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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.4 Joinville Dez. 2010

 

ARTIGO DE RELATO DE CASO CASE REPORT ARTICLE

 

O uso do ultrassom na curetagem periapical: relato de caso

 

The use of ultrasound in periapical curettage: case report

 

 

Tiago André Fontoura de Melo; Gustavo Golgo Kunert; Elias Pandonor Motcy de Oliveira

Curso de Odontologia, Universidade Luterana do Brasil – Canoas – RS – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: Mostrar a possibilidade de tratamento por meio da curetagem periapical associada ao uso do ultrassom, sem haver a necessidade de odontosecção da porção apical da raiz dentária.
RELATO DE CASO: Realizaram-se tratamento endodôntico do dente 41 e retratamento do dente 42, e em seguida fez-se procedimento cirúrgico parendodôntico na área de lesão periapical. A proservação do caso deu-se em dois anos, e foram verificados regressão e reparo ósseo total da área de lesão.
CONCLUSÃO: Com a associação da tecnologia à prática clínica é possível efetuar um tratamento cirúrgico de forma rápida, segura e conservadora.

Palavras-chave: endodontia; cirurgia bucal; patologia bucal.


ABSTRACT

INTRODUCTION AND OBJECTIVE: This study aimed to demonstrate the possibility of treatment, through periapical curettage with the aid of ultrasound, consequently without the need of resection of root's apical portion.
CASE REPORT: The endodontic treatment of tooth #41 and retreatment of tooth #42 was performed. Following, the periapical lesion areas were submitted to parendodontic surgery. After a 2-year follow-up period, it could be verified a total lesion area regression and bone repair.
CONCLUSION: The association of technology with clinical practice seemed to result in a faster, safer, and more conservative surgical treatment.

Keywords: endodontics; oral surgery; oral pathology.


 

 

Introdução

Um dos princípios do retratamento endodôntico é a obtenção do processo de desinfecção do sistema de canais radiculares, uma vez que a presença de microrganismos e de suas toxinas constitui um dos fatores responsáveis pelo surgimento e pela manutenção das patologias pulpares e periapicais.

No entanto a complexidade da anatomia do canal radicular, como dilaceração radicular, presença de acidentes no tratamento endodôntico realizado anteriormente (como a sobreobturação) e manutenção de lesões periapicais sem sinal radiográfico de regressão ou reparo, é capaz de comprometer a eficácia do retratamento, gerando maior risco de insucesso.

Dessa forma, a cirurgia parendodôntica torna-se uma das principais alternativas nesse tipo de tratamento [2, 13]. Segundo Xavier et al. [17], tal intervenção é um tratamento conservador, pois visa à preservação do elemento dentário.

Inúmeros estudos relatam diferentes modalidades e opções técnicas para a realização da cirurgia parendodôntica, entre as quais está a curetagem periapical [11]. Essa técnica consiste na remoção do tecido patológico ou corpo estranho junto à área apical que pode estar perturbando o reparo fisiológico [4].

Assim, o objetivo deste estudo foi mostrar a possibilidade de curetagem periapical associada ao uso do ultrassom, chegando-se à reparação clínica e radiográfica sem haver necessidade de odontosecção da porção apical da raiz dentária.

 

Relato de caso

A paciente, gênero feminino, 35 anos de idade, procurou atendimento odontológico queixando-se de dor durante a mastigação no incisivo lateral inferior direito (dente 42). Ao longo da anamnese, ela relatou que tinha sido feita endodontia no dente em questão havia duas semanas e que depois da conclusão do tratamento a sintomatologia dolorosa surgiu e permaneceu.

No exame radiográfico verificou-se presença de área radiolúcida no terço apical radicular, sugerindo lesão periapical nos dentes 41 e 42. No dente 42 notou-se uma área de sobreobturação junto à área de lesão (figura 1).

 

 

No exame clínico foi analisada a condição pulpar do incisivo central inferior direito (dente 41) por meio do teste de vitalidade com gás refrigerante à base de tetrafluoretano (CS 68® – Chemical Specialties Indústria e Comércio Ltda., São Paulo, Brasil), o qual demonstrou resposta negativa, necessitando assim também de uma intervenção endodôntica.

Como tratamento planejaram-se tratamento endodôntico do dente 41 e retratamento do dente 42, seguidos, numa outra consulta, pela curetagem apical associada ao uso do ultrassom, a fim de promover a remoção do tecido de granulação e do material da sobreobturação existente na área de lesão.

Concluídos os tratamentos endodônticos (figura 2), com os devidos cuidados técnicos necessários, a paciente foi previamente medicada para o procedimento cirúrgico. Como medicações sistêmicas receitaram-se: Amoxicilina 500 mg + Clavulanato de potássio 125 mg (de 8/8 horas por sete dias) e Dipirona sódica 500 mg (de 6/6 horas por cinco dias). Para ambos os fármacos ela foi orientada a começar a administração um dia antes do procedimento cirúrgico.

 

 

Previamente ao início da cirurgia, recomendou-se à paciente uma antissepsia da cavidade bucal com digluconato de clorexidina a 0,12%, com a finalidade de reduzir a quantidade de microrganismos e prevenir bacteriemia pós-cirúrgica [7].

Depois se procedeu ao ato cirúrgico com bloqueio anestésico regional tendo como solução articaína a 4% com adrenalina 1:100.000 (Articaine® – DFL Indústria e Comércio Ltda., Rio de Janeiro, Brasil). Em seguida foram feitos incisão de Luebke-Ochsenbein e descolamento mucoperiostal até a visualização da área de lesão (figura 3).

 

 

Localizada a lesão periapical, efetuou-se a ostectomia com uma broca esférica carbide n.º 6 (Fava®) sob irrigação com soro fisiológico (ADV® Farma, São Paulo, Brasil) na tábua óssea vestibular, a fim de permitir melhor acesso ao ápice radicular e delimitar a área de lesão (figura 4).

 

 

Definidos os limites da extensão da lesão periapical, iniciou-se o processo de curetagem apical com uma cureta periodontal 13/14 (Duflex®) associada ao uso do ultrassom com ponta troncocônica de 0,3 mm com dobras de 30º e 60º (CVDentus®), sob irrigação de soro fisiológico (figura 5). Após o procedimento de curetagem, foram realizadas sutura com fio mononáilon 5.0 (Suturbras Indústria e Comércio Ltda., São Paulo, Brasil) e radiografia periapical de controle (figura 6). Além disso, a paciente foi orientada em relação às recomendações pós-operatórias.

 

 

 

 

Depois do procedimento cirúrgico, fez-se proservação clínica e radiográfica dos dentes tratados por um período de um ano (figura 7) e dois anos (figura 8) após a conclusão do tratamento. Nas imagens radiográficas podem-se verificar a evolução do processo de regressão e o reparo ósseo total da área de lesão.

 

 

 

 

Discussão

A cirurgia parendodôntica propõe-se a resolver os problemas resultantes dos insucessos endodônticos, porém é uma alternativa secundária, visto que devem ser esgotadas todas as possibilidades de terapêutica clínica [9].

Segundo os estudos de Bottino e Feller [3], Chandler e Koshy [5] e Orso e Sant'ana Filho [13], o sucesso da cirurgia parendodôntica é mais garantido quando complementado pelo retratamento endodôntico. Por isso nosso planejamento clínico foi efetuado com a associação do retratamento endodôntico e da cirurgia parendodôntica.

Para Walton e Torabinejad [15], as sobreobturações estão indicadas para cirurgia se houver sintomatologia persistente ou se radiograficamente não se observar o reparo, o que foi verificado durante a anamnese e o exame radiográfico da paciente.

Com relação ao tipo de incisão, foi realizada a de Luebke-Ochsenbein por ser indicada quando se deseja acesso a lesões apicais e também por se tratar de uma região na qual o tecido gengival é muito inserido, o que ocasionaria risco de retração ou exposição radicular [9].

Contrariando as recomendações de Holland et al. [10], efetuou-se curetagem periapical. Conforme os autores, que não acreditam no sucesso do tratamento apenas com essa modalidade cirúrgica, é necessária também a apicectomia da porção apical da raiz em razão da contaminação nas ramificações, nos deltas e nas crateras cementárias.

Baraldi e Puricelli [1] e Xavier e Zambrano [18] indicam sempre a apicectomia porque, ao ser realizada somente a curetagem, haverá manutenção do ápice junto à área de lesão, podendo esta persistir.

Já de acordo com Walton e Torabinejad [15] e Walton [16], ao curetar uma lesão periapical, porções de tecido inflamado ou epitélio deixados não comprometerão a cicatrização. Tal afirmação vem ao encontro do que foi dito no estudo de Cohen e Burns [6]: a remoção do conteúdo da lesão conduzirá ao reparo se os contaminantes dos canais radiculares forem eliminados ou isolados dos tecidos periapicais [15].

Para Gagliani et al. [8], o uso de recursos tecnológicos, como ultrassom e microscópio operatório, durante a cirurgia parendodôntica torna-se um excelente recurso auxiliar.

Dessa forma, a fim de ajudar no procedimento de curetagem periapical foi empregado o ultrassom, haja vista que, segundo Von Arx e Kurt [14], a associação do sistema ultrassônico consegue suprir as deficiências observadas com o método manual de curetagem, pois as pontas de ultrassom são bem menores e graças às suas diferentes conformações possibilitam melhor acesso à região periapical e exigem menor área de ostectomia, preservando assim maior quantidade de tecido ósseo sadio.

 

Conclusão

Por meio deste caso clínico, com proservação de dois anos, relatou-se um exemplo de sucesso clínico e radiográfico quando da associação do retratamento endodôntico com a curetagem periapical sem haver necessidade de odontosecção da porção apical da raiz dentária. Os avanços tecnológicos, como o sistema ultrassônico, representam um excelente meio auxiliar para a cirurgia parendodôntica.

 

Referências

1. Baraldi C, Puricelli E. Estudo in vitro das alterações morfológicas da superfície de raízes submetidas a apicectomias e irradiadas com laser de Nd: YAG. Rev Fac Odont Porto Alegre. 2000 Jan;40(2):29-35.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Tiago André Fontoura de Melo
Rua Eça de Queiroz, n.º 466, apto. 701 – Petrópolis
CEP 90670-020 – Porto Alegre – RS
E-mail: tiago-melo@click21.com.br

Recebido em 11/5/2010
Aceito em 23/6/2010.
Received for publication: May 11, 2010
Accepted for publication: June 23, 2010.