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Odontologia Clínico-Científica (Online)

On-line version ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.12 n.1 Recife Jan./Mar. 2013

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Lesão traumática na papila incisiva: relato de caso

 

Traumatic lesion in the incisive papilla: case report

 

 

Otávio PaginI; Lúcia Helena Caetano FerreiraII; Alexandre Simões GarciaIII; Ana Lúcia Álvares CapelozzaIV

I Mestrando em Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
II Aluna de graduação da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
III Biólogo
IV Professora associada do Departamento de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A papila incisiva, localizada abaixo do forame incisivo, é uma estrutura anatômica propensa a traumas que podem vir a apresentar sinais de infl amação, gerando confusão e erros de diagnóstico, caso não seja realizado um exame clínico detalhado, levando, assim, o paciente a uma terapia inadequada. Dessa forma, por meio da apresentação de um relato de caso, os autores buscam salientar a importância do exame clínico detalhado, além da avaliação e do conhecimento das imagens clínicas e radiográfi cas para a realização de um diagnóstico diferencial adequado. Abordam, mais precisamente, o diagnóstico diferencial entre traumatismo físico e cisto do ducto nasopalatino, discutindo, ainda, como a falta de anamnese e o exame físico criterioso levaram a um erro de diagnóstico e tratamento incorreto do paciente.

DESCRITORES: Anamnese; Palato; Inflamação; Diagnóstico.


ABSTRACT

The incisive papilla, located beneath the incisive foramen, is an anatomical structure that, when it is exposed to trauma, shows signs of infl ammation, leading the problem to a misdiagnosis an inadequate therapy due to a mistake and confusion during the clinical examination. Thus, by a case report, the authors highlight the importance of a detailed clinical examination besides the evaluation and knowledge of clinical and radiographic images for an appropriated diff erential diagnosis. That can address, more precisely, the diff erential diagnosis between physical trauma and the nasopalatine duct cyst, beyond discuss how the lack of anamnesis and accurate physical examination led to a misdiagnosis and a wrong treatment.

KEYWORDS: medical history taking; palate; inflammation; diagnosis.


 

 

Introdução

As estruturas da boca podem apresentar lesões de etiologia diversa. Dentre as causas prováveis de lesões bucais, está o trauma decorrente de hábitos, uso de alimentos duros, queimaduras, lesões causadas por mordida, mau posicionamento e fratura de dentes e a falta de adaptação de peças protéticas. Definida como uma estrutura anatômica localizada sobre o forame incisivo, a papila incisiva pode sofrer injúrias que resultam em sinais clássicos de edema e inflamação, que podem dificultar o diagnóstico, confundir o cirurgião-dentista e conduzir o profissional ao tratamento incorreto.

Neste artigo, propusemo-nos a apresentar o relato de um caso clínico, discutir o diagnóstico diferencial de traumatismo físico com cisto do ducto nasopalatino mediante uma anamnese detalhada e uma avaliação criteriosa das imagens clínicas e radiográficas, ressaltando a importância do reconhecimento dos reparos anatômicos pelo cirurgião-dentista.

 

Relato de Caso

Paciente de 28 anos, gênero masculino foi encaminhado à clínica de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, com queixa principal de "inchaço na região anterior do céu da boca" com evolução de sete dias.

Durante anamnese, paciente relatou fumar cerca de dois maços de cigarro por dia, ter o hábito de ingerir alimentos quentes, sem esfriá-los previamente e de chupar balas constantemente. O paciente se mostrava bastante temeroso em relação ao câncer bucal e estava sendo medicado há cinco dias por um cirurgião-dentista consultado previamente, com antibiótico, antifúngico e bochechos com água oxigenada.

Ao exame físico, observamos edema e eritema na região das rugas palatinas e papila incisiva, característicos de infl amação (Figura 1). A gengiva inserida apresentava características de normalidade, sem sangramento e presença de bolsas durante a sondagem, evidenciando, assim, ausência de gengivite e doença periodontal.

 

 

 

Durante a interpretação radiográfica periapical da região de incisivos superiores, foi possível observar o forame incisivo com contorno nítido, integridade da lâmina dura e crista alveolar junto aos incisivos, características compatíveis com normalidade do osso alveolar (Figura 2).

 

 

 

Após o exame clínico e radiográfi co, o diagnóstico presuntivo foi de trauma devido aos hábitos alimentares. Foi feita uma orientação para que o indivíduo parasse ou diminuísse o consumo de cigarros, não se alimentasse com alimentos quentes e não consumisse balas. Foi prescrito anti-inflamatório durante 3 dias para que houvesse um melhor conforto para o paciente. No retorno de uma semana (Figura 3), já se percebia grande melhora do quadro e nenhuma sintomatologia, confi rmando nosso diagnóstico inicial.

 

 

 

Discussão

A maioria das lesões traumáticas diagnosticadas pelos profissionais está relacionada com danos físicos acidentais, além de má oclusão, próteses removíveis mal adaptadas, higienização agressiva ou realizada com técnicas incorretas, uso de piercing bucal e traumas causados pelo próprio indivíduo1.

Tanto o terço anterior da língua como do palato duro são as áreas de maior acometimento de queimaduras por alimentos quentes. A diferença de temperaturas externa e interna, especialmente dos alimentos congelados aquecidos em fornos de microondas, muitas vezes, causa queimaduras pelo fato de não oferecer sensação imediata do quão quente pode estar um determinado alimento2.

As lesões por queimaduras podem ocorrer devido a diversos tipos de fatores, sendo eles calor, frio, eletricidade, agentes químicos, radiação ou atrito. São altamente variáveis de acordo com o tipo de tecido acometido, a severidade e as complicações resultantes. Exposições prolongadas a temperaturas acima de 40º C geram uma desnaturação das proteínas e perda da integridade da membrana plasmática. Por outro lado, uma exposição a temperaturas superiores a 60º C torna o processo bem mais rápido, quando, em apenas um segundo, ocorrem os danos celulares citados3.

O cisto do ducto nasopalatino se apresenta de forma assintomática, nos primeiros estágios do seu desenvolvimento, entretanto, na medida em que a lesão aumenta, surgem sinais comuns, como tumefação do palato e dor4. Há uma variante incomum desse tipo de cisto originada no interior do tecido epitelial da papila, denominado cisto da papila incisivo não podendo ser observado em radiografias, uma vez que não remodela o osso palatino5.

A etiologia do cisto do ducto nasopalatino está relacionada com traumas durante a mastigação, trauma de próteses, infecções bacterianas e proliferação espontânea4-6. Sua apresentação clínica mais comum se dá por meio de tumefação assintomática no palato, mas, quando há sintomatologia, os sinais mais comuns podem ser dor, drenagem e inchaço, e a vitalidade dos dentes da região não deverá estar comprometida7.

O exame radiográfico, no caso de um cisto do ducto nasopalatino, mostraria uma região bem delimitada, apresentando- se com radiolucidez circunscrita ou em forma de coração junto à região mediana8. Dessa forma, a hipótese de um possível cisto de pequenas proporções foi descartada, uma vez que a radiografia evidenciou total normalidade das estruturas.

No caso apresentado, a falta de uma anamnese e de um exame físico mais criterioso fez com que houvesse um tratamento desnecessário e incorreto, visto que a administração tanto de antibiótico como de antifúngico foi realizada sem qualquer benefício para o paciente.

Assim, o diagnóstico de trauma gengival pode ser confirmado, já que a região em questão não apresentava sinais clínicos e radiográficos que pudessem conduzir o caso para qualquer outro tipo de lesão.

 

Conclusão

Lesões completamente distintas podem, muitas vezes, confundir os profissionais menos experientes, levando, muitas vezes, a condutas desnecessárias. Uma anamnese bem detalhada e um exame físico adequado conduzem o profissional a um correto diagnóstico e, consequentemente, ao tratamento correto.

 

Referências

1. Rawal SY, Claman LJ, Kalmar JR, Tatakis DN. Traumatic lesions of the gengiva: a case series. J Periodontol. 2004; 75(5): 762- 769.         [ Links ]

2. Nahlieli O, Eliav E, Shapira Y, Baruchin AM. Central palatal burns associated with the eating of microwaved pizzas. Burns. 1999; 25: 465-466.

3. Evers LH, Bhavsar D, Mailänder. The biology of burn injury. Exp Dermatol. 2010; 19: 777–783.

4. Gnanasekhar JD, Walvekar SV, Al-Kandari AM, Al-Duwairi Y. Misdiagnosis and mismanagement of a nasopalatine duct cyst and its corrective therapy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 1995; 80(4): 465-70.

5. Shafer WG, Hine MK, Levy BM. A textbook of oral pathology. 4th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1983. 917p.

6. Oliveira MTF, Freire DR, Bicalho AA, Santos CRR, Soares JA. Cisto do ducto nasopalatino: relato de caso clínico. Rev Odontol UNESP. 2009; 38(6): 371-374.

7. Nelson BL, Linfesty RL. Nasopalatine Duct Cyst. Head and Neck Pathol. 2010; 4:121–122. 8. Francolí JE, Marqués NA, Aytés LB, Escoda CG. Nasopalatine duct cyst: report of 22 cases and review of the literature. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2008; 13(7):E438-443.

 

 

Endereço para correspondência:
Otávio Pagin
Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75 – Bauru/SP
CEP 17012-901
Departamento de Estomatologia
e-mail:
opagin@hotmail.com

 

Recebido para publicação: 14/02/11
Aceito para publicação: 29/12/11