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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.3 Joinville Set. 2010

 

ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA LITERATURE REVIEW ARTICLE

 

Mecanismos e fatores fisiológicos e patológicos no processo de reabsorção radicular de dentes decíduos

 

Physiological and pathological factors and mechanisms in the process of root resorption in primary teeth

 

 

Bianca Zimmermann SantosI; Vera Lúcia BoscoI; Juliana Yassue Barbosa da SilvaI; Mabel Mariela Rodríguez CordeiroII

IDepartamento de Odontologia, Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis – SC – Brasil
IIDepartamento de Ciências Morfológicas, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis – SC – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A reabsorção dentária é fundamental no processo de rizólise (reabsorção radicular fisiológica) dos dentes decíduos, entretanto as reabsorções dentárias patológicas, especialmente a do tipo inflamatória, caracterizam-se em consequência e/ou complicação de várias situações clínicas, como traumatismos dentários e lesões periapicais inflamatórias provenientes da doença cárie, constituindo causa comum de perda de dentes.
OBJETIVO: Procurou-se apresentar e discutir uma revisão de literatura acerca do mecanismo das reabsorções radiculares fisiológica e patológica inflamatória em dentes decíduos, enfatizando seus eventos bioquímicos e celulares.
REVISÃO DE LITERATURA: As células responsáveis pela reabsorção dos tecidos dentais são os odontoclastos, sob a influência de inúmeros estímulos e sinalizações moleculares oriundos de citocinas, neuropeptídeos, hormônios e produtos de degradação liberados quando o tecido é lesado. Porém até hoje não se sabe exatamente o que leva à diferenciação das células precursoras dos odontoclastos, o que lhes dá o sinal para iniciar a reabsorção em local e momento específicos (principalmente nos dentes decíduos) e por que eles são prematuramente ativados em algumas condições patológicas, mas não em outras.
CONCLUSÃO: O conhecimento sobre o mecanismo molecular e os fatores que regulam o processo de reabsorção radicular ainda é escasso. A pesquisa nessa área mostra-se de grande relevância, uma vez que novos conhecimentos sobre a(s) via(s) molecular(es) da reabsorção dental podem permitir o desenvolvimento de terapias diferenciadas, mais biológicas, que controlem ou impeçam a reabsorção, evitando assim a extração do dente acometido e suas consequências.

Palavras-chave: reabsorção da raiz; dente; Odontologia.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Tooth resorption is essential in the process of root resorption in primary teeth. However, pathological root resorption, mainly the inflammatory one, is a consequence and/or complication of several clinical conditions, such as dental trauma and periapical inflammatory lesions from dental caries, thus becoming a common cause of tooth loss.
OBJECTIVE: To present and discuss a literature review regarding the mechanisms of physiological and inflammatory pathological root resorption in primary teeth, emphasizing their biochemical and cellular events.
LITERATURE REVIEW: The odontoclasts cells are responsible for resorption of dental tissues, and they are influenced by several stimuli and molecular signals derived from cytokines, neuropeptides, hormones and degradation products released when tissue is injured. However, so far it is not clear what leads to the differentiation of the precursor cells of odontoclasts, what gives them the signal to start the resorption in a specific place and time (especially in primary teeth) and why they are activated in some pathological conditions, but not in others.
CONCLUSION: The knowledge regarding molecular mechanisms and factors that regulate the process of root resorption is still meager. Research in this area is of great relevance, since new knowledge about the molecular pathway(s) involved in root resorption may allow the development of different therapies, more biological ones, in order to control or prevent resorption, thus preventing tooth loss and its consequences.

Keywords: root resorption; tooth; Dentistry.


 

 

Introdução

A reabsorção dentária é fundamental no processo de rizólise (reabsorção radicular fisiológica) dos dentes decíduos, para sua exfoliação e posterior erupção dos sucessores permanentes [3]. Por outro lado, as reabsorções dentárias patológicas, especialmente a do tipo inflamatória, têm frequência significativa e caracterizam-se como consequência e/ou complicação de várias situações clínicas, como traumatismos dentários e lesões periapicais inflamatórias provenientes da doença cárie, constituindo causa comum de perda de dentes.

A perda dentária, por sua vez, tem impacto na saúde geral e é um fator de risco para má nutrição, diminuição da autoestima e deterioração da qualidade de vida [4, 9, 24, 28]. A aparência e a posição dos dentes anteriores, bem como a sua ausência, têm impacto social e psicológico, e a aparência facial desempenha importante papel psicossocial na vida do homem e nos seus relacionamentos [36]. A falta de dentes anteriores, na cultura ocidental, constitui uma desfiguração facial que conforma um estigma, fazendo com que os indivíduos que sofrem desse problema se sintam envergonhados e experimentem a sensação de perda irreparável [37].

De acordo com Consolaro (2002) [3], a Odontologia mudará por completo seu perfil quando aprendermos a controlar as reabsorções dentárias, podendo preveni-las, impedi-las ou mesmo direcioná-las. Esse é, certamente, o motivo pelo qual, nos últimos anos, vários cientistas têm se dedicado a pesquisas em tal área [2, 7, 11, 22].

Os chamados "experimentos da natureza" fornecem-nos um "plano-mestre" da complexa sequência de processos que culminam na formação de um dente durante a embriogênese. Essa mesma abordagem poderia ser útil para entendermos os mecanismos envolvidos no processo de reabsorção dentária e assim, no futuro, nos valermos desse conhecimento para desenvolver terapias baseadas em biologia molecular e engenharia de tecidos de modo a controlar a reabsorção e restaurar a arquitetura e a função normais do tecido periodontal danificado.

Desse modo, fica evidente a necessidade de pesquisas que esclareçam os mecanismos moleculares existentes nos processos de sinalização e ativação clástica, não somente do ponto de vista fisiológico, mas, e principalmente, do patológico. Esse conhecimento permitiria que, no futuro, tratamentos mais biológicos pudessem ser empregados para evitar perdas dentárias desnecessárias e se diminuíssem gastos com tratamentos longos, complexos e caros, envolvendo implantes e próteses para a substituição do elemento dental perdido. Diante de tal contexto, este trabalho pretende discutir o mecanismo de reabsorção radicular fisiológica e patológica inflamatória, enfatizando seus eventos bioquímicos e celulares por meio de dados encontrados na literatura.

 

Revisão de literatura

Reabsorção dentária fisiológica

De acordo com Consolaro (2002) [3], o esgotamento das estruturas do dente decíduo está geneticamente programado e define o seu caráter temporário. Acredita-se que os dentes decíduos não estariam aptos a receber o acréscimo de força resultante das modificações naturais durante o desenvolvimento maxilomandibular que ocorre com o crescimento do indivíduo.

A reabsorção dos dentes decíduos alterna-se com períodos de reparo (em que há até mesmo reinserção de fibras do ligamento periodontal, porém sempre em uma quantidade menor à reabsorvida). Pode-se assim dividi-la em duas fases: ativa e inativa ou de descanso, relacionadas à atividade colagenolítica dentro do tecido periodontal entre a raiz do dente decíduo e a coroa do dente permanente em franca erupção [19].

Os eventos relacionados ao processo de reabsorção dentária fisiológica em dentes decíduos iniciam-se da apoptose (morte celular programada) dos cementoblastos e odontoblastos, que revestem a porção externa e interna das raízes dentárias, respectivamente, expondo a superfície radicular mineralizada; na sequência dá-se a instalação das unidades osteorremodeladoras, formadas por células clásticas [21].

Durante a rizólise, a apoptose ocorre em células isoladas, causando alterações nucleares como condensação da cromatina, fragmentação do DNA e posterior rompimento do núcleo. No citoplasma, as organelas mostram-se mais densas e intactas. Em concomitância, a célula perde líquidos, encolhe-se e rompe o contato com as células contíguas. A contração da célula e a posterior invaginação da membrana dão origem aos corpos apoptóticos, imediatamente reconhecidos e fagocitados pelos macrófagos. A seguir, há a instalação de odontoclastos sobre a superfície desnuda da raiz dentária, os quais liberam enzimas que solubilizam a matriz mineral. Assim, o mecanismo da morte celular programada funciona como o gatilho biológico da rizólise [3].

Reabsorção radicular patológica inflamatória

A reabsorção radicular patológica inflamatória é uma condição caracterizada pela reabsorção de tecidos duros da raiz (cemento e dentina) e mantida por uma reação inflamatória local [12]. É bastante frequente tanto em dentes decíduos como em permanentes, em virtude de processos cariosos não tratados, e resulta, em muitos casos, em perda dentária, já que, enquanto o estímulo inflamatório persiste, a reabsorção patológica não cessa. Outras causas de reabsorções radiculares inflamatórias são traumatismos dentários e forças ortodônticas e oclusais excessivas [10].

A inflamação é a resposta universal do organismo a uma agressão. Trata-se de um processo dinâmico, que ocorre durante um período de tempo curto (aguda) ou longo (crônica), podendo este reagudizar. Para que o processo se desenvolva é fundamental a presença de vasos sanguíneos, por isso ela é própria de tecidos vascularizados (inflamação primária ou por primeira intenção). Entretanto tecidos avasculares, como dentina e cemento, são cercados por tecidos vascularizados e, por intermédio destes, também podem sofrer o processo (inflamação secundária ou por segunda intenção) [26].

Quando a polpa dental é agredida pela ação dos microrganismos envolvidos no processo carioso, ela sofre inflamação primária/infecção. A infecção da polpa, por sua vez, pode se disseminar para o periodonto através do forame apical e dos canais acessórios ou túbulos dentinários. Quando o processo evolui e causa necrose pulpar, há uma agressão biológica ainda maior para os tecidos periapicais, acelerando o processo de reabsorção radicular inflamatória [26], à medida que o tecido protetor que reveste a superfície radicular, interna e/ou externamente (cemento e dentina), é danificado ou alterado quimicamente; assim, as unidades osteorremodeladoras podem se instalar.

Diante de uma situação de inflamação pulpar que se dissemina para os tecidos periapicais, um exsudato e um infiltrado inflamatório se instalarão, através da microcirculação local, decorrente dos eventos vasculoexsudativos desencadeados pela ação de um agente agressor [3]. No processo inflamatório, monócitos circulantes migram para o tecido injuriado, onde se transformam em macrófagos com a função primordial de remover os debris locais responsáveis pela perpetuação de estímulos pró-inflamatórios na área [25]. Os macrófagos e outras células precursoras da linhagem monocítico-macrofágica podem se proliferar e se diferenciar em clastos, a partir de complexa interação com células blásticas ou indiferenciadas do tecido conjuntivo adjacente (via RANKL/RANK/OPG). Dessa forma, enquanto o estímulo inflamatório persistir e o dente estiver susceptível à ação dos odontoclastos, o processo de reabsorção progredirá [8, 10].

Portanto, do mesmo modo que o processo de reabsorção fisiológica, a reabsorção radicular patológica inflamatória também é mediada por inúmeros fatores – citocinas, especialmente as de origem inflamatória, células especializadas, imunidade do indivíduo e intensidade do(s) agente(s) agressor(es) –, que, juntos, determinam o padrão de sua ocorrência.

Acredita-se que o controle molecular para a reação de defesa (inflamação) seja mediado por citocinas pró-inflamatórias, tais como a interleucina-1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral-α (TNF-α). Essas citocinas regulam diversas funηões biológicas por meio de uma rede de sinalização intra e/ou extracelular e desencadeiam uma cascata de eventos que induzem ou inibem diversas enzimas e fatores de transcrição. Assim, durante a resposta pró-inflamatória, a IL-1 e o TNF-α promovem a ativação dos fatores de transcrição NF-κB e phospho-c-jun (AP-1) [29]. A combinação e a ativação de NF-κB e AP-1, por sua vez, levam à transcrição de vários genes envolvidos na inflamação, incluindo a ciclo-oxigenase-2 (COX-2) [11].

Enquanto a COX-1 é uma enzima constitutiva expressa em quase todos os tecidos humanos e a COX-3 é considerada derivada da primeira, a COX-2 é altamente expressa em tecidos inflamados e em níveis muito baixos ou até não detectados em tecido sadio [6]. É responsável por catalisar a síntese de prostaglandinas (entre elas a E2) por intermédio da conversão do ácido araquidônico [11], as quais, por sua vez, aumentam a permeabilidade vascular e a vasodilatação e estimulam a síntese de metaloproteinases por monócitos e fibroblastos, o que resulta na destruição do tecido conjuntivo [1], podendo acelerar o processo de reabsorção radicular inflamatória. Estudos têm demonstrado que durante a resposta pró-inflamatória a COX-2 induz a expressão do VEGF, promovendo assim a angiogênese no local agredido [11, 23].

Atividade clástica

Os clastos envolvidos na reabsorção dentária de dentes decíduos, tanto fisiológica como patológica, não apresentam diferenças morfológicas significativas quando comparados aos clastos da reabsorção óssea ou da reabsorção dentária dos dentes permanentes [5, 30]; os odontoclastos apenas são, geralmente, menores que os osteoclastos, possuem menor número de núcleos e formam lacunas de reabsorção menores em relação a estes [12].

Ambos têm tempo de vida médio de aproximadamente duas semanas e possuem como principais estruturas receptores específicos na superfície da membrana citoplasmática, a zona clara ou de adesão e a borda em escova [10, 35]. Os receptores de superfície são específicos para fatores regulatórios sistêmicos como o paratormônio (PTH). A zona clara, que costuma ser bastante evidente nos osteoclastos e menos evidente nos odontoclastos, é a região citoplasmática em que, a partir da interação específica com moléculas expostas pelo tecido duro danificado, permite a fixação celular, isolando o meio para o ataque ácido e proteolítico decorrente de enzimas liberadas pela borda em escova durante o processo de reabsorção [25]. A atuação de cada uma dessas regiões clásticas resulta na formação da chamada lacuna de Howship (onde ocorre a degradação mineral) [3].

Considera-se o mecanismo de ação dos clastos bimodal, pois a degradação dos componentes orgânicos e inorgânicos ocorre de maneira coordenada. Inicialmente, dentro da lacuna de Howship, há a solubilização da matriz orgânica do tecido duro, expondo o conteúdo mineral, que então é degradado pelas substâncias ácidas produzidas pelos clastos e liberadas dentro da lacuna [25, 35]. Os componentes orgânicos são degradados por meio de enzimas proteolíticas como metaloproteinases da matriz extracelular, especialmente a MMP-9 e cisteínas proteinases, como a catepsina K. Assim, a matriz mineral é destruída, liberando inúmeras citocinas e fatores de crescimento [19].

Via molecular de diferenciação dos clastos: RANKL/RANK/OPG

A diferenciação celular e a função dos odontoclastos, na reabsorção radicular tanto fisiológica como inflamatória, estão sob controle dos fatores produzidos pelas células estromais da medula óssea ou de osteoblastos maduros encontrados no osso [7, 17]. Alguns desses fatores são a proteína RANKL (ligante do receptor ativador do fator nuclear kappa B), seu receptor RANK (receptor ativador do fator nuclear kappa B) e a proteína OPG (osteoprotegerina) [18, 39].

A maturação dos monócitos até odontoclastos dá-se mediante um conjunto de eventos que acontecem em cadeia. A diferenciação e a atividade dos odontoclastos são supostamente reguladas pelo gene RANKL, que codifica uma proteína (RANKL) nas células blásticas, a qual, por sua vez, estimula a atividade celular clástica, à medida que induz a diferenciação das células progenitoras dos odontoclastos (monócitos/macrófagos) quando se liga ao seu receptor RANK, na membrana celular destas. Por outro lado, a OPG é uma proteína de membrana expressa por odontoblastos, cementoblastos e células ósseas [16] capaz de inibir a ação de RANKL, bloqueando o seu receptor na membrana celular dos monócitos/macrófagos e impedindo a ativação clástica; assim, pode interferir nos processos tanto de reabsorção fisiológica como patológica [18]. Especula-se que citocinas pró-inflamatórias como IL-1 e TNF-α regulam o equilíbrio entre essas proteínas, atuando de modo a aumentar a expressão de RANKL e diminuindo a OPG [20, 33].

 

Discussão

Embora em dentes permanentes qualquer tipo de reabsorção dentária seja sempre classificada como patológica, quando se trata de dentes decíduos se deve considerar o processo de rizólise e exfoliação dental; portanto, é preciso saber diferenciar um evento do outro.

A erupção de um dente permanente constitui evento multifatorial e abrange ativamente, entre outros processos, a remodelação do osso alveolar e do periodonto, associada à reabsorção do dente decíduo até sua exfoliação.

A hipótese mais aceita para explicar o mecanismo de reabsorção fisiológica é a de que os cementoblastos e os odontoblastos das raízes decíduas sofreriam progressivos e coordenados eventos de apoptose (morte celular programada), o que leva a danos programados no "cinturão protetor" da raiz (composto externamente pela camada de cementoblastos e pré-cemento e internamente pela camada de pré-dentina e odontoblastos), facilitando a instalação de unidades osteorremodeladoras, compostas por células clásticas que, por meio da liberação de substâncias específicas, solubilizam a matriz mineral da raiz dentária. Tal suposição surge da observação de que o dente decíduo, mesmo sem a presença do germe dentário permanente subjacente, inicia a reabsorção da raiz, muitas vezes, em época próxima da verificada em condições normais [31].

Dessa forma, o desencadeamento da rizólise independe do folículo pericoronário, mas o ritmo evolutivo é acelerado pela sua presença. Além do mais, este pode influenciar o direcionamento das alterações radiculares nos dentes decíduos, justificando eventuais mudanças no padrão morfológico radiográfico [14, 27].

A participação de mediadores químicos da osteoclasia e dos fatores de crescimento presentes no folículo pericoronário do germe do dente permanente determina o seu papel na reabsorção fisiológica [38]. Os mediadores químicos da reabsorção, como as prostaglandinas, o fator de crescimento epidérmico (EGF), a interleucina-1 (IL-1) e a proteína morfogenética óssea 4 (BMP-4), estão presentes em maior nível no folículo pericoronário do dente permanente, e isso se torna importante quando da sua proximidade com as raízes do elemento decíduo. Assim, sem a presença do sucessor permanente, a rizólise pode ocorrer mais lentamente, uma vez que esses fatores são responsáveis pelo estímulo dos clastos nas superfícies dos dentes decíduos em reabsorção [3].

A ausência da inflamação no local de apoptose, durante a reabsorção fisiológica, deve-se ao imediato reconhecimento dos corpúsculos apoptóticos que são fagocitados por macrófagos e células fagocitárias e à manutenção da integridade das organelas celulares, evitando a liberação de enzimas proteolíticas nos tecidos adjacentes [3].

Portanto, na reabsorção fisiológica dos dentes decíduos, há interação de diversos fatores, resultando em uma sequência de eventos coordenados; a ação conjunta de fatores anatômicos, bioquímicos, mecânicos e genéticos geram, no final, a exfoliação dos dentes decíduos.

Já o processo de reabsorção radicular patológica inflamatória é mediado por uma complexa interação entre citocinas, especialmente inflamatórias, e elementos celulares (monócitos e macrófagos) especializados na destruição dos tecidos duros [26]. Como a reabsorção fisiológica dos dentes decíduos, a reabsorção radicular inflamatória também resulta da ação das unidades osteorremodeladoras, compostas de células clásticas [8], porém nesta o processo pode ser mais rápido, em decorrência dos estímulos gerados pela presença das células envolvidas nele, muitas das quais com capacidade de se diferenciar em clastos, mediante mecanismos específicos.

Assim, observa-se que o processo de reabsorção da superfície radicular, tanto fisiológica como patológica inflamatória, resulta da interação coordenada e complexa entre cementoblastos, odontoblastos, macrófagos e odontoclastos, dependendo da atuação de inúmeros fatores regulatórios sistêmicos e locais [3]. Entre os fatores regulatórios sistêmicos há o papel de vários tipos de hormônios e outras substâncias. O PTH (paratormônio), por exemplo, estimula os blastos a ativar os clastos; já a função dos esteroides sexuais, especificamente do estrógeno, também deve ser ressaltada, por serem capazes de modular importantes citocinas envolvidas na neoformação e na reabsorção óssea. A calcitonina, um hormônio secretado pelas células parafoliculares tireoidianas, causa retração das células clásticas, de modo a diminuir sua mobilidade e inativar o processo de reabsorção mineral [2]. Como fatores regulatórios locais ativadores da reabsorção, podem ser citadas: baixas tensões de oxigênio, acidez do meio, citocinas inflamatórias e derivadas dos blastos, tais como fator estimulador de colônias de macrófagos (M-CSF) e de granulócitos-macrófagos (GM-CSF), interleucinas (IL-1 e IL-6), prostaglandinas (PGE) e osteopontina. Outros fatores são ácidos, proteases e endotoxinas (LPS) de origem bacteriana que, no processo de reabsorção radicular patológica, fazem perdurar a ação dos agentes inflamatórios na área [15, 22, 25].

Atualmente o grande foco dos pesquisadores da área tem sido o estudo do mecanismo biomolecular das reabsorções radiculares, especialmente a via RANKL/RANK/OPG. Até agora se conseguiu comprovar, por análises imuno-histoquímicas, que o receptor RANK é expresso pelos odontoclastos e RANKL por odontoblastos pulpares, fibroblastos do ligamento periodontal e cementoblastos [13, 20]. Fukushima et al. (2003) [7] verificaram que, durante o estágio de reabsorção radicular fisiológica, células do ligamento periodontal expressam RANKL e diminuem expressão de OPG. Assim, a expressão de RANKL está provavelmente ligada à odontoclastogênese, desencadeando a reabsorção radicular fisiológica. A presença de RANKL/RANK na cavidade pulpar de dentes decíduos com reabsorção fisiológica também foi demonstrada [20], bem como outros pesquisadores [32] identificaram a expressão de RANKL por linfócitos T, considerando o fato importante no recrutamento de osteoclastos que destroem o osso alveolar em casos de periodontite. Kanzaki et al. (2006) [17] comprovaram que a transferência da proteína RANKL para o ligamento periodontal de ratos não só induziu a atividade osteoclástica como também acelerou a movimentação ortodôntica, sem efeito sistêmico in vivo.

Desse modo, o grau de atividade clástica parece ser regulado por fatores sistêmicos (endócrinos) e locais (citocinas), por intermédio da via RANKL/RANK/OPG. Os pesquisadores já nutrem, diante desses novos conhecimentos acerca do mecanismo molecular das reabsorções radiculares, grandes expectativas de que estes possam proporcionar, num futuro próximo, o desenvolvimento de novos tratamentos, como fármacos inibidores de RANKL, potencializadores da OPG ou bloqueadores de receptores de adesão, que mudariam por completo as condutas atuais.

 

Conclusão

Embora seja conhecido o fato de que as células envolvidas no processo de reabsorção radicular são os odontoclastos, pouco se sabe sobre os mecanismos de ativação e sinalização molecular destes. A literatura científica carece de estudos, em âmbito molecular, tanto sobre a reabsorção fisiológica como acerca da reabsorção radicular patológica inflamatória, que esclareçam o mecanismo de ocorrência de tais processos. A pesquisa nessa área pode mudar o futuro da Odontologia se o conhecimento biomolecular da reabsorção dental permitir o desenvolvimento de novas terapias, mais biológicas, que controlem ou impeçam a reabsorção, evitando assim a extração do dente acometido e as suas consequências.

 

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Endereço para correspondência:
Mabel Mariela Rodríguez Cordeiro
R. Almirante Alvim, 412/201 – Centro
CEP 88015-380 – Florianópolis – SC
E-mail: mcordeiro@ccb.ufsc.br

Recebido em 7/12/2009
Aceito em 23/2/2010
Received on December 7, 2009
Accepted on February 23, 2010