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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.3 Joinville Set. 2010

 

ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA LITERATURE REVIEW ARTICLE

 

Microscópio operatório na Endodontia: magnificação visual e luminosidade

 

Operating microscope in Endodontics: visual magnification and luminosity

 

 

Letícia Moreira FeixI; Daiana BoijinkI; Ronise FerreiraII; Márcia Helena WagnerII; Fernando Branco BarlettaII,III

IDepartamento de Odontologia, Sobracursos/São Leopoldo Mandic – Porto Alegre – RS – Brasil
IIDepartamento de Odontologia, Universidade de Santa Cruz do Sul – Santa Cruz do Sul – RS – Brasil
IIIDepartamento de Odontologia, Universidade Luterana do Brasil – Canoas – RS – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O microscópio operatório vem sendo utilizado na Endodontia com o intuito de minimizar a obscuridade do campo operatório, pois proporciona alta magnificação e luminosidade, favorecendo os procedimentos realizados e proporcionando um resultado de maior qualidade.
OBJETIVO E REVISÃO DE LITERATURA: O objetivo deste trabalho foi revisar a literatura discorrendo sobre a situação atual da microscopia operatória na Endodontia, com ênfase em suas vantagens e limitações. Apesar de ser um instrumento tecnológico de custo relativamente elevado e necessitar de um período de aprendizagem e adaptação, o uso desse aparato tem se difundido gradativamente.
CONCLUSÃO: A importância da magnificação está embasada cientificamente na Odontologia, de tal forma que o seu uso proporcionou à Endodontia uma melhora significativa na visão e na iluminação do campo operatório, oferecendo trabalhos de melhor qualidade com proporcionais índices de sucesso nos tratamentos, além de melhorar a comunicação entre profissionais e entre profissionais e pacientes e auxiliar na documentação legal para fins jurídicos.

Palavras-chave: microscópio operatório; Endodontia; inovação tecnológica.


ABSTRACT

INTRODUCTION: The surgical microscope has been used in Endodontics in order to minimize the obscurity of the surgical field, because it provides a high magnification and luminosity, thereby enhancing the procedures performed and providing a final result of higher quality.
OBJECTIVE AND LITERATURE REVIEW:
The objective of this study was to review the literature by addressing the current situation of the operating microscope in Endodontics, emphasizing its advantages and limitations. Despite being a technological tool that is relatively costly and that requires a period of learning and adaptation, the use of this apparatus has been spreading gradually.
CONCLUSION: The importance of magnification is scientifically based in Dentistry, in such a way that its use has provided significant improvement to Endodontics with regards to vision and lighting of the operative field, by offering better quality of work with proportional success rates in treatments, besides improving communication between professionals and patients and assisting in the documentation for legal purposes.

Keywords: operating microscope; Endodontics; technological innovation.


 

 

Introdução

A Endodontia é uma especialidade em que os procedimentos clínicos dependem da sensibilidade táctil do operador. Muitas vezes os tratamentos endodônticos são realizados na obscuridade, tendo como auxiliar no diagnóstico e no tratamento a radiografia, que por sua vez não é tão precisa, por mostrar apenas duas dimensões de um objeto tridimensional.

A utilização do microscópio operatório (M.O.) foi proposta pela primeira vez em 1977 por Baumann, um médico especialista em microcirurgia de ouvido e também cirurgião-dentista que questionou as razões de a classe odontológica não recorrer a essa tecnologia. Por causa do uso consolidado na Medicina, ele argumentava que, à luz do microscópio, as estruturas da cavidade oral seriam vistas com maior clareza [16]. Em 1992 houve a primeira publicação da utilização do M.O. proposta por Gary Carr, introduzindo-o na Endodontia e promovendo assim um grande avanço na especialidade [2].

O M.O. oferece muitos benefícios, porque permite grande iluminação e melhor visualização do campo operatório. A alta magnificação é necessária para auxiliar na localização de canais calcificados, detectar microfraturas, identificar istmos, interpretar as complexidades do sistema de canais radiculares, auxiliar na remoção de núcleos intracoronários e de instrumentos fraturados e no acesso coronário. Antes da introdução do M.O. as lupas eram os únicos meios de magnificação disponíveis, as quais, embora melhorassem a acuidade visual, também apresentavam inúmeras limitações e causavam grande fadiga quando utilizadas por longos períodos [12].

O maior impacto dessa inovação tecnológica foi causado pelo fato de o M.O. dar ao endodontista condições de ver, com ampliação de até 20 vezes, todos os aspectos internos e profundos do sistema de canais radiculares que antes não passavam de imaginação. Isso se verificou tanto na Endodontia convencional (cirurgia de acesso, preparo químico-cirúrgico, retratamento, tratamento de perfurações e remoção de instrumentos fraturados) quanto nas cirurgias perirradiculares (manuseio dos tecidos moles, osteotomia, curetagem da lesão, ressecção radicular, retropreparo e retro-obturação) [13].

O M.O. é um instrumento simples, totalmente adaptável ao consultório. Aprender a usá-lo é uma questão de tempo e persistência, pois requer um treinamento inicial, devendo ser empregado primeiramente em procedimentos mais simples, como diagnóstico e exames clínicos, até que se adquira habilidade. É preconizado iniciar o trabalho em dentes extraídos, ajustando a distância focal, regulando as binoculares (uma de cada vez) e adaptando o foco de visão. Somente depois se deve aplicá-lo no tratamento endodôntico propriamente dito [16]. Esses fatores podem tornar o trabalho mais lento, o que faz muitos profissionais desistir da sua utilização.

Mediante tais colocações, este artigo tem como objetivo trazer ao conhecimento do profissional da Odontologia a importância dessa tecnologia associada ao uso clínico, com particular ênfase na Endodontia, discorrendo sobre as suas vantagens e limitações.

 

Revisão da literatura

Histórico

Desde a origem da Odontologia a visualização e a iluminação de estruturas anatômicas durante a realização dos procedimentos clínicos e cirúrgicos têm sido um grande desafio para os profissionais. Em 1876 um médico alemão chamado Saemmish introduziu a ampliação visual mediante o emprego de lupas binoculares, e várias especialidades médicas começaram a utilizar o M.O. em casos de microcirurgia [23].

Na Odontologia o uso do M.O. foi preconizado por Baumann em 1977. Somente mais tarde, em 1992, Gary Carr fez a primeira publicação na literatura odontológica apresentando algumas das várias aplicações do M.O. na Endodontia. O estudo de Carr serviu de base para vários outros autores se aprofundarem nas pesquisas sobre o emprego do M.O. na Odontologia [2, 22].

Em 1994 Shanelec definiu a Odontologia microscópica como um refinamento da técnica operatória na qual a acuidade visual é melhorada por meio da magnificação óptica [17].

Aplicações do microscópio operatório

O M.O. tem várias aplicações na Endodontia:

  • Diagnóstico;
  • Endodontia não cirúrgica;
  • Endodontia cirúrgica;
  • Educação de pacientes.

Diagnóstico

O uso do M.O. pode ser de grande ajuda no diagnóstico de fraturas dentárias. Nesses casos, após ter sido removida a restauração antiga com o uso de azul de metileno, um traço de fratura pode ser facilmente evidenciado. Quando o profissional suspeita de uma fratura vertical (figuras 1 e 2), o diagnóstico pode ser feito pela observação da parede interna do canal radicular, eliminando a necessidade de cirurgia exploratória para examinar a superfície externa da raiz [4].

 

 

Para ter uma boa visibilidade, é importante o controle da secagem da dentina quando se usa o M.O. Se a dentina estiver muito seca, a textura aparece branca como giz, e a fratura não é visível. Além disso, se a dentina estiver muito úmida, molhada, a reflexão do líquido irrigante poderá mascarar o traço de fratura [10].

O M.O., por meio de sua magnificação, mostra detalhes anatômicos do assoalho da câmara pulpar e da entrada dos canais radiculares, de modo a permitir que se faça uma excelente cirurgia de acesso [16].

Também tem grande valor para identificar a presença de fusão ou não entre os canais mesiais de molares inferiores. Um estudo avaliou a anatomia de molares inferiores quanto à existência ou não dessa fusão por intermédio do M.O. Foram analisados 51 molares inferiores; após localização, esvaziamento e exploração desses canais, constataram-se um índice de fusão de 51% (26 amostras) e um índice de não fusão de 49% (25 amostras), os quais demonstram que o M.O. foi de grande valia para ampliá-la e tornar mais segura a observação [14]. Para pré-molares superiores com três raízes e três canais, esse aparato é muito importante, pois facilita de modo expressivo a localização, a exploração e o tratamento. Nesse caso a abertura endodôntica tem de ser modificada para a forma triangular [31].

Outro estudo demonstrou que o M.O. e a tomografia computadorizada cone bean (TCCB) são importantes para localizar e identificar os canais. A TCCB é indicada como um método acessório na identificação inicial da morfologia interna dos primeiros molares superiores [1].

Endodontia não cirúrgica

Uma das causas da persistência da dor após a terapia endodôntica pode ser a não localização e consequentemente a ausência de tratamento de um canal adicional. Numa reintervenção, ao examinar o assoalho da câmara pulpar com o M.O. em alta magnificação, é possível localizar esse canal – por exemplo, a presença do quarto canal nos primeiros molares superiores [12].

O M.O. ajuda imensamente na localização e na instrumentação de canais calcificados. A mudança na coloração da dentina e o aspecto do canal calcificado são algo que pode ser visualizado com o aparato [13, 24].

Em estudo recente sobre as técnicas de desobturação dos canais, mostrou-se a eficácia do uso do M.O. com iluminação coaxial juntamente com o ultrassom para remoção da guta-percha e do cimento endodôntico. Nesse trabalho inicialmente se aplicaram as técnicas de desobturação convencional usando solventes, limas e brocas Gates Glidden e de Largo. Após o procedimento, os dentes foram separados em dois grupos (controle e experimental). Ao observar os dentes do grupo experimental com o M.O. e detectar restos de guta-percha e cimento nos canais, utilizaram-se pontas ultrassônicas para fazer a remoção desses resíduos. Os dentes dos dois grupos sofreram um corte longitudinal ao longo das faces linguais e vestibulares. A porcentagem de guta-percha e cimento remanescente no grupo controle foi de 25,21%, e no grupo experimental, 9,31%. Essa diferença significativa entre os dois grupos evidencia a importância do M.O. e de pontas ultrassônicas para a limpeza e a completa remoção dos resíduos nos canais observados [6].

O uso da magnificação pode aumentar consideravelmente o índice de sucesso do reparo tecidual no tratamento das perfurações (figuras 3a e 4), porque a visualização concebida pela ampliação e pela iluminação proporciona um melhor acesso, permitindo o controle dos procedimentos, como a colocação exata da matriz de sulfato ou hidróxido de cálcio, para depois receber o MTA (figuras 3b e 3c), que deverá ser colocado delicadamente para evitar extravasamento [27, 28].

 

 

 

 

Durante a limpeza e a modelagem do sistema de canais radiculares, uma sobrecarga nos instrumentos, ou um mau manejo, pode ocasionar a fratura das limas dentro do canal. Quando a lima fratura no ápice a sua remoção fica mais complicada, às vezes impossível, mas quando o fragmento está localizado mais coronalmente a solução é tentar desprendê-lo das paredes de dentina com uma lima K-File #08 ou #10. Em tais casos o M.O. se mostra muito útil, pois guia o profissional nessa conduta, permitindo a visualização do fragmento dentro do canal, onde se pode observar a presença do espaço entre o instrumento e as paredes do conduto e a mobilidade do fragmento. Dessa maneira, o instrumento fraturado pode ser removido, minimizando os danos na dentina circundante [32]. Um trabalho recente confirma que o uso do M.O. juntamente com o ultrassom apresenta melhor resultado na remoção dos instrumentos fraturados quando se compara aos métodos manuais [8].

Após o término do preparo químico-cirúrgico, um passo importante é avaliar se o canal está completamente limpo. Sob o microscópio, uma pequena quantidade de NaClO é colocada no canal, e observa-se com cuidado, em alta magnificação. Se de dentro do canal preparado começarem a surgir borbulhas, isso quer dizer que ainda há remanescentes de polpa, e então o canal precisa de mais limpeza e preparo [12].

Endodontia cirúrgica

Além dos fatores anatomofisiológicos (anatomia da raiz, estruturas anatômicas, lesões endodôntico-periodontais, biocompatibilidade com o material de obturação retrógrada) e técnico-operatórios (seleção do caso, desenho do batente apical, adequado acesso ao ápice radicular e selamento apical prévio), a excelente visibilidade constitui um ponto crítico para o sucesso de um procedimento cirúrgico endodôntico. A incapacidade de ver estruturas importantes, bem como o controle intraoperatório da hemorragia, limita a proficiência de uma endodontia cirúrgica ou cirurgia paraendodôntica. O M.O. representa um grande passo em relação às lupas cirúrgicas, pois ajuda a superar esses problemas com precisão [21].

Cada passo da Endodontia cirúrgica é beneficiado pela alta magnificação e pela iluminação. A curetagem periapical fica facilitada, pois a margem óssea pode ser examinada para uma perfeita remoção de tecido [10].

Com o uso do M.O. e de instrumentos microcirúrgicos, as técnicas de cirurgia periapical estão sendo submetidas a grandes mudanças. Esses avanços ajudam a realizar procedimentos cirúrgicos com maior índice de sucesso e mais conforto para os pacientes [7].

Portanto, pacientes tratados com o auxílio do M.O. recuperam-se relativamente melhor que os assistidos sem ajuda do instrumento, no que diz respeito à dor pós-operatória. Já na avaliação do edema nenhuma diferença estatisticamente significativa foi verificada. Depois de uma preliminar consideração dos sintomas pós-operatórios, parece que os pacientes tratados sob observação do M.O. apresentaram somente menor incidência deles. Esse resultado pode estar relacionado à minimização do trauma nos tecidos moles e duros, inclusive mínima osteotomia, acurácia na curetagem da área e visualização otimizada dos possíveis fatores causadores da persistência da patologia, tais como canais acessórios que não são detectáveis a olho nu [25].

Educação dos pacientes

Outro aspecto na prática odontológica que tem sido intensificado pelo uso do M.O. é a documentação. Ele possui uma unidade em que podem ser adaptados uma câmera fotográfica, uma câmera de vídeo e um videoprinter. As gravações não só auxiliam o dentista legalmente, mas também podem ser utilizadas para atuar na educação de pacientes, que na maioria entendem melhor a comunicação visual [13].

Ao finalizar o tratamento, uma imagem impressa a partir do vídeo pode ser um complemento da radiografia final. É possível também digitalizar diferentes imagens durante a cirurgia e depois imprimir numa só cópia. As cópias podem ser empregadas para educação do paciente, documentação legal, seguro, docência ou intercâmbio entre profissionais [26].

Magnificação e iluminação

A magnificação e a iluminação são importantes, especialmente para os endodontistas, porque a maior parte dos procedimentos é executada dentro do dente ou do osso e tradicionalmente é feita por sensibilidade táctil. Para encontrar o quarto ou o quinto canal de um molar, para tratar uma perfuração ou identificar um istmo na superfície de uma raiz ressecada, a iluminação e a magnificação não constituem somente um auxílio, mas uma necessidade para o foco ideal [11].

Até bem pouco tempo as lupas eram o único meio de magnificação disponível. Apesar de melhorarem a acuidade visual, apresentam inúmeras limitações, como peso do conjunto, distorção da imagem, alteração da cor, pequena profundidade de foco, campo de trabalho limitado, magnificação limitada (somente até 4,5x), além de causarem fadiga quando utilizadas por longos períodos [23].

A magnificação odontológica com o emprego do M.O. promoveu um refinamento das técnicas operatórias, nas quais a acuidade visual é qualificada e aperfeiçoada, realizando procedimentos mais seguros e precisos [20].

Um estudo efetuou a avaliação de 60 molares superiores pelo método visual. O canal MV2 foi identificado e explorado em 37 dentes, ou seja, 61,7%. Nos 23 molares remanescentes, em que não havia a possibilidade de identificação do canal MV2 pelo método visual, conseguiu-se identificá-lo e explorá-lo com o auxílio do M.O. em mais de 15 dentes, ou seja, o aparato contribuiu com um somatório de 25% em relação à amostra inicial. Por outro lado, considerando esses 23 dentes restantes isoladamente, o M.O. proporcionou a identificação do MV2 em 65,2% da amostragem, o que representa uma significativa contribuição na localização do aludido canal radicular e confirma a grande importância da magnificação e da iluminação [19].

Os dentistas geralmente se resignam a trabalhar em uma posição incômoda, agachados ou encurvados, para obter uma boa visibilidade. Entretanto com o M.O. é possível manter uma boa postura com orientação de visão apropriada (figura 5) [30]. A iluminação coaxial é paralela com a linha de visão e permite ao operador observar um campo operatório sem sombras. Como a luz é paralela, os olhos mantêm-se em repouso, como se observassem o infinito; é por essa razão que podem ser realizadas intervenções prolongadas, sem fadiga ocular [15].

 

 

Um dos pioneiros no Brasil a utilizar o M.O. foi o Dr. Adelmo Moraes de Souza Filho, especialista em microcirurgia endodôntica, cirurgia oral e maxilofacial, que iniciou a prática em 1992 em seu consultório. No princípio ele usava um microscópio adaptado para a prática odontológica, porque ainda não existia equipamento apropriado. Foi então que a DF Vasconcellos entrou no mercado com um aparato aplicado à odontologia; um de seus objetivos é a criação do conceito de magnificação e iluminação da área bucal. Os modelos da DF Vasconcellos (figura 6) têm cinco alternativas de aumento (3x, 5x, 8x, 13x, 20x) ou zoom motorizado para trocas de aumento (4x a 24x), e o campo iluminado é feito por meio de luz fria por cabo de fibra óptica. Também há possibilidade de microfocalização com ajuste manual ou motorizada [3]. Atualmente encontramos outros modelos e marcas disponíveis para comercialização.

 

 

Receptividade do M.O.

A aquisição do M.O. deve ser encarada como um sério e responsável investimento, por causa do seu alto custo, da localização no consultório, da qualidade óptica, da assistência técnica e da possibilidade de expansão com sistemas de documentação para fotografias e vídeo. Também é necessário adquirir instrumental e equipamentos acessórios especialmente fabricados para procedimentos com magnificação. Além disso, torna-se imperativa a realização de cursos para treinamento, em que o profissional se submete a uma inevitável carga de aprendizagem.

Embora o M.O. esteja presente há mais de 75 anos na Medicina, sua introdução na Odontologia é recente. Estudos revelaram uma adoção significativa dessa tecnologia entre os endodontistas americanos – mais de 50% deles têm acesso ao M.O. e recorrem a ele no trabalho. Pesquisas também sugerem que maior treinamento resulta em maior emprego do M.O. em praticamente todos os procedimentos. Enquanto 64% dos entrevistados afirmaram usar o microscópio na frequência esperada, 36% disseram que o M.O. não atendeu às suas expectativas. As razões mais comumente reportadas foram dificuldades de posicionamento, inconveniência e aumento no tempo do tratamento [18]. Porém, nesses últimos 10 anos, o uso do M.O. aumentou de 52% para 90% em 2007. O número de vezes em que ele é aplicado para um determinado procedimento se mostra amplamente variável. Endodontistas com menos tempo de formação utilizam-no com maior frequência que aqueles que estão formados há mais tempo. O uso prevalente entre o grupo de recém-formados pode ser devido à ênfase e ao treinamento do manuseio do M.O. na última década. Apesar desse aumento significativo no emprego do M.O., as limitações correspondem quase exatamente às que foram relatadas há quase uma década [9].

Diversos trabalhos com métodos distintos de análise comprovaram que o hábito e o acúmulo de experiência no uso do M.O. na clínica potencializam e facilitam a localização e o tratamento de canais adicionais em molares superiores em consequência da alta luminosidade e da magnificação. Permitem também ao operador poupar tempo na busca de canais adicionais, com mais segurança e ousadia quando se está removendo a dentina com instrumentação rotatória e pontas ultrassônicas [5, 29].

 

Discussão

Embora os profissionais da área médica tenham alguns anos de prática com o M.O, sua introdução na Odontologia é recente, tendo relatos na Endodontia somente em 1992 com Gary Carr [2].

É consenso entre os autores que o M.O. revolucionou a Endodontia e trouxe inúmeras vantagens, por propiciar maior iluminação e magnificação do campo operatório, haja vista que nessa especialidade os procedimentos são realizados na obscuridade e dependem da sensibilidade táctil do operador [16].

A magnificação é necessária para auxiliar em vários procedimentos clínicos, e o maior impacto dessa inovação é o fato de o M.O. possibilitar um aumento de até 20x [12, 13].

O uso desse aparato também é importante no diagnóstico de fraturas radiculares e no detalhamento do assoalho da câmara pulpar e da entrada dos canais radiculares, permitindo que se faça um acesso ideal, com a completa remoção do teto da câmara pulpar [4].

Com o auxílio do M.O. é possível tratar perfurações com maior precisão, melhorando dessa forma o prognóstico [28]. Estudos recentes evidenciam maior sucesso na remoção da guta-percha do interior dos canais radiculares nos casos de desobturação com o uso do M.O. associado ao ultrassom [6].

No caso de cirurgias paraendodônticas, pacientes tratados com suporte do M.O. recuperaram-se melhor que os tratados sem esse auxiliar no que diz respeito à dor pós-operatória em Endodontia [25].

Outro aspecto importante para a Odontologia é o fato de o M.O. possuir uma unidade onde pode ser adaptada uma câmera de vídeo ou fotográfica que faz gravações que auxiliam na educação dos pacientes e constitui uma fonte de documentação legal e segura [26].

É indiscutível que essa tecnologia trouxe grandes benefícios para a Endodontia não cirúrgica (cirurgia de acesso, preparo químico-mecânico, retratamento, tratamento de perfurações, remoção de instrumentos fraturados) e também para cirurgias paraendodônticas, melhorando o resultado dos tratamentos realizados. Entretanto o emprego do M.O. em pacientes deve ser introduzido aos poucos, pois a curva de aprendizagem é longa. O melhor é começar com exame clínico e pequenos procedimentos, até adquirir adestramento suficiente para ações de maior complexidade [15]. Esse fato muitas vezes desencoraja os profissionais a adquirirem o M.O. como um recurso auxiliar para os procedimentos executados em seus consultórios. Soma-se a isso ainda o alto custo do equipamento, de seus acessórios e do instrumental necessário para a sua utilização.

Por outro lado, com a melhor qualidade visual e com a experiência adquirida pelo uso da magnificação é possível afirmar que são facilitados sobremaneira a localização e o tratamento dos canais adicionais em primeiros e segundos molares superiores [5, 29]. Além disso, o equipamento detecta a fusão ou não dos canais mesiais de molares inferiores e auxilia significativamente no tratamento de pré-molares superiores com três raízes e três canais [14, 31]. Outro fator importante é que, comparando com a TCCB, esta permite ser empregada para uma análise inicial da morfologia interna dos canais, enquanto o M.O. pode ser usado também durante o tratamento [1].

 

Conclusão

De acordo com a literatura pesquisada conclui-se que:

• há uma significativa melhora na qualidade dos tratamentos quando se utiliza a microscopia operatória, por conta da melhor iluminação do campo operatório, o que proporciona um aumento de detalhes que não podem ser observados a olho nu, permitindo uma excelente precisão;

• o uso da microscopia melhora a acuidade visual, que é qualificada e aperfeiçoada em virtude da alta magnificação, e torna os procedimentos mais seguros, trazendo mais conforto para o profissional, já que com o M.O. se consegue trabalhar numa posição adequada e com melhor visibilidade;

• a utilização do M.O. permite efetuar a documentação dos procedimentos clínicos, que é fundamental na comunicação com os pacientes e com outros profissionais, bem como auxilia na documentação legal para fins jurídicos.

 

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Endereço para correspondência:
Letícia Moreira Feix
Rua Octávio Silveira Borges, 371 – Olímpica
CEP 93285-110 – Esteio – RS
E-mail: leticia.feix@gmail.com

Recebido em 15/9/2009
Aceito em 1.º/12/2009
Received on September 15, 2009
Accepted on December 1, 2009