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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.2 Joinville Jun. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ARTICLE

 

Avaliação do potencial do cloranfenicol para induzir teratogenicamente o aparecimento de fissura palatina em ratos Wistar

 

Evaluation of the teratogenic potential of chloramphenicol to induce the appearance of cleft palate in Wistar rats

 

 

Heloísa SteffensI; Andréa Azevedo BrandãoI; Odilon Guariza FilhoII; Ana Maria Trindade GrégioII; João Paulo SteffensIII

ICirurgiãs-dentistas – PUCPR
IIProfessores do curso de Odontologia – PUCPR
IIIMestre em Odontologia – UEPG. Doutorando em Odontologia, área de concentração em Periodontia – Faculdade de Odontologia de Araraquara, Universidade Estadual Paulista – Unesp

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O cloranfenicol é um antibiótico com uso controverso durante a gestação, por atravessar a barreira placentária com facilidade e atingir altas concentrações no feto.
OBJETIVO: O objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial teratogênico do cloranfenicol para induzir fenda palatina em ratos.
MATERIAL E MÉTODOS: Foram utilizadas 10 ratas Wistar para a realização da cópula, alocadas em dois grupos: G1 – cinco ratas receberam 0,5 mg/kg de cloreto de sódio via intramuscular do 14.º ao 17.º dia de prenhez (controle); G2 – cinco ratas receberam 0,5 mg/kg de cloranfenicol via intramuscular do 14.º ao 17.º dia de prenhez. Foram realizadas cesarianas no 20.º dia de prenhez. A cabeça dos fetos foi removida e examinada clinicamente com o auxílio de lupa estereoscópica para diagnóstico de fenda palatina.
RESULTADOS: Os resultados mostraram que os fetos de G1 ou G2 não apresentaram fenda palatina.
CONCLUSÃO: Concluiu-se que o cloranfenicol não tem potencial teratogênico para induzir o aparecimento de fenda palatina em ratos.

Palavras-chave: cloranfenicol; agentes antibacterianos; fissura palatina.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Chloramphenicol is an antibiotic with controversial use during pregnancy for easily crossing the placental barrier and achieving high concentrations in the fetus.
OBJETIVE: The aim of this study was to evaluate the teratogenic potential of chloramphenicol to induce cleft palate in rats.
MATERIAL AND METHODS: 10 female Wistar rats were used to perform the mating, allocated into two groups: G1 – 5 female rats received 0.5 mg/kg of sodium chloride intramuscularly from the 14th to the 17th day of pregnancy (control); G2 – 5 female rats received 0.5 mg/kg of chloramphenicol intramuscularly from the 14th to the 17th day of pregnancy. Cesareans were performed in the 20th day of pregnancy. The fetuses' heads were removed and clinically examined with the aid of a stereoscopic magnifying glass for the diagnosis of cleft palate.
RESULTS: The fetuses of G1 or G2 did not present cleft palate.
CONCLUSION: Chloramphenicol does not have the teratogenic potential to induce cleft palate in rats.

Keywords: chloramphenicol; anti-bacterial agents; cleft palate.


 

 

Introdução

Algumas malformações congênitas estão comprovadamente associadas ao uso de medicamentos em um período gestacional precoce. As fendas orofaciais são uma das malformações congênitas mais frequentes e foram descritas pela primeira vez há quase dois séculos. No entanto sua etiologia não se encontra claramente estabelecida. Entre outros fatores ambientais, a exposição a medicamentos parece ter importante ação no mecanismo que interfere no desenvolvimento embriológico, resultando na falha parcial de fusão dos processos nasais médios e outras anormalidades de desenvolvimento.

O cloranfenicol é um antibiótico de amplo espectro, eficaz contra bactérias gram-negativas, gram-positivas e riquétsias. Tem como indicações clínicas primárias as infecções causadas por salmonelas, como febre tifoide, infecções graves como meningite, epiglote ou pneumonia causada por H. influenzae [1], infecções meningocócicas ou pneumocócicas do sistema nervoso central [11] em pacientes sensíveis aos antibióticos betalactâmicos e infecções anaeróbicas ou mistas do sistema nervoso central [14], infecções por riquétsias [5] e na brucelose [12]. Por causa dos diversos efeitos colaterais provocados pelo cloranfenicol, entre os quais se incluem distúrbios gastrintestinais, distúrbios da medula óssea e toxicidade em recém-nascidos, o emprego do antibiótico tem sofrido restrições de uso.

A utilização do cloranfenicol durante a gestação é muito controversa, pois atravessa a placenta com grande facilidade [17], chegando ao feto com altos níveis de concentração. No entanto não há relatos na literatura sobre seu potencial teratogênico. Assim, o presente trabalho teve como objetivo investigar o potencial do cloranfenicol em induzir teratogenicamente o desenvolvimento de fenda palatina em ratos Wistar.

 

Material e métodos

Para a realização do procedimento experimental foram utilizados 20 ratos do tipo Rattus norvegicus (Wistar), obtidos no biotério da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP-PR). Além disso, foram obedecidas as recomendações éticas e legais especificadas para a experimentação animal.

O peso corporal médio dos ratos foi de 250 g; dez eram do sexo masculino e dez do sexo feminino. As ratas grávidas foram divididas em dois grupos experimentais: grupo 1 (controle) – composto de cinco ratas, que receberam 0,5 mg/kg de cloreto de sódio via intramuscular do 14.º ao 17.º dia de prenhez; grupo 2 (teste) – formado por cinco ratas, que receberam 0,5 mg/kg de cloranfenicol via intramuscular do 14.º ao 17.º dia de prenhez.

Os animais foram mantidos em gaiolas específicas para criação de ratos, na proporção de três animais para cada gaiola, evitando-se altas densidades. As gaiolas foram distribuídas em diferentes setores do biotério, de modo que as fêmeas ficassem isentas de contato com os machos, tomando-se o cuidado de manter todas as gaiolas em local de boa circulação de ar e luminosidade.

Ao completar 90 dias de idade, os machos foram colocados em gaiolas suplementares. Dois dias depois retiraram-se os machos, e as fêmeas foram distribuídas nessas mesmas gaiolas, sem que estas fossem limpas, com o intuito de obter o efeito Whitten, proveniente da ação dos feromônios excretados pelos roedores. Dessa forma, foi controlado o início do ciclo estral e pôde-se definir quando ocorreria a ovulação, geralmente entre o quarto e o quinto dia após o começo deste. A confirmação de que as fêmeas se encontravam no estro foi feita pela estimulação digital na região pélvica destas. No 96.º dia, os machos foram postos em convívio com as fêmeas, na proporção de um macho para duas fêmeas (acasalamento), permanecendo juntos até a manhã do dia seguinte, quando então os machos foram removidos e doados para realização de outros experimentos.

Para a confirmação de que houve realmente a cópula, foram injetados 20 µL de solução de cloreto de sódio a 9% (Darrow) no canal vaginal da fêmea, com uma pipeta de pequeno calibre, e logo em seguida aspirados. Colocou-se o material colhido em lâminas de vidro lapidadas e foi feito um esfregaço para verificar, ao microscópio ótico, se havia espermatozoides ou não. Além disso, efetuou-se uma inspeção visual nos genitais externos da fêmea, buscando-se aspectos clínicos indicativos do acasalamento, como sangramento ou vermelhidão na vagina. As fêmeas que apresentassem quaisquer dessas características foram consideradas grávidas e utilizadas no experimento.

Em ambos os grupos o sacrifício dos animais foi feito no 20.º dia de gestação. Na sequência, foi realizada a laparotomia em cada uma das gestantes, para a coleta dos fetos. Apenas a porção cefálica de cada feto foi avaliada macroscopicamente, sob lupa estereoscópica Zeiss modelo citoval (aumento de aproximadamente 20 X).

Foram levados em conta na avaliação clínica dos fetos: fechamento do palato primário e secundário; processo nasal; processo mediano; e processos palatinos laterais.

 

Resultados

Nenhum feto do grupo experimental apresentou má-formação palatina. Todos os animais tiveram fechamento completo do palato primário e secundário, com a fusão dos processos nasais e medianos, permitindo a formação do palato primário. Os processos palatinos laterais que a princípio cresciam para baixo, após movimentação da língua no sentido caudal, tornaram-se horizontalizados como duas prateleiras ou cristas, cresceram horizontalmente em sentido de um para o outro, fundiram-se na linha média atrás do forame incisivo do palato primário e, por fim, formaram o palato secundário.

 

Discussão

Os resultados indicaram que nos fetos expostos ao cloranfenicol nas doses diárias de 0,5 mg/kg entre o 14.º e o 17.º dia de prenhez os níveis da droga não foram suficientes para induzir o aparecimento de fenda palatina, consequência da falha das cristas palatinas que não estabelecem contato. Alterações no desenvolvimento do mesênquima e a subsequente interrupção na elevação das cristas palatinas não estão relacionadas à exposição do cloranfenicol nesse estágio de desenvolvimento.

O cloranfenicol é um antibiótico muito utilizado para tratar infecções bacterianas, e as mulheres grávidas também recebem frequentemente tal tratamento. Esse medicamento atravessa a placenta livremente, e o tratamento materno tardio na gravidez pode estar associado com problemas vasculares no feto [7].

Em virtude de o mecanismo de ação do cloranfenicol interferir na síntese proteica, ele poderia alterar a síntese proteica fetal, levando a má-formações [16]. O presente estudo concorda com trabalhos anteriores, em que efeitos teratogênicos não foram observados nos conceptos de ratos [18], coelhos [4] ou macacos [6] após tratamento com cloranfenicol na dose de 2 a 4 vezes a dose usual em humanos. Contudo várias anomalias congênitas foram induzidas em ratos pelo tratamento materno com cloranfenicol na dose de 10 a 40 vezes a dose terapêutica em humanos [9, 19], mas não em camundongos e coelhos [10].

O rato é o animal de trabalho comumente empregado como modelo experimental para o estudo da biologia e patologia dos tecidos bucais. Na teratologia experimental, o rato apresenta abundantes vantagens, pois tem ciclo reprodutivo curto e baixa incidência de más-formações espontâneas, bem como é relativamente resistente a doenças e a procedimentos operatórios. Por isso sua aplicação na teratologia é fundamental [3, 15].

Nos ratos, o desenvolvimento normal pré-natal do palato ocorre da seguinte maneira: o palato primário é formado entre o 11.º e o 14.º dia de prenhez. No 16.º dia a língua ainda não entrou em contato com as projeções palatais. No 17.º dia as projeções palatinas fusionam-se, separando as cavidades em nasal e oral. No 18.º dia, a região palatina está livre de ninhos epiteliais. No 19.º dia, o centro ósseo nasofaríngeo situado lateralmente à cavidade nasofaringeana e medialmente ao centro ósseo alveolar está fusionado, e a formação óssea progride em direção à linha média do palato. A aproximação do osso palatino ocorre no 21.º dia. A região da linha média tem a aparência de uma sutura, e a malha óssea é separada por acúmulos de células mesenquimais [13]. Por esse motivo, a administração do cloranfenicol foi feita entre o 14.º e o 17.º dia de prenhez, coincidindo com a formação do palato secundário [3, 8].

Em relação à dosagem do cloranfenicol, cabe lembrar que em teratologia a dose empregada da droga deve produzir o máximo de má-formação com o mínimo de perdas. Os tratamentos agudos produzem maior efeito teratogênico que os crônicos [2].

Apesar dos resultados favoráveis ao uso de cloranfenicol em ratas prenhas, as limitações do presente estudo devem ser levadas em consideração. Sugere-se que novas investigações sejam realizadas com maior número amostral e metodologia mais sensível a alterações de desenvolvimento (como cortes histológicos) para avaliar o real efeito do cloranfenicol em induzir fendas palatinas em ratos.

 

Conclusão

Considerando-se as limitações da presente pesquisa, conclui-se que a administração de 0,5 mg/kg de cloranfenicol não foi eficaz em induzir teratogenicamente o aparecimento de fendas palatinas em fetos de ratos tipo Wistar.

 

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Endereço para correspondência:
João Paulo Steffens
Programa de Pós-Graduação em Odontologia
Faculdade de Odontologia de Araraquara, Universidade Estadual Paulista – Unesp
Rua Humaitá, 1.680
CEP 14801-903 – Araraquara – SP
E-mail: joaopaulosteffens@hotmail.com

Recebido em 21/7/2009
Aceito em 14/10/2009
Received on July 21, 2009
Accepted on October 14, 2009