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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.4 Joinville Dez. 2010

 

ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA LITERATURE REVIEW ARTICLE

 

Antidepressivos e anestésicos locais: interações medicamentosas de interesse odontológico

 

Antidepressants and local anesthetics: drug interactions of interest to dentistry

 

 

Lea Rosa ChiocaI; Renata Chinasso Fernandez SeguraI; Roberto AndreatiniI; Estela Maris LossoII

ICurso de Farmacologia, Universidade Federal do Paraná – Curitiba – PR – Brasil
IICurso de Odontologia, Universidade Positivo – Curitiba – PR – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Em virtude da ampla variedade de tratamentos farmacológicos de transtornos mentais, é cada vez mais comum pacientes que procuram tratamento odontológico fazerem uso contínuo de psicofármacos. O número de pessoas que utilizam antidepressivos tem crescido, e isso exige dos cirurgiões-dentistas atualização a respeito da interação entre essa classe de medicamentos e os fármacos usados na clínica odontológica, como anestésicos locais e vasoconstritores.
OBJETIVO: Efetuar uma revisão de literatura sobre o tema.
REVISÃO DE LITERATURA E CONCLUSÃO:
Os dados sugerem que vasoconstritores simpatomiméticos (adrenalina, noradrenalina e fenilefrina) associados a anestésicos locais podem potencializar os efeitos colaterais dos antidepressivos, principalmente tricíclicos e inibidores da MAO, sobre o sistema cardiovascular. Porém poucos são os estudos clínicos e pré-clínicos sobre o assunto; na sua maioria foram realizados entre as décadas de 1960 e 1980. Pesquisas atuais são necessárias, já que muitas drogas antidepressivas novas, com diferentes mecanismos de ação, foram lançadas no mercado e estão sendo usadas atualmente.

Palavras-chave: vasoconstritor; anestésico local; antidepressivo.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Since there is a vast variety of pharmacological treatments for mental conditions, it has been increasingly more common that patients seeking dentistry treatment are continually using psychoactive drugs as antidepressants. The number of people taking antidepressants is increasing; consequently, dentists should update their knowledge on the interaction between this drug class and those used in dental daily practice, such as local anesthetics and vasoconstrictors.
OBJECTIVE: To conduct a literature review on this subject.
LITERATURE REVIEW AND CONCLUSION: Literature data suggest that sympathomimetic vasoconstrictors (epinephrine, norepinephrine, and phenylephrine) associated with local anesthetics may potentiate the side effects of antidepressants, particularly tricyclics and MAO inhibitors, on the cardiovascular system. There are few clinical trials and preclinical studies on this subject, and most of them were carried out between the 60s and 80s. Current studies are needed, since many new antidepressant drugs with different mechanisms of action are currently marketed and being used.

Keywords: vasoconstrictors; local anesthetic; antidepressant.


 

 

Introdução

O avanço no desenvolvimento de fármacos, assim como na descoberta e no diagnóstico de patologias, faz com que um número considerável de pacientes que procuram tratamento odontológico esteja utilizando de forma contínua medicamentos, como por exemplo antidepressivos.

Segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM IV) [1], aproximadamente 10 a 25% das mulheres e 5 a 12% dos homens apresentam ao menos um episódio depressivo maior durante a vida. Percebe-se que a quantidade de usuários de antidepressivos é crescente, o que aumenta a probabilidade de o cirurgião-dentista atender pessoas que tomam tal tipo de medicação. Isso torna necessária a atualização desses profissionais a respeito da interação de fármacos, pois dados da literatura sugerem uma possível interação entre os vasoconstritores adicionados aos anestésicos locais com antidepressivos [10, 13, 18].

Portanto, o objetivo deste trabalho foi fazer uma revisão da literatura, na qual foram abordados os aspectos gerais dos anestésicos locais empregados em odontologia, os antidepressivos, seus mecanismos de ação e a possível interação dos fármacos em questão.

 

Revisão de literatura e discussão

Anestésicos locais

Anestésicos locais são bases fracas, pouco solúveis em água e instáveis na exposição ao ar, tendo pouco valor clínico. No entanto, quando essa base fraca é combinada com ácido, resulta na formação do sal anestésico, geralmente cloridrato, e assume assim uma característica mais hidrossolúvel e estável. Logo, os anestésicos locais usados para infiltração são encontrados na forma do sal anestésico dissolvido em água destilada ou soro fisiológico. No caso da combinação do anestésico com vasoconstritor, um antioxidante é adicionado, mais frequentemente o bissulfito de sódio, para retardar a oxidação do vasoconstritor, o que prolonga seu tempo de validade [15].

O tipo de anestésico local mais utilizado atualmente é o do grupo das amidas, por seu reduzido potencial alergênico, como a lidocaína, a prilocaína, a mepivacaína e a bupivacaína [2, 18].

O bloqueio da sensação dolorosa, proporcionado pelo uso de anestésicos locais, ocorre pelo impedimento da geração e da condução do impulso nervoso. Técnicas infiltrativas e de bloqueio depositam o anestésico local perto de fibras nervosas, que são grupos de neurônios responsáveis pela transmissão da sensação de dor. Os anestésicos locais penetram na membrana dos axônios desses neurônios e impedem o início e a propagação dos potenciais de ação por meio do bloqueio dos canais de sódio operados por voltagem. Estes são responsáveis pela transmissão do potencial de ação [14, 22]. Com os canais de sódio bloqueados, a transmissão da sensação dolorosa também é inibida.

Os anestésicos locais são bases fracas. Portanto, são bem absorvidos em condições fisiológicas normais, nas quais o pH fica em torno de 7,4. Porém, quando a região em que o anestésico será aplicado está inflamada, sua absorção é prejudicada, pois o pH da região estará baixo, fazendo com que a solução anestésica fique mais na sua forma ionizada, ou seja, com carga elétrica, o que dificulta o cruzamento da membrana celular, resultando em pouco ou nenhum efeito do anestésico [9, 15, 18].

É possível que os anestésicos locais por si só também apresentem alguns efeitos adversos sobre o sistema nervoso central (SNC), primeiramente de caráter excitatório. Isso causa tremores e inquietação seguidos de uma depressão generalizada capaz de levar à morte por depressão respiratória. Efeitos adversos podem ser notados ainda sobre o sistema cardiovascular, como diminuição da excitabilidade elétrica e vasodilatação, provocando, respectivamente, diminuição dos batimentos cardíacos e hipotensão [9, 15, 18].

Vasoconstritores

A maioria dos sais anestésicos possui a característica de provocar vasodilatação periférica, por relaxar a musculatura vascular. Desse modo, a adição de vasoconstritores aos anestésicos locais trouxe importantes vantagens, porque, como o próprio nome diz, eles fazem vasoconstrição no local em que são injetados. Tal fato reduz sua absorção sistêmica, prolongando o efeito do anestésico e tornando necessária a administração de uma quantidade menor deste, o que diminui o risco de toxicidade. Outra vantagem dos vasoconstritores é a hemostasia durante a realização de procedimentos invasivos, porém em regiões de circulação limitada a injeção de vasoconstritores pode causar hipoxia irreversível e necrose tecidual [9, 14, 15, 17, 18, 21].

Os agentes vasoconstritores mais comumente adicionados às soluções anestésicas em uso no Brasil são as aminas simpatomiméticas, como a adrenalina (epinefrina), a noradrenalina (norepinefrina), a levonordefrina e a fenilefrina. Outro vasoconstritor é a felipressina, um análogo sintético da vasopressina [2, 18, 25].

Ressalta-se que a adrenalina também é empregada em Odontologia em fio para retração gengival e em soluções para controle de hemorragias, embora seja menos usual que em associação com os anestésicos locais [17].

As catecolaminas adrenalina (AD) e noradrenalina (NA), pertencentes ao grupo das aminas simpatomiméticas, são agentes endógenos produzidos no sistema nervoso central e pela medula da glândula suprarrenal e agem como neurotransmissores do sistema nervoso autônomo e do sistema nervoso central. Ambas, AD e NA, atuam em receptores adrenérgicos dos tipos α e β que participam da regulação da força e da frequência dos batimentos cardíacos, da pressão arterial, da dilatação dos brônquios, entre outros. Mas é o fato de causarem vasoconstrição quando se ligam aos receptores α1 da parede dos vasos sanguíneos e os ativam que as faz ser utilizadas como bons vasoconstritores [9, 18, 22]. A adrenalina apresenta menor toxicidade e um efeito mais rápido e mais curto que a noradrenalina [2], por ter mais afinidade pelo receptor α [12].

A fenilefrina é um agonista seletivo dos receptores adrenérgicos α1, de modo a provocar vasoconstrição de forma semelhante à AD, e em virtude de sua maior estabilidade tem ação prolongada [2, 9, 18, 22].

A felipressina é um análogo sintético do hormônio vasopressina, também conhecido como hormônio antidiurético ou ADH, produzido pela neuro-hipófise. Esse hormônio participa da regulação da pressão arterial atuando basicamente em receptores V1 e V2. A felipressina opera em receptores V1, presentes na parede dos vasos sanguíneos, acarretando constrição dos vasos [9, 18, 22].

Resultados de experimentos em animais sugerem que seria possível que a combinação de AD e felipressina reduzisse os efeitos colaterais da AD sobre o coração [20], porém são encontrados estudos contraditórios a esse respeito na literatura [24].

Apesar das vantagens dos vasoconstritores, a literatura alerta para alguns possíveis efeitos colaterais. Apesar de a quantidade presente em um tubete anestésico ser pequena, uma injeção intravascular acidental ou a administração em excesso pode ocasionar efeitos indesejáveis sobre o sistema cardiovascular e o sistema nervoso central.

A fenilefrina, por ser um agonista a-adrenérgico seletivo, não causa estimulação cardíaca ou efeitos sobre o SNC como a AD, contudo é capaz de elevar a pressão arterial e, como consequência disso, diminuir a frequência cardíaca por período prolongado de tempo [18].

A felipressina não acarreta danos ao sistema cardíaco como as catecolaminas, pois não atua nos receptores adrenérgicos, mas pode ter um efeito direto sobre o músculo cardíaco. Entretanto, como a quantidade usada para anestesia local odontológica é pequena, considera-se esse vasoconstritor seguro para pacientes cardiopatas [15, 18]. Em estudo clínico Cáceres et al. (2008) [7] constataram ser possível aplicar com segurança a felipressina, em doses controladas, em pacientes com doença de Chagas ou com arritmias ventriculares.

No caso das catecolaminas (AD e NA), é observada uma elevação da frequência cardíaca e da pressão arterial, o que causa palpitações e dor torácica, além de ser comuns também agitação e apreensão [15, 18]. O próprio procedimento odontológico gera, para a maioria dos pacientes, uma situação de estresse que por si só pode resultar em elevação da pressão arterial e aumento dos batimentos cardíacos, por meio da elevação dos níveis de AD.

Por esses motivos, existe uma limitação no uso de anestésicos locais com vasoconstritores como AD e NA em indivíduos cardiopatas. Por outro lado, Palma et al. (2005) [21] verificaram uma elevação da pressão arterial em pacientes normotensos anestesiados com lidocaína 2% sem vasoconstritor, enquanto pacientes normotensos ou hipertensos apresentaram estabilidade da pressão arterial após anestesia com lidocaína 3% com noradrenalina 1:50.000 depois de procedimento de exodontia. Como a lidocaína sem vasoconstritor tem um tempo de duração da anestesia menor do que em associação com o vasoconstritor, o grupo que recebeu lidocaína sem vasoconstritor pode ter sentido dor ao longo do procedimento odontológico, e é provável que essa situação de estresse tenha aumentado a liberação endógena de adrenalina e consequentemente causado a elevação da pressão arterial.

Em uma pesquisa pré-clínica, Salles et al. (1999) [23] não viram alteração da pressão arterial de ratos normotensos ou hipertensos posteriormente à administração de diferentes anestésicos associados aos vasoconstritores adrenalina, noradrenalina, fenilefrina e felipressina.

Elevação na concentração plasmática de AD e NA foi observada por Takahashi et al. (2005) [28] em pacientes que receberam lidocaína 2% com adição de 50 µg de AD como vasoconstritor. Considerando que um tubete de anestésico de 1,8 ml com vasoconstritor a 1:50.000 contém 36 µg do vasoconstritor, seria necessário um tubete e meio para atingir a concentração que provocou aumento plasmático de catecolaminas.

A tabela I apresenta as principais soluções anestésicas locais, com os respectivos vasoconstritores e as marcas comerciais utilizadas no Brasil.

 

 

Antidepressivos

Os antidepressivos são classificados de acordo com o seu mecanismo de ação em inibidores da recaptação de monoaminas, em inibidores da monoamina oxidase (MAO) e em outros mecanismos (como por exemplo antagonistas dos receptores serotoninérgicos 5 HT2).

Os inibidores da recaptação de monoaminas atuam por competirem pelo sítio de ligação na proteína de transporte que faz a recaptação das monoaminas pelos terminais nervosos, aumentando assim as monoaminas na fenda sináptica. Essa inibição na recaptação pode ser seletiva para a serotonina e para a noradrenalina ou ocorrer para mais de uma monoamina (não seletiva), como para a serotonina e a noradrenalina ou ainda a noradrenalina e a dopamina. Entre esses antidepressivos existem os chamados tricíclicos, assim denominados por conta de sua estrutura química.

Além da atividade de inibir a recaptação de monoaminas, os antidepressivos tricíclicos operam também em outros sistemas, o que causa seus efeitos colaterais, como xerostomia, constipação, visão turva, taquicardia e palpitação, em função das suas ações antimuscarínicas; fraqueza, sedação, aumento do apetite e fadiga, por bloqueio dos receptores histaminérgicos H1; e ainda hipotensão ortostática, por impedirem receptores adrenérgicos a1. Para os antidepressivos mais modernos, como os inibidores da recaptação de serotonina, tais efeitos são mais brandos [14].

O conhecimento do mecanismo de ação dos antidepressivos é importante, pois teoricamente a interação com vasoconstritores não ocorreria com os antidepressivos que inibem a recaptação de serotonina. A tabela II apresenta os antidepressivos pertencentes a essa classificação conforme seu mecanismo de ação e alguns nomes comerciais [16, 22].

A inibição da MAO, uma enzima presente no interior das células que faz a degradação das monoaminas, provoca o aumento da concentração citoplasmática das monoaminas. Os primeiros inibidores da MAO desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970, como a iproniazida, inibiam a enzima MAO de forma irreversível. Atualmente, porém, inibidores reversíveis da MAO-A, como a moclobemida, têm sido usados com reduzidos efeitos colaterais [12, 16, 22].

Interação entre vasoconstritores e antidepressivos

A interação medicamentosa ocorre quando dois ou mais medicamentos administrados ao paciente interferem entre si. Isso causa potencialização ou abolição do efeito terapêutico de um ou mais dos medicamentos ingeridos pelo indivíduo, resultando na maioria dos casos em efeitos adversos, que podem ser de grau leve, moderado ou grave, ou ainda levar a óbito [27].

O cirurgião-dentista deve tomar conhecimento dos medicamentos utilizados por seus pacientes por meio de uma detalhada anamnese, visto que os antidepressivos também são empregados para outras finalidades que não o tratamento da depressão, como, por exemplo, para o tratamento de anorexia nervosa, ansiedade, pânico, bulimia, déficit de atenção/hiperatividade, transtorno obsessivo compulsivo, estresse pós-traumático, enxaqueca e dor crônica [26].

Quando o anestésico local com vasoconstritor do grupo das catecolaminas é administrado em grande quantidade ou no caso de uma injeção intravascular acidental, é possível ocorrer elevação na concentração das catecolaminas plasmáticas, que pode resultar em efeitos colaterais potencializados em pacientes que fazem uso de certos antidepressivos atuantes no aumento dos níveis extracelulares de catecolaminas [16, 22].

Em usuários de tricíclicos, os efeitos colaterais sobre o sistema cardiovascular, como elevação da pressão arterial e arritmias cardíacas, são possivelmente potencializados pela administração em altas doses ou por injeção intravascular acidental de vasoconstritores como AD, NA ou fenilefrina [15]. Um estudo em voluntários saudáveis que ingeriram imipramina por cinco dias demonstrou elevação da pressão arterial após injeção intravenosa de adrenalina, fenilefrina e noradrenalina, e o efeito da NA foi maior que o dos outros dois vasoconstritores. Além disso, arritmia cardíaca foi observada nos indivíduos que receberam AD [5].

Em uma revisão de 15 casos de reação adversa a anestésico local com NA como vasoconstritor, cinco ocorreram em pessoas em tratamento com antidepressivos tricíclicos [4]. Essa potencialização seria maior com a noradrenalina do que com a adrenalina ou a fenilefrina [15]. Em um estudo realizado em cães, notou-se que a interação entre o antidepressivo tricíclico desipramina e o anestésico lidocaína com NA aumentou os batimentos cardíacos e a pressão arterial sistólica, porém quando o vasoconstritor NA foi substituído pela AD o efeito cardiovascular se mostrou menor. A interação entre prilocaína 3% e felipressina não apresentou efeitos cardiovasculares significantes [11]. Logo, o uso de felipressina como vasoconstritor seria uma escolha mais segura para usuários de tricíclicos [5], embora ela não seja tão eficaz e não tenha o mesmo efeito de hemostasia da AD [17, 18].

O emprego de anestésico com adrenalina deve ser mínimo, na concentração máxima de 1:100.000 e em torno de 1/3 da dose máxima recomendada, enquanto a administração de noradrenalina e de levonordefrina tem de ser evitada em indivíduos que tomam antidepressivos tricíclicos [15, 17].

Anestésicos locais como a mepivacaína e a prilocaína contêm um efeito vasodilatador reduzido em comparação com a lidocaína e a procaína. Aquelas são uma opção de anestésico sem vasoconstritor possível de ser usada em procedimentos de curta duração [17].

Conclui-se que a interação de tricíclicos e vasoconstritores adrenérgicos pode ser perigosa e resultar em efeitos graves para o paciente. Portanto, o uso desses vasoconstritores precisa ser evitado quando possível ou feito de maneira cautelosa em tais indivíduos.

No caso dos inibidores da captação de serotonina, teoricamente os vasoconstritores não aumentariam os efeitos colaterais, como no caso dos tricíclicos. Porém inibidores da captação de serotonina são capazes de inibir enzimas que participam da metabolização de várias drogas, entre elas a lidocaína, podendo assim prejudicar o metabolismo da lidocaína e elevar seu potencial tóxico [29].

As catecolaminas exógenas administradas como vasoconstritores são degradadas principalmente por outra enzima, a catecol-O-metiltransferase (COMT), e não sofrem influência da inibição da MAO. Apenas o vasoconstritor fenilefrina é contraindicado em pacientes que fazem uso de inibidores da MAO, por ser metabolizado por essa enzima [13, 15, 18]. A literatura sobre efeitos colaterais da interação dos inibidores da MAO e de vasoconstritores simpatomiméticos traz resultados controversos, embora existam alguns relatos de reações adversas quanto a tal combinação, como crise hipertensiva e arritmia cardíaca [8, 27].

Muitos autores não consideram essa interação perigosa e defendem que vasoconstritores podem ser administrados em pacientes que usam inibidores da MAO [10, 12, 30]. Brown e Rhodus (2005) [6] afirmaram que não há constatação sólida que suporte a interação entre vasoconstritores dos anestésicos locais e os inibidores da MAO, bem como com antidepressivos tricíclicos. Boakes et al. (1973) [5], por exemplo, trataram voluntários saudáveis por uma semana com os inibidores da MAO fenelzina e tranilcipromina e observaram apenas potencialização dos efeitos sobre a pressão arterial após a infusão intravenosa de fenilefrina e não alteração cardiovascular após infusão de AD ou NA. Entretanto estudos mais recentes no que diz respeito a essa interação são necessários para testar os novos inibidores da MAO que estão sendo usados atualmente, como a moclobemida.

Nem sempre esses efeitos adversos são verificados na clínica odontológica, pois a condição cardiovascular do paciente raramente é monitorada durante o tratamento. Logo, em alguns casos elevação da pressão arterial ou arritmias cardíacas não são percebidas de maneira clara, podendo ser ainda confundidas com uma resposta de estresse ou ansiedade ao tratamento. Ainda, há a sugestão de que essa interação resulte em efeitos adversos mais evidentes se o paciente estiver em início de tratamento com tricíclicos, porque o uso prolongado do antidepressivo poderia dessensibilizar a resposta ao vasoconstritor adrenérgico [30].

 

Conclusão

Existem poucos relatos de complicações sérias por interação de vasoconstritores com antidepressivos. Portanto, o cirurgião-dentista deve realizar uma minuciosa anamnese para obter máximo conhecimento da história médica dos pacientes, além de procurar conhecer o mecanismo de ação e os efeitos colaterais dos medicamentos ingeridos, bem como os anestésicos locais de uso odontológico. Desse modo, os efeitos adversos potencialmente prejudiciais ao paciente decorrentes de uma interação medicamentosa podem ser evitados, proporcionando um atendimento odontológico mais seguro. A técnica de anestesia local correta permite o uso de uma dose segura da solução anestésica e o efetivo controle da dor durante o atendimento odontológico de usuários de antidepressivos. Também é importante conhecer o grau de ansiedade do indivíduo em relação ao atendimento odontológico e dessa maneira trabalhar em prol da redução dessa ansiedade.

Poucos são os estudos clínicos e pré-clínicos sobre os efeitos colaterais da interação dos vasoconstritores com antidepressivos. Pesquisas atuais e bem delineadas são necessárias para o melhor conhecimento do assunto, já que a maioria das investigações a respeito desse tema foi realizada entre as décadas de 1960 e 1980, e desde então muitas drogas antidepressivas novas, com diferentes mecanismos de ação, foram lançadas no mercado e estão sendo usadas atualmente.

Concluindo, a utilização de anestésicos locais associados a vasoconstritores simpatomiméticos (adrenalina, noradrenalina e fenilefrina) tem de ser feita lentamente e com aspiração prévia, para prevenir uma administração intravascular em pacientes que recorrem a antidepressivos, principalmente tricíclicos ou inibidores da MAO, e uma possível situação de emergência na clínica odontológica.

 

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Endereço para correspondência:
Lea Rosa Chioca
Universidade Federal do Paraná – Departamento de Farmacologia
Centro Politécnico – Jardim das Américas
CEP 81531-980 – Curitiba – PR
E-mail: leachioca@yahoo.com.br

Recebido em 26/5/2010.
Aceito em 2/7/2010.
Received for publication: May 26, 2010.
Accepted for publication: July 2, 2010.