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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.8 no.2 Joinville Jun. 2011

 

ARTIGO DE RELATO DE CASO CASE REPORT ARTICLE

 

Tratamento endodôntico de incisivo superior geminado

 

Endodontic treatment of a geminated maxillary incisor

 

 

Carlos Eduardo da Silveira Bueno; Carlos Eduardo Fontana; Kenner Bruno Miguita; Felipe Davini; Roberta Aranha Araújo; Rodrigo Sanches Cunha

Centro de Pós-Graduação São Leopoldo Mandic – Campinas – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A geminação é uma anomalia que ocorre por conta da tentativa de dois dentes se desenvolverem a partir de um único germe, resultando em um elemento com tamanho maior que o normal, porém com apenas um canal radicular, e que, em decorrência de suas características e peculiaridades, exige atenção quando da realização do tratamento endodôntico.
OBJETIVO E RELATO DE CASO: Este estudo tem como objetivo apresentar o tratamento endodôntico de um incisivo central superior portador de geminação.
CONCLUSÃO: O planejamento das etapas do tratamento baseado num atento exame clínico e radiográfico faz-se indispensável para a obtenção do sucesso no tratamento endodôntico de dentes geminados.

Palavras-chave: anatomia; geminação; Endodontia.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Gemination is a tooth anomaly caused when a single tooth bud attempts to divide. This results in a tooth with a size greater than normal, but with only one root canal. Therefore, due to its features and singularities, this geminated tooth demands careful attention for endodontic treatment
OBJECTIVE AND CASE REPORT: The purpose of this case report is to describe the endodontic treatment of a geminated maxillary central incisor.
CONCLUSION: A good planning of all treatment stages, based on a careful clinical and radiographic examination, it is essential to reach the success in the endodontic treatment of geminated teeth.

Keywords: dental anatomy; gemination; Endodontics.


 

 

Introdução

O tratamento endodôntico de dentes portadores de alterações morfológicas representa para o clínico um desafio desde o momento do diagnóstico ao tratamento, e em várias situações a dificuldade técnica para a realização dos procedimentos pode levar ao insucesso endodôntico [1, 4, 10, 12, 14, 18, 19].

Algumas dessas alterações morfológicas, mesmo quando muito parecidas clinicamente, possuem suas particularidades, como ocorre com a geminação e a fusão dental [5, 6, 7].

A geminação é uma anomalia com tendência hereditária que acontece em função da tentativa de dois dentes se desenvolverem a partir de um único germe dental sem, contudo, se separarem totalmente [8, 13, 20]. Como consequência disso, tem-se um dente com tamanho maior que o normal, sem alteração no número de dentes na dentição afetada [6]. A maioria dos casos dá-se na dentição decídua, sendo os incisivos os mais atingidos [11]. Os dentes geminados em geral apresentam divisão incompleta, onde se observam uma coroa grande, dupla ou bífida, com um sulco presente do bordo incisal até a região cervical, uma única raiz e um único canal, ou seja, contêm canais radiculares em número normal, entretanto alargados pela tentativa de divisão [7, 8].

Já em relação ao dente fusionado, mesmo que se mostre como uma única estrutura dental grande, podem-se encontrar duas câmaras pulpares e canais radiculares independentes [3, 6]. Em virtude da ocorrência da união de dois germes, após um exame clínico da arcada o paciente aparenta ter perdido um dente, ou seja, possui número menor de elementos que o normal para a dentição atingida, também geralmente a decídua, sendo os dentes anteriores os preferidos [3, 12]. Porém, nos casos em que a união acontece com um germe de um dente supranumerário, a quantidade de dentes não é afetada [2, 15, 16, 17] e a diferenciação da geminação pode ser difícil.

Yücel e Güler [20] relataram que o tratamento de dentes geminados merece atenção especial por parte do endodontista, pois são necessários exames clínico e radiográfico cuidadosos no sentido de verificar nuanças na anatomia interna que poderiam diversas vezes dificultar a resolução desses casos.

Ballal et al. [2] descreveram o tratamento de um caso raro de molar inferior fusionado, em que até tomografia computadorizada foi empregada como auxiliar no diagnóstico e na avaliação da anatomia diferenciada. Os autores contaram que, além da tomografia,amagnificaçãovisualassociadaaoaumento da luminosidade proporcionada pelo microscópio operatório ajuda no tratamento de tais situações, as quais com frequência são complexas [1].

O objetivo deste trabalho é descrever o tratamento endodôntico de um elemento dental que recebeu como diagnóstico provável geminação, pelo fato de apresentar duas câmaras pulpares e um único e amplo canal radicular.

 

Relato de caso

Paciente do gênero masculino, 12 anos, compareceu ao consultório após indicação de um clínico geral para avaliação do elemento dental 11 (incisivo central superior direito). Sua principal queixa foi quanto à estética comprometida, em virtude de o dente possuir dimensões maiores em relação à coroa do incisivo central esquerdo.

Dado considerado importante na anamnese foi que o responsável pelo paciente relatou que a irmã apresentou o mesmo elemento 11 com tamanho maior que o normal.

Depois do exame clínico (figura 1), o dente revelou anatomia coronária alterada, com dimensões maiores que o normal para o elemento, e também um leve sulco, que se iniciava na junção cemento-esmalte da face vestibular, atravessava a porção incisal e terminava na junção cemento-esmalte lingual.

 

 

Após teste positivo de sensibilidade ao frio – Endo Ice (Hygenic, Akron, EUA) – e de percussão horizontal e vertical, foram confirmadas as condições de integridade do elemento.

No exame radiográfico (figura 2) observou-se a princípio presença de um único canal radicular muito amplo no sentido mesiodistal com duas câmaras pulpares diferenciadas, o que externa e clinicamente correspondia a coroa bífida.

 

 

Portanto, comprovou-se tratar de um caso de geminação dental, já que, além dos dados já citados, o paciente apresentava dentição completa.

A motivação do tratamento endodôntico foi o planejamento multidisciplinar, que incluía desgaste de estrutura dental, bem como movimentação ortodôntica. Sendo assim, o responsável pelo paciente assinou um termo de consentimento.

Na próxima sessão, o indivíduo em tratamento foi anestesiado com articaína 4% 1:200.000 (DFL, Rio de Janeiro, RJ, Brasil), e fez-se o acesso cirúrgico com cautela pelo fato de o dente em questão conter divisão de câmara pulpar. Nesse momento, com auxílio de um microscópio operatório (Alliance, São Carlos, SP, Brasil), foram utilizadas uma broca n.º 1.013 (KG-Sorensen, Barueri, SP, Brasil), para o acesso propriamente dito à câmara pulpar, e uma ponta diamantada n.º 3.082 (KG-Sorensen, Barueri, SP, Brasil), para a realização da forma de contorno da abertura coronária. Após a localização das duas entradas do mesmo canal radicular, o acesso coronário uniu as duas câmaras pulpares com o emprego do inserto ultrassônico TRA-24 (Trinks, São Paulo, SP, Brasil) (figura 3).

 

 

A microscopia operatória foi usada em todo o processo operatório, e verificou-se um istmo interligando as porções mesial e distal do amplo canal radicular.

Adotou-se neste caso como instrumentação a técnica coroa-ápice, com uma hibridização de instrumentos rotatórios NiTi ProTaper Universal (Dentsply Maillefer, Ballaigues, Suíça) até F5 e Bueno et al. 228 – Tratamento endodôntico de incisivo superior geminado limas do tipo K de 2.ª série (Dentsply Maillefer, Ballaigues, Suíça), associada a irrigação abundante de hipoclorito de sódio 2,5% (Fórmula & Ação, São Paulo, SP, Brasil).

A odontometria aconteceu com um localizador foraminal Root ZX II (J Morita, Tóquio, Japão), e posteriormente foi feita uma radiografia, a qual revelou que o dente apresentava apenas um único forame, com princípio de separação dos canais durante sua trajetória até o ápice (figura 4).

 

 

Depois da instrumentação concluída, utilizou-se irrigação ultrassônica passiva durante três minutos com EDTA 17% (Fórmula & Ação, São Paulo, SP, Brasil), para remoção de smear layer, seguida de lavagem final com 10 ml de hipoclorito de sódio 2,5%. O canal foi seco por meio de Capillary Tip (Ultradent, South Jordan, Utah, EUA) e pontas de papéis absorventes Cell Pack (Dentsply, Rio de Janeiro, RJ, Brasil).

Realizou-se a obturação pela técnica híbrida de Tagger; empregou-se um termocompactador de McSpadden n.º 50 (Dentsply Maillefer, Ballaigues, Suíça) associado ao cimento AH Plus (Dentsply, Konstanz, Alemanha). Mais tarde, o dente foi devidamente selado com uma pequena camada de Cimpat (Septodont, Saint Maur des Fosses, França) na entrada do canal radicular e com resina composta Z350 cor B 0.5 (3M, Brasil) ao longo de toda a porção interna coronária, no sentido de evitar possível microinfiltração ou mesmo fratura do dente (figuras 5 e 6).

 

 

 

 

Discussão

Mesmo o dente com dimensões maiores que as comumente encontradas para esse tipo de elemento, foi descartada a possibilidade de macrodontia, pela existência de sulcos de clivagem e lobulações na coroa dental, o que caracterizava tratar-se de um dente fusionado ou geminado [7, 13, 14, 20].

Porém muitos clínicos ainda confundem geminação com fusão, as quais podem ser distinguidas de maneira simplificada [4, 15]. A primeira apresenta apenas um canal radicular e duas câmaras pulpares [8, 11, 13]. Já na fusão observam-se dois canais e duas raízes diferenciadas [14, 19]. Sendo assim, confirmou-se o diagnóstico de geminação para o caso descrito.

A geminação é assintomática e não requer tratamento, fato que resulta em poucos relatos na literatura a respeito do tratamento endodôntico de dentes geminados [10, 20].

Deve-se ressaltar que os procedimentos de acesso coronário até o momento da obturação de dentes com tais alterações na morfologia têm de ser criteriosos, com a finalidade de evitar iatrogenias que podem conduzir ao insucesso do tratamento endodôntico em casos semelhantes. Dessa forma, a microscopia operatória teve papel importante para o resultado final do caso [9].

O diagnóstico pulpar de vitalidade, a identificação das dificuldades anatômicas durante o tratamento endodôntico do citado elemento dental e a colaboração do paciente propiciaram a realização do tratamento endodôntico em uma única sessão [5, 20].

 

Conclusão

A geminação, mesmo com maior incidência em dentes decíduos, pode acometer a dentição permanente, sobretudo os incisivos. Nessas situações, é possível que a estética seja prejudicada e muitas vezes, por tratar-se de alteração morfológica dental, indica-se tratamento endodôntico.

Logo, mediante possíveis dificuldades anatômicas de tais casos, faz-se necessário um planejamento não apenas endodôntico como também multidisciplinar do tratamento, com o objetivo de aumentar o sucesso e prognóstico dele.

 

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Endereço para correspondência:
Carlos Eduardo Fontana
Avenida Dois, n.º 1.220, apto. 134 – Vila do Rádio
CEP 13500-411– Rio Claro – SP
E-mails: ceffontana@hotmail.com / fontana@lexxa.com.br

Recebido em 30/8/2010.
Aceito em 28/9/2010.
Received for publication: August 30, 2010.
Accepted for publication: September 28, 2010.