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RPG. Revista de Pós-Graduação
Print version ISSN 0104-5695
RPG, Rev. pós-grad. vol.19 n.2 São Paulo Apr./Jun. 2012
Artigo de Revisão / Review Article
Leucoplasia verrucosa proliferativa: estudo sobre os principais aspectos clínicos e demográficos
Proliferative verrucous leukoplakia: study of mainly clinical and demographic aspects
VIVIANA LANELI; CELSO AUGUSTO LEMOS JÚNIORII
I Mestranda em Diagnóstico Bucal pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo/SP
II Professor Doutor da Disciplina de Estomatologia Clínica pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo/SP
RESUMO
A leucoplasia verrucosa proliferativa (LVP) é classificada como um subtipo da leucoplasia oral (LO), de rara incidência e alto potencial de malignização. Apresenta altos índices de recorrência após a realização de qualquer modalidade de tratamento. Suas características clínicas são variadas, havendo lesões restritas e homogêneas em fases iniciais depois evoluindo para aspecto multifocal e não homogêneo. Existem divergências na literatura quanto aos critérios utilizados em seu diagnóstico. Alguns autores preconizam acompanhar as lesões desde sua fase inicial até o desenvolvimento de áreas verrucosas ou carcinomas enquanto outros acreditam que o aguardo de fases avançadas apenas atrasa o diagnóstico e a instituição de tratamentos. O objetivo desse estudo foi avaliar, por meio de prontuários, as características clínicas e demográficas dos indivíduos diagnosticados com LVP na Disciplina de Estomatologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) e fazer uma breve revisão sobre o assunto. Foram encontrados nove pacientes no período de 2007 a 2011, e observamos maior incidência em indivíduos do gênero feminino, sem hábitos de tabagismo ou etilismo, com idade média de 73 anos. O tempo médio de evolução clínica foi de 5,4 anos. Clinicamente, todos os pacientes apresentaram lesões multifocais, não homogêneas, de comportamento agressivo e disseminado. Sugerimos que dentre os critérios de diagnóstico devam ser considerados a presença de lesões brancas multifocais, lesões de comportamento agressivo, longo período de evolução, recorrência após qualquer forma de tratamento e não necessariamente aspecto verrucoso no momento do diagnóstico.
Descritores: Leucoplasia bucal. Carcinoma de células escamosas. Tabagismo.
ABSTRACT
The proliferative verrucous leukoplakia (PVL) is a rare entity, with a high malignancy potential, classified as a subtype of oral leukoplakia (OL). It presents a high tendency to recurrence after any type of treatment. Initially, inconspicuous white lesions can be found on initial stages and progress to multifocal and non-homogenous areas over time. There are controversies in the literature regarding the diagnostic criteria for PVL. Some authors make the diagnosis after a long-term follow-up, observing initial stages until the development of verrucous areas or carcinomas. Others believe that waiting for later stages postpone the diagnosis and treatment institution. The objective of this study was to evaluate clinical and demographic characteristics of patients diagnosed with PVL and to make a brief review of this subject. A retrospective study was performed and we analyzed patient's records of the Department of Stomatology at Faculty of Dentistry of Universidade de São Paulo (FOUSP). Nine patients were found between 2007 and 2011, and there were higher incidence among women with no smoking or drinking habits with an average age of 73 years old. PLV lesions progressed over a 5.4-year period. Clinically, all of them showed aggressive and multifocal lesions, varying from homogenous to non homogenous aspect with verrucous surface and erythematous areas. It was suggested that PVL diagnostic criteria should include the presence of multifocal white lesions with aggressive behavior, long-term evolution, recurrences after any type of treatment, excluding the obligation of verrucous aspect on the time of diagnosis.
Descriptors: Leukoplakia, oral. Carcinoma, squamous cell. Smoking.
INTRODUÇÃO
A leucoplasia verrucosa proliferativa (LVP) foi descrita primeiramente em 1985 e foi classificada como uma variante da leucoplasia oral (LO)15. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a definiu como uma forma rara, distinta e de alto risco dentre as lesões potencialmente malignas7.
Suas principais características são as altas taxas de transformação maligna e a presença de recidivas após a realização de qualquer tipo de tratamento5,15. Observa-se um grande espectro de manifestações clínicas e histopatológicas, e em fases iniciais sua distinção da LO é praticamente impossível14. Apresenta desenvolvimento lento e, com o tempo, adquire aspecto heterogêneo, verrucoso e multifocal, geralmente evoluindo para transformação maligna15.
O diagnóstico da LVP ainda é difícil de ser realizado, e a maioria dos casos é diagnosticada tardiamente, geralmente em estágios mais avançados8. Os critérios de diagnóstico da LVP ainda são debatidos na literatura, não havendo consenso entre alguns autores. Uns seguem aqueles propostos décadas atrás, de maneira retrospectiva, acompanhando o paciente desde fases iniciais da lesão até o desenvolvimento de áreas verrucosas e carcinomas7,14,15,22. Outros acreditam que aguardar estados tardios das lesões resultaria em atrasos no diagnóstico e piora do prognóstico do paciente1.
O objetivo deste artigo foi avaliar o perfil demográfico e clínico dos pacientes diagnosticados com LVP, bem como fazer uma revisão de suas principais características.
MATERIAL-CASUÍSTICA E MÉTODO
Foi realizado um estudo retrospectivo mediante a avaliação de prontuários de pacientes diagnosticados com LVP, entre 2007 e 2011, na Clínica de Estomatologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP). As informações coletadas foram idade, gênero, etnia, hábitos, características clínicas e localizações das lesões. Os critérios utilizados para o diagnóstico dos pacientes foram presença de lesões esbranquiçadas multifocais, de comportamento agressivo e irrestrito, com longo tempo de evolução e com alterações histopatológicas correspondentes à LVP. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FOUSP (protocolo nº 174/2010).
RESULTADOS
Dentre nove pacientes diagnosticados com LVP, observou-se que 8 (89%) eram do gênero feminino e apenas 1 (11%) do gênero masculino, com idade média de 73 anos. Oito (89%) indivíduos eram leucodermas enquanto 1 (11%) era xantoderma. As lesões apresentaram um tempo médio de desenvolvimento de 5,4 anos (Tabela 1). Em relação aos hábitos, encontramos que apenas 33% dos pacientes eram fumantes e nenhum fazia uso de bebidas alcoólicas (Tabela 2).
Clinicamente, notou-se que nenhum paciente apresentou no momento da primeira consulta lesão unifocal e de aspecto homogêneo. Todos exibiram lesões multifocais. Quatro pacientes apresentaram placas brancas homogêneas e espessas, multifocais e irregulares. Em outro paciente foi possível observar lesão branca homogênea em mucosa jugal, a partir da qual, posteriormente, se desenvolveu área verrucosa. Dois indivíduos apresentaram lesões com diferentes aspectos, desde placas brancas homogêneas espessas, outras verrucosas até regiões não homogêneas de padrão salpicado e nodulares. Em um paciente foi possível observar a presença de placas brancas homogêneas multifocais, por ora disseminadas e sem limites definidos, além de área eritroplásica e nódulo granulomatoso diagnosticado como carcinoma espinocelular (CEC).
O local mais acometido foi a mucosa jugal (100%), seguida pelo rebordo alveolar (77%), língua (66%), fundo de sulco (66%), mucosa labial (55,5%), assoalho bucal (33%), palato duro (22%), palato mole (22%), lábio superior (11%) e gengiva (11%) (Gráfico 1).
DISCUSSÃO
A LVP é definida como uma lesão rara, com alto potencial de malignização e que acomete principalmente pacientes do gênero feminino, em uma proporção de 4:1, sem predileção por raça e com idade média de 62 anos5,15,21. Observamos em nosso estudo que 89% dos pacientes eram mulheres, em uma relação de 8:1, e apresentavam idade média de 73 anos, mostrando valores ligeiramente acima daqueles observados na literatura.
A etiologia da LVP ainda é desconhecida, mas parece não estar relacionada ao uso de tabaco, pois estudos apontam que a incidência de indivíduos fumantes varia entre 11 e 36%3,6,8,13,19. Em nosso estudo, pudemos observar que 67% dos pacientes eram não tabagistas e nenhum deles fazia uso de bebidas alcoólicas. Foi sugerido que a origem da LVP poderia estar relacionada com a presença do papilomavírus humano (HPV)11,17 e do vírus Epstein-Barr (EBV)4, porém diversos estudos não mostraram tal associação3,12.
A LVP apresenta um grande espectro de alterações clínicas e histopatológicas. Em estágios iniciais, apresenta- se como uma lesão de coloração esbranquiçada, homogênea, de superfície lisa, limites bem definidos e com ausência de displasia celular. Nesta fase, torna-se difícil, senão impossível, distingui-la da LO14. Com o passar do tempo, desenvolve áreas eritematosas, envolvimento multifocal, superfície verrucosa, papilomatosa ou exofítica até a ocorrência de carcinomas5,14,21,22. Seu tempo de evolução é lento, geralmente levando em média seis anos10. Em nosso estudo, observamos que as lesões se desenvolveram em um período médio de 5,4 anos e que todos os pacientes apresentaram lesões multifocais na primeira consulta, com padrão homogêneo e não homogêneo, que variavam desde placas brancas, bem delimitadas e com superfície lisa, até áreas verrucosas, eritroplásicas, salpicadas ou nodulares, sendo semelhantes aos achados de outros trabalhos14,22.
Histopatologicamente, a LVP apresenta diferentes estágios, iniciando-se como hiperqueratose sem a presença de displasia, que gradualmente evolui para hiperplasia verrucosa, carcinoma verrucoso (CV) até o carcinoma espinocelular18. Diferentes lesões do mesmo indivíduo podem apresentar diferentes estágios de evolução clínica e histopatológica. Assim como a LO, a LVP é um termo que deve ser apenas usado como descrição clínica e não diagnóstico histopatológico8,21.
Observamos que os locais mais acometidos foram a mucosa jugal, seguida de rebordo alveolar, língua, fundo de sulco, mucosa labial, assoalho bucal, palato duro, palato mole, lábio superior e gengiva. A frequência de envolvimento dos sítios intraorais varia conforme os estudos, alguns dos quais apontam a gengiva como o local mais acometido2,12,21,22, enquanto outros apontam a mucosa jugal20.
A LVP apresenta altas taxas de transformação maligna, o que mostram diversos estudos, que encontraram uma variação de 50 a 100% de malignização das lesões2,6,13,19,21. Seu curso clínico é longo, levando de anos a décadas até o desenvolvimento de carcinomas. Em um estudo, foi observado que 70% dos pacientes desenvolveram CEC no local das lesões em uma média de 7,7 anos de acompanhamento, apesar das tentativas de remoção cirúrgica ou com laser. Assim, recomenda-se a realização de biópsias sempre que houver alterações de coloração, aspecto, tamanho ou surgimento de novas lesões14.
O diagnóstico precoce da LVP é fundamental para a prevenção da malignização ou, ao menos, do desenvolvimento de carcinomas extensos1. A inexistência de critérios diagnósticos concretos pode levar não apenas a diagnósticos tardios, mas também a diagnósticos errôneos, não revelando sua exata incidência na população mundial. Diversos estudos se baseiam nos preceitos de que a LVP deva ser diagnosticada de maneira retrospectiva. Assim, as lesões devem ser observadas e acompanhadas desde sua fase inicial até o desenvolvimento de lesões não homogêneas, verrucosas, multifocais e displásicas9,13,14,22. Também devem apresentar recorrência após a realização de qualquer tipo de tratamento15 e, ainda, segundo alguns autores, a presença quase certa de transformação maligna16.
Observamos que nenhum de nossos pacientes apresentou lesões inócuas e unifocais na primeira consulta provavelmente pela falta do diagnóstico precoce. Suas características clínicas variavam desde placas brancas homogêneas até lesões com superfície eritematosa, verrucosa e irregular com diversos graus de variação histopatológica, e um deles já apresentava o desenvolvimento de carcinoma. Mesmo assim, todos eles foram diagnosticados como LVP. Em outro estudo, os pacientes também apresentavam lesões de aspecto multifocal e não homogêneo, porém os autores preferiram não os considerá-las como LVP14. Recentemente, foi publicado na literatura um artigo1 no qual o autor apontou que aguardar o desenvolvimento de lesões verrucosas pode significar atraso no diagnóstico, já que muitas vezes correspondem a carcinomas verrucosos2,5,10. Ele sugere que o termo leucoplasia verrucosa proliferativa seja alterado para leucoplasia multifocal proliferativa para facilitar o diagnóstico precoce.
Acreditamos que a exigência de que o diagnóstico seja realizado de forma retrospectiva, tanto clínica quanto histológica, induz não apenas ao erro mas também a um diagnóstico tardio. Além do mais, considerar o diagnóstico de LVP apenas após o desenvolvimento de carcinomas pode reduzir as taxas de sucesso do tratamento e de expectativa de vida. Consideramos como portadores de LVP os pacientes que apresentaram múltiplas placas brancas, de superfície homogênea ou não homogênea, com envolvimento de múltiplas regiões da cavidade oral e a presença histopatológica de displasia ou neoplasia em algum momento de sua evolução.
Podem ser observadas altas taxas de recidiva da LVP após a realização de qualquer tipo de tratamento. Diversas modalidades, como cirurgia, uso de laser de dióxido de carbono (CO2), crioterapia, terapia fotodinâmica (PDT), retinoides, radioterapia e quimioterapia, não mostraram eficácia na redução de recorrências e de transformação maligna19. Um estudo mostrou uma média de 85% de recidiva em pacientes tratados com o uso de laser CO2, enquanto em outro se observou recorrência em 86,7% dos casos tratados cirurgicamente e com o uso de laser e o surgimento de novas lesões em 83,3% dos indivíduos2.
CONCLUSÃO
A LVP é uma lesão que afeta principalmente mulheres em idade mais avançada e não tem relação com o tabagismo. Sua apresentação clínica é variada, podendo apresentar desde lesões unifocais até lesões disseminadas e confluentes em diversos sítios da cavidade oral. Acreditamos que a exigência de que o diagnóstico da LVP seja realizado de forma retrospectiva, tanto clínica quanto histológica, induz não apenas ao erro mas também a um diagnóstico tardio. Além disso, considerar o diagnóstico de LVP apenas após o desenvolvimento de carcinomas pode reduzir as taxas de sucesso do tratamento e de expectativa de vida.
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Endereço para correspondência:
Viviana Lanel
Avenida Prof. Lineu Prestes, 2227 – Cidade Universitária
CEP 05508-000 – São Paulo/SP
e-mail: vlanel@usp.br
Recebido em: 30/11/11
Aceito em: 16/5/12