31] observaram que a difusão do peróxido de hidrogênio é inversamente proporcional ao aumento de pH da raiz.

Esberard et al. [11] afirmam que a influência dos agentes clareadores, tanto internos quanto externos, sobre esmalte, dentina e junção amelocementária são prejudiciais, com grande perda mineral e estrutura de cemento. Francischone [13] concorda com esses autores e acrescenta que até mesmo a colocação de grampos de isolamento absoluto no campo operatório pode causar agressão na região da junção amelocementária e possibilitar uma reabsorção cervical externa posterior.

As preocupações quanto à reabsorção cervical externa, principal consequência do clareamento interno, só começaram após o estudo de Harrington e Natkin [21], em 1979. Ficou evidente, pelo tempo e pela localização (região cervical, faces mesial e distal) do aparecimento de defeitos reabsortivos, que em certos casos não era o trauma, mas sim o clareamento, a causa direta da reabsorção. Para esses autores, a reabsorção pode ter ocorrido em função da penetração do peróxido de hidrogênio pelos túbulos dentinários, a partir do interior do canal, atingindo o ligamento periodontal.

A suposição de que a penetração do agente clareador fosse o causador da reabsorção externa foi também sustentada por Lado et al. [29]. Os autores relataram reabsorção em um dente sem história anterior de trauma. Concordando com os colegas, ainda levantaram outra hipótese etiológica, de que a dentina descoberta do gap não estaria sendo reconhecida pelo sistema imune.

O envolvimento do sistema imunológico tem sido amplamente estudado por Consolaro [7], o qual acredita que, com a exposição da dentina ao ligamento periodontal, haveria exposição de prováveis antígenos sequestrados às células de reconhecimento, principalmente macrófagos, e que a inflamação instalada no local e o provável reconhecimento autoimune dos antígenos sequestrados mobilizariam os clastos para remoção de estrutura mineralizada, desencadeando uma resposta imunopatológica. Nos pacientes portadores de reabsorção dentária, seria possível então detectar a presença de células sensíveis e anticorpos específicos para as proteínas dentinárias, mediante coleta de sangue. Entretanto Cvek e Lindvall [8] dizem que, em contato com os tecidos vitais, o peróxido de hidrogênio causa coagulação e inflamação aguda, das quais normalmente se espera a cura após a remoção ou neutralização do agente irritante. Friedman et al. [15], por terem encontrado reabsorção em um dente clareado e sem história de trauma, no qual não foi usado calor para o clareamento, concordam com Cvek e Lindvall [8]. Porém Madison e Walton [34] observaram relação entre a reabsorção externa cervical e o clareamento apenas em dentes que sofreram o uso de peróxido de hidrogênio a 30% ativado pelo calor, o que não ocorreu quando os dentes foram submetidos à técnica walking bleach somente (isolada), gerando dúvidas sobre qual a real influência exercida pela aplicação de calor perante a reabsorção cervical externa. Em relação aos dentes traumatizados, Heithersay et al. [22], em 1994, discordaram desses autores, pois encontraram reabsorção em 77,94% de casos, assim como MacIsaac e Hoen [33], que constataram reabsorção em 72% dos casos com trauma associado.

De qualquer forma, a reabsorção causada por agressão ao aparelho de inserção, abaixo do epitélio de inserção, está íntima e diretamente relacionada com a junção amelocementária, no que concerne à permeabilidade aumentada e à presença de microáreas de exposição dentinária (gaps) aos tecidos periodontais normais ou inflamados. Na junção amelocementária, acredita-se que os tecidos mineralizados podem se relacionar de três formas distintas: cemento recobrindo esmalte; esmalte e cemento em relação topo a topo; e cemento distante do esmalte, demonstrando microexposições dentinárias voltadas aos tecidos periodontais [28, 38, 43, 44]. Essas variações na região da junção amelocementária podem ocorrer num único dente que concentre fases distintas da odontogênese, de modo que o esmalte e o cemento não recubram perfeitamente a dentina em toda sua periferia, dessa forma apresentando gaps [38].

Esberard et al. [11] mostram que, além dos tipos clássicos de junção amelocementária analisados por Neuvald e Consolaro [38], alguns túbulos dentinários podem se abrir diretamente na região, mesmo com cemento recobrindo o esmalte, reforçando assim a ideia de que os gaps são o ponto fraco da estrutura dentária diante da reabsorção. Francischone [13], em 2006, afirma ainda que o clareamento externo a laser acentuou os contornos de esmalte e cemento e também aumentou as áreas da junção amelocementária, fazendo com que a fragilidade em relação à reabsorção externa ficasse maior.

Hammarstrom e Lindskog [20] dizem que a reabsorção radicular parece progredir mais rapidamente em dentina do que em cemento, comprovando que o cemento age como uma barreira para tentar bloquear a ação do agente clareador a partir dos túbulos dentinários em direção ao ligamento periodontal, mas aparentemente não é capaz de proteger o ligamento dos agentes clareadores cáusticos. Em contrapartida, Zalkind et al. [53] discordam desse ponto e afirmam que o cemento é o tecido mais afetado morfologicamente quando exposto ao agente clareador. Os autores alegam que o cemento é o tecido mais orgânico e delgado próximo à junção amelocementária.

Quanto ao tampão cervical, desde 1985 Cvek e Lindvall [8] aconselham seu uso e, assim, vários materiais foram estudados a fim de mostrar qual seria mais eficiente no vedamento do canal radicular para os casos de clareamento interno. No estudo de Vasconcelos et al. [49], em 2000, concluiu-se que a guta-percha apresentou melhor vedamento que o ionômero de vidro, o fosfato de zinco e o cimento resinoso. Já em 2006, Cardoso et al. [4] afirmaram que, quando os cimentos têm presa química, a aderência e a uniformidade ficam prejudicadas. Dessa maneira, os autores indicam o emprego de cimentos de ativação pela luz. Gomes et al. [19] acreditam que nenhum dos materiais possui capacidade efetiva de vedamento, mas que o Coltosol apresentou melhores resultados e o ionômero de vidro o pior desempenho. Lambrianidis et al. [30] acrescentaram ainda, em 2002, que o uso do hidróxido de cálcio como complementar ao tampão não mostrou resultados estatisticamente satisfatórios.

Diante de tantas evidências, fica claro que o clareamento dental oferece vantagens, como evitar o desgaste de estrutura dentária sadia e mostrar resultados estéticos satisfatórios, desde que o agente clareador e a técnica de clareamento sejam cuidadosamente selecionados, a fim de obter um resultado duradouro, seguro e eficaz.

 

Conclusão

Com base nas informações obtidas por meio da presente revisão bibliográfica, conclui-se que:

  • a reabsorção cervical em dentes clareados tem etiologia multifatorial que ainda não está totalmente esclarecida;

  • uma base protetora cervical com efetivo selamento de 2 a 3 mm abaixo do colo cervical do dente é de primordial importância;

  • a ativação com fontes de calor deve ser evitada, independentemente do agente clareador empregado;

  • o perborato de sódio associado à água é menos agressivo para os tecidos dentais que o peróxido de hidrogênio e, portanto, deve ser o agente clareador de escolha.

 

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Endereço para correspondência:
Denise Piotto Leonardi
Rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, n.º 5.300 – Campo Comprido
CEP 81280-330 – Curitiba – PR
E-mail: denisepl@up.edu.br

Recebido em 23/4/2009.
Aceito em 3/8/2009.
Received on April 23, 2009.
Accepted on August 3, 2009.