SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.2 Joinville Jun. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ARTICLE

 

Grupos focais: uma estratégia para a pesquisa em saúde

 

Focus groups: a strategy for health research

 

 

Maria da Graça Kfouri LopesI; Herbert Rubens Koch FilhoII; Izabel Do Rocio Costa FerreiraIII; Roberto Eduardo BuenoIV; Simone Tetu MoysésV

ICirurgiã-dentista. Professora coordenadora do curso de Odontologia da Universidade Positivo e professora no curso de Odontologia e na Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Educação – Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Doutoranda em Odontologia, área de concentração em Saúde Coletiva – PUCPR
IICirurgião-dentista. Professor no curso de Odontologia da PUCPR. Especialista em Didática do Ensino Superior – PUCPR. Mestre em Odontologia, área de concentração em Saúde Coletiva – PUCPR. Doutorando em Odontologia, área de concentração em Saúde Coletiva – PUCPR
IIICirurgiã-dentista. Professora coordenadora do curso técnico em Saúde Bucal da Escola Técnica da UFPR. Especialista em Odontopediatria – UFPR. Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho – Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Doutoranda em Odontologia, área de concentração em Saúde Coletiva – PUCPR
IVCirurgião-dentista. Professor da Faculdade Herrero. Especialista em Odontologia em Saúde Coletiva – PUCPR. Mestre em Odontologia, área de concentração em Saúde Coletiva – PUCPR. Doutorando em Odontologia, área de concentração em Saúde Coletiva – PUCPR
VCirurgiã-dentista. Professora coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia, área de concentração em Saúde Coletiva – PUCPR

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A estratégia de pesquisa por meio de entrevistas abertas é uma alternativa qualitativa que permite a captação do significado embutido em opiniões expressas, externando valores e sentimentos dos sujeitos da pesquisa. Enquanto método construtivista, pressupõe a análise interpretativa da fala. A coleta de dados exige pragmatismo do pesquisador e ausência de estímulos que induzam ou inibam os entrevistados.
OBJETIVO: Este trabalho traz como propostas: a) aplicar a estratégia de grupos focais como parte da avaliação da disciplina de Métodos Qualitativos de um curso de pós-graduação stricto sensu; b) pesquisar os critérios que determinam a escolha do profissional de Odontologia pelo paciente.
MATERIAL E MÉTODOS: De modo a cumprir com os objetivos da pesquisa, foi promovido um exercício visando à compreensão do conteúdo dos grupos focais por meio de metodologia ativa de aprendizagem que se concretiza na vivência e no binômio ação-reflexão. A atividade foi desenvolvida com o tema "Determinantes na relação que se estabelece entre o profissional de Odontologia e seus pacientes" sob o ponto de vista destes. O grupo que coordenou a atividade foi composto por quatro cirurgiões-dentistas, alunos da referida disciplina, que desempenharam as funções de: a) mediador; b) relator; c) observador; d) operador de gravação. De um total de 20 alunos matriculados nessa disciplina, o grupo de discussão foi composto por seis (N = 6) voluntários. Como critério de exclusão foram estipulados os portadores de planos odontológicos e/ou os usuários exclusivos do serviço público de saúde. A gravação foi transcrita e submetida a análise de conteúdo. Para tal se utilizou o programa computacional Atlas TI 5.0.
RESULTADOS: Os pacientes selecionam o profissional de Odontologia pelas referências que obtêm a respeito dele. O relacionamento pessoal foi muito valorizado pelo grupo, reforçando as competências e as habilidades de sensibilidade e compromisso com o ser humano contidas no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de Odontologia. Também foi enaltecida a importância do compromisso profissional com a educação continuada e com a habilidade técnica. A intervenção de vários profissionais não é percebida como resolutiva, mas sim como ações desconectadas entre si. Ressaltou-se a importância de o profissional fornecer informações claras e exercer a escuta qualificada, no sentido de dar voz ao paciente nas suas necessidades. Em relação à organização do serviço, uma das maiores preocupações do paciente é com os procedimentos de biossegurança.
CONCLUSÃO: A estratégia da entrevista qualitativa na modalidade de grupo focal mostrou-se adequada ao propósito da atividade. Os resultados do grupo focal revelaram que as recomendações das DCNs para os cursos de Odontologia estão conectadas com a representação social do cirurgião-dentista.

Palavras-chave: pesquisa qualitativa; grupos focais; Odontologia.


ABSTRACT

INTRODUCTION: The research strategy through open interviews is a qualitative alternative that can capture the meaning embedded in opinions expressed, revealing values and feelings of the research subjects. As a constructivist method it requires the interpretative analysis of the speech. Data collection requires pragmatism from the researcher and absence of stimuli that might induce or inhibit the interviewees.
OBJECTIVE: This study had the following proposals: a) to implement the strategy of focus groups as part of the evaluation of the Qualitative Methods discipline in a stricto sensu course; b) to search the criteria that determine the patient's choice of dental professional.
MATERIAL AND METHODS: In order to achieve the objectives of the research, an exercise was carried out aimed at understanding the content of focus groups through active learning methodology based on the experience and binomial action-reflection. The activity was developed under the theme "Determinants in the relationship established between the dental professional and their patients", according to the patients' opinions. The group that coordinated the activity consisted of four dentists, students of the Qualitative Methods discipline, who played the following roles: a) mediator; b) reporter; c) observer; d) recording operator. The discussion group was composed of six (N = 6) volunteers from a total of 20 students enrolled in this discipline. The exclusion criteria included those with private dental plans and/or the exclusive users of public health services. The recording was transcribed and submitted to content analysis. To this end the ATLAS.ti 5.0 computer program was used.
RESULTS: Patients select the dental professional according to the references they get from others. The personal relationship was highly valued by the group, reinforcing the skills and abilities of sensitivity and commitment to the human being presented in the text of the National Curriculum Guidelines (NCG) for Dentistry courses. The importance of professional commitment to continuing education and to technical skill was highlighted as well. The involvement of various professionals is not perceived as problem-solving, but as actions unconnected to each other. The importance of a professional that provides clear information and a qualified listening in order to give voice to the patient's needs was pointed out. Regarding the organization of the service, biosafety procedures are one of the patient's main concerns.
CONCLUSION: The qualitative interview strategy in the mode of the focus group showed to be adequate to the purpose of the activity. The results of the focus group revealed that the recommendations of the NCG for Dentistry courses are connected with the dentist social representation.

Keywords: qualitative research; focus groups; Dentistry.


 

 

Introdução

A estratégia de pesquisa mediante entrevistas abertas é uma alternativa nos casos em que a investigação científica se destina a evidenciar o significado de fenômenos sociais. Por intermédio da fala, os sujeitos participantes se expressam de forma livre, contribuindo para o entendimento aprofundado a respeito de um tema central [3, 14, 15].

As entrevistas abertas transpõem as limitações de instrumentos estruturados e semiestruturados que não permitem a captação do significado embutido em opiniões expressas, nos valores e sentimentos dos sujeitos da pesquisa [4, 14]. As entrevistas qualitativas são classificadas como método construtivista, pois pressupõem a análise interpretativa da fala, contrapondo-se ao método positivista, que prevê o tratamento estatístico dos dados coletados e a possibilidade de extrapolar os resultados para situações da mesma natureza [15].

Tendo em vista a subjetividade das entrevistas abertas, percebe-se que as habilidades do pesquisador e a adequação da estratégia aos objetivos da pesquisa são fundamentais para a credibilidade dos resultados [14]. O sucesso da aplicação da técnica está intimamente ligado à neutralidade do pesquisador e ao seu conhecimento do tema [4].

Para a obtenção de dados fidedignos, o pesquisador não deve interferir no discurso do sujeito, pois é nele que o significado da realidade é atribuído. Esse significado só pode ser produto das vivências e da história de vida do indivíduo, as quais serão interpretadas após uma escuta atenta e distante. O papel do pesquisador é estimular os relatos dando total liberdade de expressão para que o material seja o mais rico possível [4, 14, 15].

A proposta do presente trabalho foi aplicar a estratégia de grupos focais (GFs) como parte da avaliação da disciplina de Métodos Qualitativos de um curso de pós-graduação stricto sensu. A entrevista foi conduzida de maneira a cumprir dois propósitos: promover um exercício para a compreensão do conteúdo dos GFs por meio de metodologia ativa de aprendizagem que se concretiza na vivência e no binômio "ação-reflexão" e verificar os critérios que determinam a escolha do profissional de Odontologia pelo paciente.

 

Grupos focais

A estratégia de GF consiste em uma diversificação da entrevista aberta, em que grupos são estimulados a dialogar e discutir sobre um determinado tema [11]. É uma atividade relativamente simples e rápida, que parece responder a contento à nova tendência de pesquisa em saúde, que tem se deslocado da perspectiva do indivíduo para a do grupo social [3].

Essa técnica tem suas características próprias e distingue-se das demais principalmente pelo processo de interação grupal, em que a fala a ser trabalhada não é meramente descritiva ou expositiva, e sim uma "fala em debate" [4, 11, 13].

As expressões de cada indivíduo que participa da dinâmica sofrem a intervenção dos demais sujeitos, permitindo que a coleta dos dados também apresente modificações enquanto se realiza a atividade. Tal vivência de aproximação faz com que o processo de interação grupal se desenvolva, de modo a favorecer trocas, descobertas e participações comprometidas. As pessoas sentem-se mais à vontade de expressar suas opiniões em grupo do que individualmente, e é exatamente essa interação de processo que o GF tenta captar [3, 9, 11].

Em pesquisas exploratórias, seu propósito é gerar novas ideias ou hipóteses e estimular o pensamento do pesquisador, enquanto em pesquisas fenomenológicas ou de orientação é apreender como os participantes interpretam a realidade, seus conhecimentos e experiências [6, 13].

O pesquisador, no papel de mediador, é responsável por manter a liberdade de expressão, mas especialmente o foco dos pronunciamentos em torno do tema pesquisado [4].

Entre as vantagens do uso da técnica está a possibilidade de intensificar o acesso às informações acerca de um fenômeno, seja pela intenção de gerar tantas ideias quanto possível ou pela averiguação de uma ideia em profundidade [14, 15]. A história individual constrói-se no seio de inter-relações sociais, em que os relatos, as opiniões e os posicionamentos são constructos que vão se delineando nas relações uns com os outros, remetendo-se às manifestações da história pregressa e contemporânea de cada um. Assim, os sujeitos assumem a condição de porta-vozes do contexto em que se inserem, e o debate no GF torna-se uma construção [5].

Os grupos são constituídos por pessoas, escolhidas por apresentarem pelo menos um traço comum, importante para o estudo proposto. Desse modo, os critérios para a seleção dos participantes de uma sessão de GF são determinados pelo objetivo do estudo, configurando aquilo que se chama de amostra intencional [13, 16].

As críticas à estratégia de GF relacionam-se ao rigor científico, que para alguns é inexistente em pesquisa qualitativa sem estruturação rigorosa. Pesquisadores positivistas tendem a questionar a fidedignidade dos dados coletados em pesquisa qualitativa, pois nem sempre eles permitem a generalização para situações semelhantes. A subjetividade presente na fala dos indivíduos do grupo leva à dependência quase completa da interpretação do pesquisador, que por vezes se rende ao romantismo e passa a buscar significados ocultos na mente das pessoas, contaminando a análise do discurso [14].

Também se deve considerar que os dados obtidos de GF contrastam com os colhidos em questionários fechados, que podem estatisticamente ser mais precisos, mas não permitem o conhecimento em profundidade das impressões humanas [8].

Assim, a escolha de tal estratégia deve vislumbrar as demandas do tema central da pesquisa, ou seja, a essência do que se quer buscar [3]. Dessa forma percebe-se que é iminente a necessidade de adequação à técnica para o levantamento dos dados requeridos para a investigação. O pesquisador tem de estar pronto para a escuta ativa e neutra, bem como para exercitar a capacidade de estimular a fala interativa entre os participantes [4, 13].

Sobre a tarefa de interpretação, esta deve ser feita por meio de um olhar distanciado, sem permitir a interferência de crenças pessoais e pré-julgamentos que possam comprometer a confiabilidade dos resultados da investigação [4, 14].

Quanto ao aprendizado para a correta aplicação da técnica, a vivência é imprescindível, pois para aprender métodos qualitativos é preciso aprender a observar, registrar e analisar interações reais entre pessoas e entre pessoas e sistemas [10, 11].

Sob essa ótica, este estudo também relata o experimento feito por um grupo de alunos que estão em processo de aprendizagem das técnicas para a realização de pesquisa qualitativa em suas dissertações e teses.

 

Fundamentação do exercício de aplicação da estratégia de grupos focais

Esta experiência foi suportada pelo documento das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de graduação em Odontologia [2], cujo texto explicita as qualidades que se esperam do egresso/profissional cirurgião-dentista. A escolha desse documento deu-se pelo consenso que ele representa. O Conselho Nacional de Educação (CNE) e a Câmara de Educação Superior (CES) do Ministério da Educação (MEC) definiram princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de cirurgiões-dentistas.

De acordo com as DCNs, o perfil do profissional, em Odontologia deve contemplar algumas competências e habilidades, entre as quais: "ser generalista, ter uma sólida formação ética e respeitar aos princípios legais inerentes ao exercício da profissão, além de ser sensível e comprometido com o ser humano, valorizando-o e respeitando-o. Deve também atuar multiprofissional, inter e transdisciplinarmente" [2].

Essas diretrizes vão ao encontro da consciência contemporânea sustentada por Morin [12], que desconstrói a valorização da superespecialização dos profissionais de saúde, formados sob a ótica flexneriana [7]. Em seu discurso Morin [12] ressalta que "é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto".

Fica claro que o "desafio da globalidade" enquanto "desafio de complexidade" deve considerar que os aspectos econômico, político, sociológico, psicológico, afetivo e até mitológico são inseparáveis e existem de modo interdependente e interativo entre as partes e o todo, e o todo e as partes [12]. Conclui-se que o profissional da Odontologia precisa exercer a profissão de maneira articulada ao contexto social, entendendo-o como determinante da condição de saúde da população.

Ainda cabe ressaltar o expresso no artigo 4.º das DCNs para os cursos de graduação em Odontologia [2] sobre as competências e as habilidades gerais do cirurgião-dentista. Tanto durante sua formação como ao longo de sua carreira o profissional deve estar apto a: "a) desenvolver ações de atenção à saúde; b) tomar decisões para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; c) desenvolver comunicação acessível, seja mediante linguagem verbal e/ou não-verbal, como nas habilidades de escrita e leitura; d) garantir confidencialidade das informações; e) ter compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz; f) ser empreendedor, gestor, empregador e líder de equipe de saúde; g) comprometer-se com a educação permanente, tanto na sua formação quanto na sua prática".

 

Material e métodos

Conforme o contexto mencionado, a atividade de aplicação dos GFs foi desenvolvida sob o tema "Determinantes na relação que se estabelece entre o profissional de Odontologia e seus pacientes". A escolha do assunto foi motivada pela curiosidade do grupo condutor da atividade e pela adequação aos demais alunos da disciplina, que atuaram como integrantes do grupo de discussão, já que todos já haviam frequentado consultórios odontológicos.

De uma população formada por 20 graduandos, seis apresentaram-se como voluntários para compor o grupo de discussão. Eles autorizaram a participação mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Compuseram os critérios de exclusão os seguintes itens: ser portador de plano odontológico e/ou ser usuário exclusivo do serviço público de saúde.

A equipe que coordenou a atividade foi constituída por alunos da já referida disciplina, todos com formação em Odontologia. Foram quatro integrantes que desempenharam funções no desenrolar do grupo focal: mediador, relator, observador e operador de gravação.

O mediador lançou questões pertinentes ao tema e o GF desenvolveu-se durante 55 minutos.

A gravação foi transcrita e submetida a análise de conteúdo. O trabalho de Bardin [1] foi utilizado para sustentar o conceito "análise de conteúdo". Essa autora o descreve como "um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens". Esse método consiste em três polos cronológicos: a) pré-análise, em que são realizadas as etapas de leitura flutuante, a escolha dos documentos, a formulação de hipóteses e objetivos e a elaboração de indicadores; b) exploração do material e aplicação sistemática das decisões tomadas na etapa anterior; c) tratamento dos resultados convertendo dados brutos em informações significativas e válidas, na inferência e interpretação.

Durante a análise de conteúdo foi utilizado o programa computacional Atlas. TI 5.0 como recurso tecnológico para a interpretação dos dados. Esta obedeceu aos seguintes passos: a) associou-se o documento da transcrição do grupo focal ao programa; b) realizou-se a codificação com base nas categorias "competência e experiência profissional", "educação continuada, organização de recursos do cuidado à saúde e incorporação de tecnologia"; c) foram feitas a leitura e a seleção de cada passagem do texto e organizou-se o documento primário, com códigos e famílias; d) procedeu-se à construção de redes semânticas ou preposicionais com os códigos criados, permitindo a emersão da teoria; e) efetuaram-se a compilação e a escrita do relatório baseando-se nas redes criadas.

 

Resultados e discussão

Os usuários dos serviços de Odontologia, no grupo pesquisado, abandonaram a postura usual de intimidação e medo para adotar a posição de consumidores exigentes, os quais requerem qualidades do profissional que possam garantir um bom atendimento e o sucesso do tratamento.

Na análise do discurso, a principal evidência foi que o profissional é escolhido pelas referências que as pessoas obtêm a respeito dele.

A questão do relacionamento pessoal foi muito valorizada pelo grupo, e reforçaram-se competências como sensibilidade e compromisso com o ser humano contidas no texto das DCNs. As palavras que mais apareceram na fala dos sujeitos participantes foram: simpatia, empatia, alegria, capacidade de transmitir segurança e confiança: "A questão primeira é a referência. Se um profissional, assim, que tem um atendimento tão próximo a você, você não vai buscar num catálogo, numa... revista ou num livro, você vai numa referência e a simpatia".

Em relação à experiência profissional traduzida nas DCNs como compromisso com a educação continuada e a habilidade técnica consolidada, essa característica é relatada em vários momentos, entre os quais se destacam: "Pra mim, particularmente, é o modo como ele executa o procedimento. Isso é fundamental, se ele tem maestria e o resultado final daquele procedimento. Isso pra mim é competência"; "Se ele está atualizado com as últimas técnicas... não sei se técnica aqui é a melhor palavra, mas isso é algo que me preocupa, além de tudo que eles já falaram: empatia, [...] profissionalismo também".

A maioria dos participantes mostrou-se contrária à ideia de ser submetida a tratamento odontológico por vários profissionais para resolver o seu problema de saúde bucal, mesmo que dentro de um único ambiente clínico. Nas DCNs, essa necessidade do paciente expressa-se pela determinação do perfil do profissional generalista. Nem sempre os profissionais indicados transmitem a mesma confiança que o seu profissional de referência. Assim, o paciente sente-se despersonalizado e desvalorizado no seu atendimento. Sob a óptica do paciente, a intervenção de vários profissionais não é percebida como resolutiva, mas sim como uma sequência de ações desconectadas entre si.

Além do que, retomando a questão da relação pessoal, o atendimento por profissionais diferentes impede a formação e a manutenção do vínculo e também é considerado uma forma de exploração financeira: "Então vai pra lá e vai prá cá... agora me põe pra cá, agora você vai com o meu irmão, então eu não gostei desse negócio, achei que eu tive mais consultas do que eu precisava..."; "Então ele me indicou para um profissional que era amigo dele e eu fui, acreditando porque era uma referência e que era muito bom. Não questionei o preço, fui no local em que ele me mandou e cheguei lá, fiz o procedimento, nota dez, fantástico, mas, assim, a famosa pergunta que a gente faz: Quanto que é, doutor? Aí, naquela época, já tem uns dez anos atrás, foi quase mil reais"; "Alguns cuidados que eu acho que o próprio profissional deveria ter até pra não causar um pouco de constrangimento pro paciente seria informar o custo do trabalho, pra que depois o paciente não se sinta explorado".

A deficiência na comunicação entre profissional e paciente fica clara na fala anterior. A capacidade de comunicação requerida para o cirurgião-dentista deve ser explicitada na habilidade de explicar o plano de tratamento, o seu desenvolvimento e o seu custo. Muitos participantes relataram a importância de o profissional dar informações claras e exercer a escuta qualificada, no sentido de dar voz ao paciente nas suas necessidades. Um deles relatou: "Se tiver do lado de lá um consultor... eu estou me sentindo bem atendido. Consultor no sentido de que ele vai me dar orientações do que eu devo fazer... ele [o profissional] tem que agir como um consultor. Se ele não tiver esse tipo de atitude eu procuro outro".

A fala anterior demonstra que há uma valorização significativa da informação prestada pelo profissional. A informação possibilita ao paciente um olhar mais crítico em relação às atitudes do cirurgião-dentista e à qualidade do tratamento odontológico. O paciente sente-se mais seguro quando o procedimento realizado tem significação para ele. Além disso, a orientação adequada favorece uma melhor proservação do tratamento, pois o conhecimento estimula o autocuidado, reforça a autonomia do paciente e afirma a corresponsabilidade com a manutenção de sua saúde bucal.

Quanto à organização do serviço, uma das maiores preocupações do paciente é com os procedimentos de biossegurança. A primeira impressão é em relação à limpeza e à organização do ambiente, que se for adequado leva o paciente a pressupor que os demais cuidados foram tomados: "Limpeza em primeiro lugar. A higiene do ambiente no todo, desde a recepção até a broca que entra na minha boca".

Outros apresentam conhecimento mais aprofundado no que diz respeito à utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) e esterilização do instrumental: "Pra mim os critérios são que todos usem luva, tudo esteja esterilizado, que eu possa ver retirando da estufa, colocando de novo e são esses critérios".

 

Conclusão

A estratégia da entrevista qualitativa na modalidade de GF mostrou-se adequada ao propósito da atividade. A aprendizagem foi exitosa, uma vez que o grupo dominou a estratégia e ainda avançou no sentido de ter utilizado recurso que associou um programa computacional a um referencial teórico consolidado para a análise do discurso dos sujeitos participantes.

A aplicação da técnica de GF propiciou a imersão do grupo no tema abordado por meio da vivência e da ação-reflexão.

Os resultados revelaram que as recomendações das DCNs para os cursos de Odontologia estão conectadas com a representação social do cirurgião-dentista.

 

Referências

1. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009. 281 p.         [ Links ]

2. Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES n. 3, de 19 de fevereiro de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil; 2002. Seção 1, p. 10.         [ Links ]

3. Carlini-Cotrim B. Potencialidades da técnica qualitativa grupo focal em investigações sobre abuso de substâncias. Rev Saúde Pública. 1996;30(3):285-93.         [ Links ]

4. Cruz Neto O, Moreira MR, Sucena LFM. Grupos focais e pesquisa social qualitativa: o debate orientado como técnica de investigação. In: XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais; 2002; Ouro Preto. [Acesso em Sep 2009 20]. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/.../Com_JUV_P027_Neto_texto.pdf.         [ Links ]

5. Dall'Agnol CM, Trench MH. Grupos focais como estratégia metodológica em pesquisa na enfermagem. Rev Gaúcha Enfermagem. 1999;20(1):5-25.         [ Links ]

6. Dias CA. Grupo focal: técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas. Informação & Sociedade: Estudos. 2000;10(2):141-58.         [ Links ]

7. Flexner A. Medical education in the United States and Canada. Nova York: The Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching; 1910. Bulletin 4.         [ Links ]

8. Iervolino AS, Pelicioni MCF. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Rev Esc Enf USP. 2001;35(2):115-21.         [ Links ]

9. Krueger RA. Focus group: a practical guide for applied research. 2ª ed. Londres: Sage Publications; 1996. 200 p.         [ Links ]

10. Liebscher P. Quantity with quality? Teaching quantitative and qualitative methods in a LIS Master's program. Library Trends. 1998;46(4): 668-80.         [ Links ]

11. Morgan DL. Focus group. Annu Rev Sociol. 1996;22(1):129-52.         [ Links ]

12. Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003. 116 p.         [ Links ]

13. Ressel LB, Beck CLC, Gualda DMR, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GD. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):779-86.         [ Links ]

14. Silverman D. Interpretação de dados qualitativos: métodos para análise de entrevistas, textos e interações. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2009. 376 p.         [ Links ]

15. Warren C. Qualitative interviewing. In: Gubrium JF, Holstein JA (Eds.). Handbook of interview research: context and method. Thousand Oaks, Califórnia: Sage; 2002. 288 p.         [ Links ]

16. Westphal MF, Bógus CM, Faria MM. Grupos focais: experiências precursoras em programas educativos em saúde no Brasil. Bol Oficina Panam. 1996;120(6):472-81.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Maria da Graça Kfouri Lopes
Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300 – Campo Comprido
CEP 81280-330 – Curitiba – PR
E-mail: mkfouri@up.edu.br

Recebido em 18/11/2009
Aceito em 18/12/2009
Received on November 18, 2009
Accepted on December 18, 2009