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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.2 Joinville Jun. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ARTICLE

 

Análise legal das informações sobre instruções de uso presentes nas embalagens de limas K-File

 

Legal analysis of the instructions for use information in the K-Files packages

 

 

Rhonan Ferreira da SilvaI; Mauro Machado do PradoII; Henrique César Marçal de OliveiraIII; Cláudia Daniela Moreira PortilhoIV; Eduardo Daruge JúniorV

IDoutorando em Biologia Bucodental, área de Anatomia – Faculdade de Odontologia de Piracicaba/Universidade Estadual de Campinas (FOP-Unicamp). Professor de Odontologia Legal – Universidade Paulista (Unip-GO)
IIDoutor em Ciências da Saúde – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (PPGCS-FS-UnB). Professor de Odontologia Legal – Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás (FO-UFG). Cirurgião-dentista e advogado
IIIMestrando em Clínicas Odontológicas – FO-UFG. Professor de Odontologia Legal da Associação Educativa Evangélica (Unievangélica-GO)
IVEspecialista em Endodontia – FO-UFG. Mestranda em Clínica Odontológica – FO-UFG
VProfessor Doutor de Odontologia Legal – FOP-Unicamp. Cirurgião-dentista e advogado

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A Anvisa classifica as limas endodônticas como produtos de uso médico e, portanto, todas as marcas comercializadas no país devem possuir registro nesse órgão. Para obter tal registro, diversas informações sobre o produto têm de ser disponibilizadas ao consumidor (cirurgião-dentista) para proporcionar o seu uso adequado e evitar possíveis acidentes.
OBJETIVO: Procurou-se analisar se as informações dispostas em embalagens, rótulos e instruções de uso das limas endodônticas tipo Kerr estão de acordo com a legislação vigente, especialmente as estabelecidas pela Anvisa e pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
MATERIAL E MÉTODOS: Foram visitados 29 estabelecimentos de comércio varejista de produtos odontológicos e adquiridas 11 amostras de diferentes marcas comerciais de limas tipo Kerr da primeira série completa (15-40), tendo sido comparadas as informações disponibilizadas com as preconizadas pelas determinações legais.
RESULTADOS: Verificou-se que nenhuma das marcas fornecia informações sobre o modo de usar e o meio de acondicionamento das limas antes/após o uso. Apenas a marca SybronEndo® alertava acerca dos riscos do uso das limas e apresentava critérios para número de uso e descarte. Somente a marca Mani® informava satisfatoriamente a respeito do modo de esterilização.
CONCLUSÃO: Constatou-se que determinadas normas estabelecidas pela Anvisa e pelo CDC estão sendo descumpridas, quando analisados os pontos referentes à exibição de certas informações necessárias e obrigatórias que deveriam constar em rótulos, instruções de uso ou embalagens comerciais das limas tipo Kerr. Considerando a grande quantidade de dados que devem ser disponibilizados para a correta utilização das limas endodônticas, é importante que eles sejam exibidos preferencialmente por meio de instruções de uso anexadas à embalagem comercial que será adquirida pelo cirurgião-dentista.

Palavras-chave: defesa do consumidor; instrumentos odontológicos; Odontologia Legal.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Anvisa classifies endodontic files as medical products and, therefore, all commercial trademarks sold in Brazil must have an adequate registration. To achieve this registration, several information on the product should be available to consumers (dentists) in order to allow its proper use and to avoid possible accidents.
OBJECTIVE: To examine whether the information set forth in endodontic K-Files packages, labels and instructions for use are in accordance with current legislation, especially those established by Anvisa and the Consumer's Defense Code (CDC).
MATERIAL AND METHODS: 29 retail dental centers were visited and 11 samples of different commercial trademarks of K-Files first series (15-40) were obtained, and the information available on them was submitted to an analysis based on legal orders.
RESULTS: In all trademarks, there was no information available on how to use the product and on the means of storing the files before/after use. Only SybronEndo® trademark warned about the risks of using the files and reported criteria of number of use and disposal. Only Mani® trademark adequately informed on how to sterilize.
CONCLUSION: It was verified that certain rules established by Anvisa and CDC are being disregarded concerning the display of certain necessary and required information that should be included on labels, instructions for use or K-Files commercial packages. Considering the large amount of information that must be available for the proper use of endodontic files, it is important that they are displayed preferably by means of instructions for use in the commercial package to be acquired by dentists.

Keywords: consumer advocacy; dental instruments; Legal Dentistry.


 

 

Introdução

O atual Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro foi aprovado pela Lei n.º 8.078/1990 [7] com a finalidade precípua de resguardar a ordem pública e o interesse social nas relações de consumo, visando proteger a parte considerada mais vulnerável nessa relação, ou seja, o consumidor. Na outra extremidade estão os fornecedores, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos e serviços. Eles devem respeitar os direitos do consumidor, sob pena de responderem a processos na esfera civil e/ou criminal pelos eventuais danos causados.

Durante a prática comercial odontológica, o cirurgião-dentista figura principalmente como fornecedor de produtos e serviços, quando oferece os diversos tratamentos odontológicos aos seus pacientes [17]. Entretanto, quando esse profissional adquire produtos de consumo, instrumental ou equipamentos odontológicos, passa a atuar como consumidor, estando amparado pelo CDC no que for cabível.

Para a realização dos tratamentos endodônticos, especificamente, torna-se imprescindível que o cirurgião-dentista adquira instrumentos próprios para a abertura, o preparo e a obturação dos canais radiculares, havendo uma gama de marcas e tipos disponíveis no mercado. Entre os produtos mais empregados no preparo e na modelagem dos canais radiculares estão as limas endodônticas manuais, tais como K-File, Flexo-File e Hedströen, e cada tipo possui especificações técnicas próprias para uso, indicações, contraindicações, vantagens e desvantagens.

Nesse sentido, o CDC estabelece em seu artigo 6.º, inciso III, como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentam [7]. Por esse motivo, os fabricantes e/ou importadores de limas endodônticas são obrigados, por força de lei, a disponibilizar as informações adequadas sobre a utilização desse tipo de produto. Além dessa premissa comercial, as limas endodônticas são classificadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como produto médico-odontológico destinado ao tratamento de patologias, e, desse modo, todas as marcas e tipos de limas endodônticas fabricados no Brasil ou importados estão subordinados à fiscalização do Ministério da Saúde, conforme determina o artigo 12 da Lei n.º 6.360/76 [6]: "Nenhum dos produtos de que trata esta Lei (produtos sujeitos à Vigilância Sanitária), inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde".

Em 1977 a Lei n.º 6.360/76 [6] foi regulamentada pelo Decreto n.º 79.094/77 [5], dispositivo que estabeleceu os requisitos gerais para registro de todos os produtos sujeitos à Vigilância Sanitária, inclusive os utilizados na área de saúde, então chamados "correlatos". Tal registro é atualmente disciplinado pela Resolução RDC n.º 185, de 22/10/2001 [3], e a empresa que o solicitar ou demandar cadastramento de produtos para saúde deve possuir amplo conhecimento do conteúdo tecnológico, do uso e da aplicação de seus produtos para cumprimento dos requisitos e elaboração das informações previstas nessa normativa, sendo de sua plena responsabilidade a delegação dessa competência a outras empresas que a representem. Entendendo que a interpretação incorreta das disposições da Resolução RDC n.º 185/2001 [3] pelas milhares de empresas que solicitam registro, dispensa, alteração, revalidação ou cancelamento de registro na Anvisa leva a erros nas informações prestadas, nos documentos apresentados ou nos procedimentos executados para atender à normatização vigente, a Anvisa criou um manual do usuário [1] no qual constam esclarecimentos sobre cada cláusula da referida resolução.

Sabendo-se que a responsabilidade do cirurgião-dentista acerca da realização dos diversos tipos de tratamento odontológico, inclusive os endodônticos, se inicia com a aquisição de materiais, equipamentos, instrumentos e demais produtos empregados em qualquer fase da terapêutica e que a observação das informações/instruções relativas às limas endodônticas, quando presentes, pode prevenir alguns tipos de acidentes ou complicações (fratura de instrumentos e contaminação cruzada, por exemplo), torna-se justificável verificar se as instruções de uso exibidas nas embalagens e nos rótulos de instrumentos endodônticos estão de acordo com o estabelecido na legislação. Além disso, também foi analisado o modo pelo qual as informações estão disponibilizadas nas embalagens comerciais, no momento em que são adquiridas pelo cirurgião-dentista.

 

Material e métodos

Os locais que comercializam limas endodônticas diretamente para o cirurgião-dentista devem estar cadastrados no Departamento de Vigilância Sanitária Municipal em uma das seguintes modalidades: empresa com atividade no comércio varejista exclusivamente de produtos odontológicos ou de artigos hospitalares/odontológicos. Nesse órgão, situado no município de Goiânia (GO), foi obtida a relação dos estabelecimentos regularmente inscritos, distribuídos por bairros/setores, em situação ativa e que estariam aptos a comercializar os diversos produtos utilizados nos tratamentos odontológicos. Da lista, o Setor Aeroporto era o bairro que apresentava o maior número desse tipo de empresas na cidade de Goiânia, sendo 11 com atividade no comércio varejista exclusivamente de produtos odontológicos e 18 com atividade no comércio varejista de artigos hospitalares/odontológicos. Todos os 29 estabelecimentos foram pessoalmente visitados durante o mês de julho de 2006, em busca de limas Kerr da primeira série completa (15-40), e adquiriram-se 11 marcas comerciais: CC-Cord-Anthaeos® (c/a), CC-Cord-DFL® (c/d), CC-Cord-Zipperer® (c/z), Dentsply-Malleifer® (d/m), Dyna® (dy), FKG® (fk), Injecta® (in), Mani® (ma), Minitech® (mi), Moyco® (mo), SybronEndo® (sy).

Em cada marca de lima pesquisada foram analisadas as informações relacionadas com as instruções de uso do produto, disponibilizadas pelas empresas fabricantes e/ou pelo importador e que estavam exibidas nas embalagens e rótulos, quando presentes (tabela I). Elas foram posteriormente confrontadas com as exigências dispostas na legislação nacional sobre o comércio de limas endodônticas, especialmente o Código de Defesa do Consumidor e a Resolução RDC n.º 185/2001 da Anvisa. Para cada dado avaliado foram associadas as letras "S" (informação presente e satisfatória), "I" (informação presente e insatisfatória) ou "A" (ausência de informação).

 

Resultados

As informações ligadas às instruções de uso foram agrupadas na tabela I, na qual se observou que a marca FKG® era a única a indicar que o material não estava estéril, ou seja, não estava pronto para uso imediato assim que retirado da embalagem (figura 1). A SybronEndo® era a única que exibia dados sobre o risco de alergia pelos componentes do produto, os critérios para descarte e o número de uso antes do descarte (figura 2). Quanto à temperatura e ao tipo de esterilização (estufa ou autoclave), apenas o importador da Mani® instruía satisfatoriamente em relação a esse procedimento. As marcas Dyna®, Injecta®, Minitech® e SybronEndo® não orientavam a respeito do tipo de esterilização do produto, e as demais informavam insatisfatoriamente acerca do processo de esterilização (somente o tipo de processo ou a temperatura). Nenhuma das marcas disponibilizava informações sobre o modo de usar ou indicava ao profissional como acondicionar o produto antes e/ou depois de utilizá-lo. Apenas a SybronEndo®, a Injecta® e a CC-Cord-Anthaeos® declaravam que o produto era de uso restrito do cirurgião-dentista ou estava recomendado para tratamento endodôntico.

 

 

No que se refere ao modo como as informações sobre os produtos eram fornecidas ao consumidor, verificou-se que todas as marcas as exibiam em adesivos fixados externamente às embalagens, e apenas a Minitech® apresentava informações gravadas diretamente na embalagem. O fabricante da SybronEndo® era o único que trazia instruções de uso anexas à embalagem, disponibilizadas em 13 idiomas, inclusive em português (figura 2). A CC-Cord-Zipperer® e a Mani® eram as únicas que portavam informações em rótulos situados internamente à embalagem.

 

Discussão

Considerando o conteúdo do Código de Defesa do Consumidor (CDC) [7] e da Resolução RDC n.º 185/2001 [3] da Anvisa, tem-se que as limas endodônticas em seus diversos tipos são classificadas como produto médico invasivo cirurgicamente, de uso transitório (menos de 60 minutos) e reutilizável. A classe de risco para esses instrumentos está no nível I, segundo o roteiro para avaliação de risco presente no anexo V, devendo atender aos requisitos essenciais de segurança estabelecidos na Resolução RCD n.º 056/2001 [2]. Desse modo, as limas endodônticas comercializadas no Brasil têm de possuir registro na Anvisa e os fabricantes e/ou importadores devem providenciar documentação e disponibilizar as informações necessárias que garantam a utilização adequada desses produtos, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 8.º do CDC [7], e essas informações precisam estar impressas nos rótulos e/ou nas instruções de uso, no idioma português, podendo estar escritas em outro idioma [3].

As condições especiais de armazenamento, conservação e/ou manipulação do produto, necessárias para garantir a segurança deste e de seus usuários, operadores e terceiros, devem estar descritas no rótulo de acordo com o que preconiza a Resolução RDC 185/2001 [3]. Por limitação de espaço físico no rótulo, essas informações podem estar apenas contidas nas instruções de uso, entretanto ele tem de indicar: "Ver instruções de uso". Mesmo com essa alternativa, constatou-se que, no presente trabalho, apenas um (SybronEndo®) dos 11 fabricantes disponibilizava informações adicionais impressas e fixadas na embalagem comercial.

A disponibilização de instruções de uso das limas endodônticas seria de grande valia principalmente para orientar o profissional sobre os cuidados referentes ao armazenamento e à conservação das limas antes e após o uso. Os dados sobre o armazenamento antes do uso seriam importantes levando em conta o tipo de vedação das embalagens comerciais analisadas, e observou-se que nenhuma das 11 marcas se apresentava hermeticamente vedada. Nas embalagens com a possibilidade de remoção individualizada da lima, existem frestas que permitem um contato maior de agentes externos, principalmente a umidade, com o produto a ser utilizado. Desse modo, orientar o profissional a acondicionar as embalagens em ambiente seco constitui conduta importante e que deveria ser realizada pelo fabricante/importador das limas endodônticas.

Nenhuma informação sobre acondicionamento e armazenamento depois do uso das limas endodônticas foi verificada nas 11 marcas avaliadas, apesar de algumas dessas informações terem sido fornecidas por algumas empresas importadoras para obtenção do registro do produto na Anvisa. Sabendo que há diferenças na literatura odontológica para cumprir tais requisitos, seja em caixas metálicas ou em tubos de ensaio (de vidro), seria importante o fabricante indicar o modo preferencialmente recomendado para armazenamento/acondicionamento após o uso dos referidos instrumentos, visando aumentar a longevidade do produto, e os métodos de biossegurança, que minimizariam os riscos de infecção cruzada.

A Resolução RDC 185/2001 [3] estabelece ainda que, se o produto médico for reutilizável, informações sobre os procedimentos apropriados para reutilização, incluindo limpeza, desinfecção, acondicionamento e, conforme o caso, o método de esterilização, se o produto tiver de ser reesterilizado, bem como quaisquer restrições quanto ao número possível de reutilizações, devem estar presentes nas instruções de uso. Caso o produto médico necessite ser esterilizado antes do uso, as instruções relativas a limpeza e esterilização precisam estar formuladas de forma que, se forem corretamente executadas, o produto satisfaça os requisitos essenciais de segurança e eficácia de produtos médicos da Anvisa [2]. Diante dessa exigência e considerando o modo como as limas analisadas estão acondicionadas nas embalagens comerciais – nenhuma das marcas disponibilizava o produto estéril –, seria importante a presença da expressão "produto não estéril", como apresentado pela empresa FKG®, a fim de deixar claro que tais instrumentos não estão prontos para serem empregados na terapêutica endodôntica assim que retirados da embalagem. Dessa forma, torna-se imprescindível que o fabricante indique o método associado à temperatura de esterilização, antes do primeiro uso e no fim de cada uso. Para essas informações, constatou-se que apenas a Mani® exibia satisfatoriamente dados sobre a esterilização das limas (tipo e temperatura); as demais marcas apenas traziam parte das informações ou não as continham (tabela I).

A literatura odontológica apresenta aspectos controversos sobre a possibilidade de fraturas de limas por interferência dos procedimentos de esterilização realizados previamente à reutilização desses instrumentos. Determinados autores, como Cohen e Burns [8], acreditam no superaquecimento dos instrumentos durante a esterilização como uma possível causa que destempera o metal, fazendo com que eles fiquem mais sujeitos à fratura ao serem usados. Nesse sentido, Álvares [4] recomenda que as limas de numeração inferior a 45 não sejam levadas à estufa por mais de três vezes, e do número 45 em diante, por mais de 4 ou 5 vezes. Por outro lado, alguns autores observaram que o efeito da esterilização sobre a fratura dos instrumentos é clinicamente irrelevante [18] ou que nem a quantidade de ciclos nem o tipo de esterilização utilizado (vapor ou química) afetam as propriedades de torção, dureza e a microestrutura das limas de aço inoxidável e de NiTi [12]. Diante da possibilidade de aumento da fragilidade da lima endodôntica pelo processo de esterilização, seria importante o fabricante estipular uma quantidade máxima de ciclos que cada tipo de instrumento endodôntico suportaria, com base em dados publicados na literatura odontológica, visando prevenir a ocorrência de acidentes (fratura de limas) por essa razão.

Outro ponto polêmico no que diz respeito às limas endodônticas está relacionado com a quantidade de vezes que um mesmo instrumento deve ser utilizado e os critérios para descarte. Há um consenso entre os autores para que as limas curvadas em um ângulo superior a 45° ou quando estas apresentarem deformações ao longo de suas espirais, antes ou após o uso, sejam prontamente descartadas [9-11, 13-16, 22, 23]. Quanto ao número da lima, os trabalhos convergem para o descarte após um único uso das limas da série especial, assim como a de número 15 [9, 10, 13-16]. Para as demais limas da primeira série, há recomendação para que sejam reutilizadas de duas a cinco vezes [9-11]. Considerando a relevância do tema para a prevenção das fraturas de limas e o posicionamento heterogêneo dos autores sobre o assunto, seria imprescindível que os fabricantes indicassem o número máximo de vezes que o instrumento pode ser usado para que o profissional proceda ao seu descarte. Nesse ponto, apenas a marca SybronEndo® exibia em sua embalagem informação sobre critérios para descarte e restrições quanto ao número de reutilizações. Nenhuma das embalagens das marcas analisadas trazia orientações acerca do modo de limpeza e acondicionamento das limas antes da reutilização (tabela I). Essa ausência de informações demonstra o descumprimento das normas estabelecidas pela Anvisa por fabricantes e/ou importadores de limas tipo K-File, expondo o profissional a situações desagradáveis e os pacientes a riscos desnecessários, tais como a fratura de instrumentos durante o tratamento endodôntico. Sabe-se que em adição às complicações clínicas a fratura de instrumentos endodônticos também pode gerar a instauração de processos éticos e judiciais contra o cirurgião-dentista [19, 20].

Ainda sobre as informações para descarte da lima endodôntica, a Anvisa estabelece que, quando a eliminação ou o descarte de um produto médico puder proporcionar riscos a terceiros ou ao meio ambiente, as instruções de uso devem prever as precauções a serem adotadas para evitar essas situações. Considerando que nenhuma embalagem das marcas analisadas apresentava algum tipo de instrução quanto aos cuidados para descarte e sabendo que a grande maioria dos cirurgiões-dentistas é assessorada pela equipe auxiliar, é importante que o fabricante cumpra a norma da Anvisa e disponibilize as informações necessárias para que acidentes com a equipe de saúde ou terceiros sejam evitados.

Tendo em vista que os dados sobre o uso correto, o acondicionamento, o armazenamento e o descarte das limas endodônticas são importantes para o profissional que utiliza esses produtos, torna-se inviável que todas essas informações estejam disponíveis apenas na forma de adesivos aderidos nas atuais embalagens comerciais, e essa prática foi adotada por todas as marcas analisadas. Além de adesivos, uma única marca fornecia informações adicionais em impresso fixado fora da embalagem comercial (SybronEndo®), outra exibia instruções gravadas diretamente na embalagem (Minitech®) e duas possuíam um rótulo presente no interior da embalagem (CC-Cord-Zipperer® e Mani®). Reforça-se a necessidade de haver instruções de uso impressas em local diverso da embalagem comercial, pelo fato de todas as marcas analisadas adotarem uma embalagem com formato de prisma, em que a maior face possui aproximadamente 17 cm2 de área. Além de essa superfície apresentar-se insuficiente, o Decreto n.º 79.094/77 [5] estipula em seu artigo 94 que os dizeres de rotulagem, bulas, etiquetas, prospectos ou quaisquer modalidades de impressos referentes aos produtos de que trata esse regulamento terão as dimensões necessárias à fácil leitura visual, observado o limite mínimo de 1 mm de altura, e serão redigidos de modo a facilitar o entendimento do consumidor. Portanto, é impraticável a disposição de todas essas informações ao consumidor (cirurgião-dentista) por meio dos adesivos atualmente fixados nas embalagens comerciais presentes no mercado.

A responsabilidade de fabricantes e importadores em relação ao fornecimento adequado de informações sobre os produtos disponibilizados no mercado está adequadamente definida no artigo 8.º do CDC [7], e o comerciante (empresas que comercializam produtos odontológicos) é igualmente responsável quando o fabricante ou o importador não puder ser claramente identificado (inciso II, artigo 13 do CDC). Daí a necessidade de os dados sobre fabricantes e importadores (endereço, telefone, página de internet etc.) de limas endodônticas também estarem devidamente exibidos nas embalagens comerciais [21]. Por esse motivo e considerando que as limas endodônticas são produtos odontológicos que necessitam de liberação da Anvisa para serem comercializados, cabe aos comerciantes adquirir produtos que estejam adequadamente registrados nessa entidade, e aos profissionais, não comprar ou utilizar nenhum tipo de produto médico/odontológico sem o devido registro na Anvisa. Nessas condições o profissional da Odontologia figura como consumidor e como tal tem direito à divulgação sobre o consumo e o acesso adequado e claro das informações referentes aos produtos que adquire (incisos II e III, artigo 6.º do CDC), em que o bem maior a ser zelado é a saúde dos pacientes. É válido lembrar que a alegação de ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade [7].

 

Conclusão

Diante do exposto e considerando a metodologia empregada, conclui-se que:

• as informações relacionadas às instruções de uso das limas tipo Kerr (primeira série completa), assim como as orientações para esterilização e acondicionamento antes e após o uso, critérios para reutilização e descarte, estão ausentes ou são inadequadamente exibidas nas embalagens comerciais, descumprindo tanto a Resolução RCD 185/2001 [3] da Anvisa quanto o Código de Defesa do Consumidor [7];

• entre as 11 marcas de lima tipo Kerr analisadas, a SybronEndo® foi a que mais atendeu aos requisitos legais quanto à exibição de informações referentes aos riscos de uso e critérios para descarte;

• as embalagens comerciais de limas endodônticas tipo Kerr que atualmente são adquiridas pelo cirurgião-dentista não dispõem de espaço suficiente para que as informações exigidas pela legislação vigente sejam postas em rótulos adesivos. Portanto, é imprescindível que fabricantes e/ou importadores forneçam todas as informações necessárias para o correto uso das limas endodônticas, preferencialmente por meio de instruções de uso anexadas à embalagem comercial.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rhonan Ferreira da Silva
Disciplina de Odontologia Legal da FOP-Unicamp
Avenida Limeira, n. 901 – Bairro Areião
CEP 13414-903 – Piracicaba – SP
E-mail: rhonanfs@terra.com.br

Recebido em 15/9/2009
Aceito em 25/11/2009
Received on September 15, 2009
Accepted on November 25, 2009