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Innovations Implant Journal

versão On-line ISSN 1984-5960

Innov. Implant. J., Biomater. Esthet. (Online) vol.5 no.3 São Paulo Set./Dez. 2010

 

ARTIGOS CIENTÍFICOS

 

Uso de malha de titânio no tratamento de fraturas de assoalho de órbita. relato de caso

 

The use of titanium mesh in the treatment of the orbital floor fractures. case report

 

 

Gustavo Ricardo SilveiraI; Maurício ZardoII, Ramon Cesar Godoy GonçalvesIII; André TakahashiIII

IEspecialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Associação Brasileira de Odontologia - Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil
IICoordenador do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Associação Brasileira de Odontologia - Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil
IIIProfessor do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Associação Brasileira de Odontologia - Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As fraturas do osso zigomático são traumatismos faciais comuns e representam ou as fraturas mais comuns ou a segunda em frequência, após as fraturas nasais. A incidência, etiologia, idade e predisposição por sexo nas fraturas zigomáticas varia de acordo com o status social, econômico, político e educacional da população estudada. Devido ao fato que o contorno facial é influenciado pelas estruturas ósseas subjacentes, o zigoma representa um papel fundamental no contorno facial. A alteração da posição do zigoma também tem um grande significado funcional, pois cria alterações oculares e na função mandibular. A terapia adequada para o trauma de órbita é sempre complexa e requer que o cirurgião esteja familiarizado com a anatomia detalhada da órbita e o padrão de dano dos componentes de tecido moles e duros. Vários materiais aloplásticos são usados no reparo de fraturas da parede orbitária. Reparo da fratura orbital que usa malha de titânio proporciona reprodução estável e segura da parede de órbita, enquanto oferece resultados funcionais e cosméticos excelentes, comparáveis com outros materiais de aloplásticos. Apresentamos um caso de fratura de assoalho de órbita tratada com malha de titânio pré-fabricada. A malha de titânio é um material muito seguro para reconstrução de fraturas blow out e restauração do volume da órbita.

Palavras-chave: Fraturas orbitárias. Órbita. Titânio.


ABSTRACT

Zygomatic fractures are common facial injuries, representing either the most common facial fracture or the second in frequency after nasal fractures. The incidence, etiology, age, and sex predilection of zygomatic injuries vary, depending largely on the social, economic, political, and educational status of the population studied. Since the gross shape of the face is influenced largely by the underlying osseous structure, the zygoma plays an important role in facial contour. Disruption of zygomatic position also has great functional significance because it creates impairment of ocular and mandibular function. Trauma to the orbit is always complex, and adequate therapy requires that the surgeon be familiar with the detailed anatomy of the orbit and the pattern of injury of the soft and hard tissue components. Various alloplastic materials are used in orbital wall reconstruction. Orbital fracture repair using mesh titanium orbital implants provides reliable and reproducible stabilization of orbital wall defects, while offering outstanding functional and cosmetic results comparable with other alloplastic materials. We present a case report of blow out fracture treated which prefabricated titanium mesh in their repair. Mesh titanium implant is a very reliable material for reconstruction of the orbital blow-out fractures and restoration of the orbital volume.

Key words: Orbital fractures. Orbit. Titanium.


 

 

INTRODUÇÃO

As fraturas do assoalho orbitário, também chamadas de fraturas blow out, caracterizam-se pela herniação do seu conteúdo para o interior do seio maxilar, podendo causar diplopia, enoftalmia e disfunção motora do globo ocular1. Estas fraturas requerem tratamento efetivo, a fim de se evitar sequelas funcionais e estéticas aos pacientes.

Várias modalidades de tratamento foram propostas ao longo dos anos, por inúmeros autores, mas o objetivo principal do tratamento das fraturas blow out é restaurar o volume orbitário pré-trauma23. Redução fechada, fixadores externos, fios de Kirschner, tamponamento do seio maxilar utilizando gaze ou balonetes infláveis (sonda vesical) através do acesso de Caldwel-Luc, foram muito utilizados até o advento da fixação interna rígida. A partir de então, as opiniões têm convergido e estudos experimentais têm confirmado o manejo destas lesões através da redução aberta e fixação rígida para a reconstrução do assoalho orbitário7,9.

Na reposição do assoalho orbitário empregam-se implantes aloplásticos, enxertos autógenos e alogênicos. Todos têm suas vantagens, desvantagens, indicações e contra-indicações. O material de reposição orbital considerado ótimo permanece controverso4,6.

O presente artigo tem por objetivo relatar o emprego da tela de tiânio, uma alternativa do tratamento das fraturas do assoalho da órbita.

 

RELATO DE CASO

Paciente J.B., 33 anos, do sexo feminino, apresentou-se no Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Vicentino de Ponta Grossa, PR, em abril de 2002, relatando história de politraumatismo em face e membros superiores e inferiores há 3 anos, devido a acidente automobilístico. O tratamento cirúrgico inicial foi realizado na cidade onde sofreu o acidente. A paciente queixava-se de visão dupla (diplopia) e amortecimento na região zigomática esquerda. Ao exame clínico verificamos enoftalmia, perda da mobilidade do globo ocular e defeito estético importante devido à perda de substância do corpo do osso zigomático (Figura 1).

 

 

Solicitamos os exames radiográficos de Waters, PA de face, e tomografia computadorizada de crânio. Os exames comprovaram fratura do assoalho orbitário do lado esquerdo (Figura 2).

 

 

Optamos pela reconstrução do assoalho orbitário com tela de titânio (Preformed Orbital Floor Plate, W.Lorenz Surgical, Jacksonville, FL, Estados Unidos). Empregamos o acesso cirúrgico infraorbital para obtenção de um maior campo de trabalho. Realizada a dissecção dos planos cutâneo e muscular, seguido da incisão do periósteo, procedemos o descolamento do mesmo, procurando expor a fratura e o remanescente do assoalho orbitário. Neste momento todo o conteúdo orbitário foi cuidadosamente elevado do interior do seio maxilar. Em seguida modelamos a tela de titânio para recobrir o defeito ósseo e sustentar o globo ocular. A tela foi fixada ao rebordo infra-orbitário com parafusos de 2.0 mm de diâmetro (Figura 3).

 

 

Os planos profundos foram suturados com fio reabsorvível (poliglactina 910 4-0) e na derme se utilizou sutura intradérmica com fio não reabsorvível (nylon 5-0). Após 1 ano de controle pós-operatório a paciente não apresentava qualquer sinal ou sintoma relacionado à fratura orbitária (Figuras 4 e 5).

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Antes de sua utilização em reconstruções da órbita, há muito o titânio era empregado como material de implante em cirurgias reconstrutivas, fraturas mandibulares, cirurgias ortognáticas, próteses faciais, procedimentos ortopédicos e neurocirúrgicos. Em reconstruções orbitárias a tela de titânio era usada originalmente em conjunto aos enxertos ósseos, fornecendo-lhes sustentação. Mais recentemente, o titânio e suas ligas, como o Vitalium, são utilizados sem os enxertos ósseos, mesmo em grandes defeitos da órbita8. O titânio é quimicamente similar ao cálcio (elementos número 22 e 20, respectivamente) e pode ser fabricado para funcionar como um substituto ósseo. Devido em parte a esta semelhança com o cálcio, o titânio apresenta excelente biocompatibilidade, o que é evidenciado pela osseointegração, quando o titânio é colocado em contacto com o osso. A osseointegração tem sido demonstrada histologicamente em várias áreas, incluindo a margem supraorbital e o osso frontal. Materiais aloplásticos que não se osseointegram são mais suscetíveis à migração, extrusão e infecção4.

Em relação aos tecidos moles o titânio também se mostra altamente biocompatível. A tela de titânio é incorporada, recoberta progressivamente por tecido fibroso, mesmo em áreas de comunicação com as regiões paranasais e parasinusais. Não provoca reações de corpo estranho e o infiltrado inflamatório se torna crônico progressivamente6,11.

A tela de titânio apresenta excelente rigidez, o que favorece a sustentação das estruturas contidas na órbita, mas concomitantemente apresenta maleabilidade, permitindo várias dobras e/ou ajustes aos complexos contornos da órbita antes de sua fixação com parafusos de pequeno diâmetro. Isso favorece sua modelagem aos complexos contornos da órbita e é facilmente fixada com parafusos de pequeno diâmetro. Outra característica positiva do titânio é que este é mais compatível com os exames pós-operatórios necessários, como a tomografia computadorizada e exames de ressonância magnética, pois raramente produz artefatos de técnica nestes exames10.

A tela de titânio é encontrada no mercado mundial em várias apresentações e fabricada por várias empresas tradicionais em artigos cirúrgicos, como a W. Lorenz. Leibinger, Synthes e KLS Martin. Podemos encontrar a tela de titânio em formatos quadrados, os quais são recortados com tesouras ou cisalhas, no formato cônico ou em formatos específicos para o assoalho orbitário, em vários tamanhos. A espessura das telas varia de 0.1 a 0.6 mm e a espessura dos parafusos de fixação varia de 1.3 a 2.0 mm.

Dentre os vários tipos de implantes utilizados no tratamento das fraturas do assoalho da órbita, os enxertos ósseos autógenos foram largamente utilizados e ainda detém a preferência de muitos cirurgiões. As dificuldades em estimar o grau de reabsorção óssea, cortar, modelar e adaptar adequadamente o enxerto aos ossos orbitários, além da morbidade de um segundo sítio cirúrgico, estimularam a busca por novos materiais que superassem estas dificuldades. Os enxertos de crista ilíaca podem ser reabsorvidos em até um terço de seu volume12. Quando comparados à tela de titânio, os enxertos ósseos apresentam um resultado inferior no que diz respeito à reposição da arquitetura da órbita3.

Os biomateriais apresentam a vantagem de dispensar um segundo sítio cirúrgico (área doadora), diminuindo assim a morbidade do procedimento, mas alguns inconvenientes e complicações em sua utilização têm sido relatados. No caso dos materiais não reabsorvíveis, como o Supramid (malha de poliamida), Teflon e Silastic (lâmina de silicone), têm sido relatados infecção, fistulização, movimentação e extrusão têm sido relatadas. A malha de Vicryl não apresenta rigidez suficiente para suportar as estruturas contidas na órbita. A hidroxiapatita tem a desvantagens de ser facilmente quebrada e difícil de ser modelada. O polietileno poroso também tem desvantagens: o Proplast tem baixo grau de rigidez permitindo movimentos instáveis dos tecidos, e o Medpor foi recentemente citado por apresentar risco de exposição do implante e, experimentalmente, restringir a movimentação do globo ocular devido a adesão dos tecidos periorbitários. No caso dos materiais reabsorvíveis como o Gelfilm, formações císticas tem sido relatadas e o Poly-p-dyoxanon (PDS) apresenta pouca rigidez, sendo inferior à tela de titânio na reconstrução de grandes defeitos do assoalho orbitário2,4-6,10.

 

CONCLUSÃO

Nossa experiência e a revista da literatura atual demonstra a efetividade da tela de titânio no tratamento das fraturas blow out. Em apologia à sua utilização podemos citar algumas vantagens:

  • disponibilidade imediata;

  • dispensa um segundo sítio cirúrgico (área doadora), diminuindo assim a morbidade do procedimento;

  • facilmente modelável, podendo ser adaptada e fixada em tempo reduzido;

  • rigidez adequada, propiciando estabilidade tridimensional;

  • ausência de relatos de alergia, toxicidade e carcinogenicidade;

  • baixo índice de infecção, devido principalmente à sua excelente biocompatibilidade.

Dentre os vários materiais aloplásticos disponíveis e dentre os enxertos autógenos, a tela de titânio se apresenta, mesmo em grandes defeitos do assoalho da órbita, uma opção simples e confiável para a reconstrução do assoalho orbitário.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Maurício Zardo
Rua Julio de Castilhos, 838 - Apto. 12
84010-220 - Ponta Grossa - Paraná - Brasil
E-mail: mz0362@yahoo.com.br

Recebido: 05/07/2010
Aceito: 05/10/2010