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RSBO (Online)
On-line version ISSN 1984-5685
RSBO (Online) vol.7 n.3 Joinville Sep. 2010
ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ARTICLE
Análise da influência do grau de curvatura na ocorrência de desvios apicais após o preparo oscilatório em canais simulados
Analysis of the influence of degree of curvature in the occurrence of apical deviations after the oscillatory preparation in simulated root canals
Tiago André Fontoura de MeloI; André WeberI; Dirlei MenonI; Renata Grazziotin SoaresI; Alexandre Azevedo SallesII
IDepartamento de Odontologia, Sobracursos Porto Alegre RS Brasil
IIDepartamento de Odontologia, Universidade Luterana do Brasil Canoas RS Brasil
RESUMO
INTRODUÇÃO E OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo analisar a influência do grau de curvatura na ocorrência de desvios apicais após a realização do preparo oscilatório.
MATERIAL E MÉTODOS: Utilizaram-se 20 canais simulados com 21 mm de comprimento, os quais foram divididos em dois grupos experimentais com curvaturas de 20º e 40º. Os canais foram preparados com instrumentos de aço inoxidável acoplados a um contra-ângulo de sistema automatizado de movimentos oscilatórios com redução da velocidade de 10:1. Para a realização da análise do desvio, antes e após o preparo, os canais foram preenchidos com tinta nanquim e fotografados de forma padronizada com o auxílio de uma plataforma. Em seguida, as imagens obtidas foram manipuladas no programa Adobe Photoshop®, sobrepondo a imagem pré e pós-operatória, e com a ferramenta régua fez-se a medição dos desvios a 1 mm do comprimento de trabalho e no meio da área de curvatura. Os dados obtidos foram submetidos à Análise de Variância (Anova) com nível de significância de 5%.
RESULTADOS E CONCLUSÃO: Por meio dos resultados obtidos observou-se que, quanto maior o grau de curvatura, maior foi o desvio. Já em relação ao local de análise, notou-se que na região a 1 mm do comprimento de trabalho houve maior desvio do que no ponto localizado no meio da área de curvatura.
Palavras-chave: Endodontia; preparo do canal radicular; aço inoxidável.
ABSTRACT
INTRODUCTION AND OBJECTIVE: This study aims to analyze the influence of degree of curvature in the occurrence of apical deviations after the oscillatory preparation.
MATERIAL E METHODS: Twenty simulated root canals of 21 mm in length were divided into two experimental groups according to the degree of curvature: 20º and 40º. The canals were prepared using stainless steel instruments connected to a 10:1 speed reducing contra-angle handpiece with an automatized system of oscillatory movement. When analyzing the deviation, canals were filled with India ink and photographed in a standardized way with the aid of a platform, before and after the accomplishment of the preparation. In sequence, the images obtained were manipulated in Photoshop® Adobe program, preoperative and postoperative images were overlapped, and the deviation was measured with a ruler within 1 mm of working length and in the halfway of curvature. Data were submitted to analysis of variance (Anova) with a significance level of 5%.
RESULTS AND CONCLUSION: Through the results obtained, it was possible to see that the greater the degree of curvature, the greater the deviation. In relation to the place of analysis, it was possible to realize that there was more deviation in the region of 1 mm of working length than in the halfway of curvature.
Keywords: Endodontics; root canal preparation; stainless steel.
Introdução
Na Endodontia, embora ocorram toda a evolução e todo o aperfeiçoamento de materiais e técnicas, nota-se que, por causa da diversidade e da complexidade existente na anatomia de um canal radicular, tanto com relação ao grau de curvatura quanto ao formato do canal ou à atresia dele, a ocorrência de desvios durante a etapa de preparo ainda está presente.
Na etapa do preparo do canal radicular tem se verificado a preocupação não só com a limpeza e a sanificação pelo uso de substâncias químicas auxiliares como também em respeitar a conformação e a forma natural do canal durante o ato de instrumentação.
Segundo Ayar e Love (2004) [2], o preparo de canais radiculares curvos tem maior tendência a promover desvios, zips, transportes e perfurações. Em 2006, Troian et al. [26] deixaram claro que, mesmo com o grande avanço dos instrumentos e das técnicas endodônticas, o preparo e a dilatação do terço apical dos canais radiculares podem levar à ocorrência de acidentes. De acordo com Lloyd et al. (1997) [9], quanto maior o grau de curvatura do canal radicular, maior a probabilidade de acidentes.
Para Pereira et al. (2004) [16], pelo fato de a região apical dos canais radiculares curvos representar uma área de difícil administração, alterações indesejáveis decorrentes do preparo constituem ocorrências rotineiras. Independentemente da técnica ou do tipo de instrumentos empregados, o desvio ou o transporte apical são os acidentes mais frequentes. Sydney et al. (2001) [23] realizaram um estudo no qual compararam, in vitro, a ocorrência de desvio apical no preparo do canal mesiovestibular de primeiros molares superiores com o uso do sistema oscilatório em relação ao preparo manual. De posse dos resultados, os autores verificaram que 14,28% dos canais preparados pelo sistema mecanizado apresentaram desvio em comparação a 7,14% dos canais do grupo manual.
Já em 2004 Limongi et al. [8] analisaram, in vitro, a presença de desvio apical no preparo de canais radiculares em raízes mesiovestibulares de molares superiores utilizando peças automatizadas de giro contínuo, sistema Pow-R® , e giro alternado, sistema M4® . Os resultados alcançados mostraram que não houve diferença estatística significativa quanto à presença de desvio entre os dois sistemas.
Baseado na literatura consultada, este estudo teve como objetivo analisar a influência do grau de curvatura, com relação à ocorrência de desvio, no uso do sistema oscilatório durante o preparo endodôntico.
Material e métodos
Para a realização deste estudo, utilizaram-se 20 blocos confeccionados em resina epóxi (Odontofix® , Ribeirão Preto, SP) contendo canais curvos artificiais com 21 mm de comprimento e com diâmetro apical de 0,20 mm. Todos os canais tinham início da curvatura a 12 mm da sua embocadura, dos quais 10 canais simulados apresentavam 20º de curvatura (grupo A), e os outros, 40º (grupo B) (figura 1 e quadro I).
Empregaram-se instrumentos endodônticos de aço inoxidável Flexo-File (n.º 15 a n.º 40) e tipo K (n.º 45 e n.º 50) (Dentsply/Maillefer Instruments S.A., Ballaigues, Suíça) nos dois grupos experimentais. Durante a realização dos preparos, os canais simulados foram fixados em um minitorno de bancada (Worker® ) a fim de facilitar a instrumentação. Além disso, envolveram-se os blocos de resina em papel-alumínio em toda a sua lateral para que o operador não soubesse a que grupo experimental pertenciam os canais simulados, tendo somente a noção da direção de inclinação da curvatura do canal, a qual foi posicionada de modo padronizado, sempre voltada para a direita do operador.
Primeiramente foram utilizados os instrumentos Flexo-File, no comprimento real de trabalho (CRT) preestabelecido, em movimento de limagem, sequencialmente no n.º 15 e n.º 20. O CRT foi padronizado em todos os canais simulados em 20 mm de comprimento. Após iniciou-se o preparo dos canais, empregando-se um contra-ângulo de sistema automatizado de movimentos oscilatórios (NSK Adiel Super Endo, Ribeirão Preto, SP), com redução da velocidade de 10:1, e auxílio de um micromotor pneumático (Dabi Atlante, Ribeirão Preto, Brasil).
A técnica aplicada para o preparo químico-mecânico foi coroa-ápice com movimentos de oscilação e leve pressão e movimentos de pincelamento contra as paredes do canal com os instrumentos endodônticos sequenciais de n.º 50, 45, 40, 35, 30, 25 e 20, até atingirmos o CRT. A cada troca de ferramenta, um instrumento endodôntico n.º 15, com movimento de exploração, foi usado manualmente no CRT, a fim de promover a remoção das raspas de resina na região apical do canal. Em seguida, realizou-se o preparo apical com o auxílio da peça automatizada, na sequência dos instrumentos n.º 20, 25 e 30, todos no CRT. Como instrumento memória foi padronizado o de n.º 30 para todos os canais simulados. Para finalizar o preparo, efetuou-se o escalonamento com recuo progressivo e programado de 1 mm a cada instrumento utilizado (n.º 35, 40, 45 e 50), sempre intercalando manualmente o de n.º 30 no CRT.
O preparo dos canais, nos dois grupos experimentais, foi feito por um único operador, e cada conjunto de instrumentos foi empregado para o preparo de cinco canais simulados.
Previamente e durante a execução dos preparos nos dois grupos experimentais, a cada troca de instrumento endodôntico os canais foram irrigados com água destilada (Iodontosul Industrial Odontológica do Sul Ltda., Porto Alegre, Brasil) para remover as raspas de resina e depois detergente aniônico Tergensol (Inodon, Porto Alegre, Brasil) para lubrificar. Acondicionaram-se os líquidos em seringa descartável de 10 mL (Plastipak Indústria Cirúrgica Ltda., Curitiba, Paraná, Brasil), na qual se acoplou uma agulha hipodérmica 25X04 (Becton-Dickinson Indústria Cirúrgica Ltda., Curitiba, Paraná, Brasil). A aspiração foi realizada com uma ponta aspiradora atrelada a uma cânula de calibre 40-20 (Ibrás CBO Indústria Cirúrgica e Óptica S.A., Campinas, São Paulo, Brasil) que, adaptada à mangueira de sucção do equipo odontológico (Gnatus Equipamentos Médico-Odontológicos Ltda., São Paulo, São Paulo, Brasil), foi posicionada na entrada da câmara pulpar durante a irrigação.
Para a análise do desvio, antes e após a realização dos preparos, os canais simulados foram posicionados sobre uma plataforma e fotografados por uma máquina fotográfica digital, obedecendo sempre à mesma posição e à mesma distância focal (figura 2). Para melhorar o contraste na visualização fotográfica, foi injetada tinta nanquim no interior dos canais simulados.
Concluída a etapa fotográfica, as imagens obtidas foram manipuladas no programa Adobe Photoshop® versão 6.0. Para transformar a imagem em milímetros usou-se uma regra de três, associando-se o tamanho original do canal simulado com o tamanho da imagem na tela do computador. Assim, não foram reduzidos os pixels da imagem, conservando a sua nitidez.
Utilizando o mesmo programa, as imagens foram submetidas ao ajuste de contraste. Cada imagem pós-operatória foi transformada em camada com 50% de transparência e sobreposta à imagem pré-operatória. Assim observou-se, por transparência, as duas imagens, uma sobre a outra. A seguir, empregou-se a ferramenta régua para determinar exatamente os locais da imagem em que seriam medidos os desvios; foi predeterminada a análise a 1 mm do CRT (figura 3) e junto a um ponto localizado no meio da área de curvatura (figura 4) que estava situado a 16,5 mm da embocadura do canal.
A medida do desvio foi feita com auxílio da ferramenta régua sobre os dois pontos a serem analisados. A distância verificada foi da parede lateral oposta à área de curvatura do canal antes do preparo em relação à mesma posição do canal após o preparo. Os dados obtidos foram submetidos à Análise de Variância (Anova) com nível de significância de 5%.
Resultados
Por meio da Anova, utilizando o delineamento em blocos casualizados, no nível de significância de 5%, verificou-se que não houve interação significativa entre o local de análise e o grupo experimental (tabela I).
Quanto aos efeitos principais, ambos foram significantes, ou seja, qualquer que fosse o local, no grupo B houve desvio médio expressivamente maior do que no grupo A; e independentemente do grupo experimental, no local analisado a 1 mm do CRT a média do desvio foi consideravelmente maior do que no ponto localizado no meio da área de curvatura (tabela II).
Discussão
Um dos principais requisitos do tratamento endodôntico é a manutenção do espaço anatômico do canal radicular após o preparo químico-mecânico [19]. No entanto é na fase da instrumentação do canal que se dá um dos acidentes mais frequentes da Endodontia: o desvio apical. Diversos estudos analisaram também a ocorrência desse tipo de acidente, tais como Limongi et al. (2004) [8], Santos et al. (2006) [18], Otoboni Filho et al. (2006) [14], Faria et al. (2006) [7], Pires et al. (2009) [15] e Cruz Filho et al. (2009) [6].
Diante disso, esta pesquisa propôs-se a analisar a influência do grau de curvatura na ocorrência de desvio perante o uso do sistema oscilatório. Buscando-se uma padronização com relação à curvatura, ao diâmetro dos canais e à dureza das paredes a serem desgastadas, optamos pela utilização de canais simulados, assim como nos estudos de Troian et al. (2006) [26], Faria et al. (2006) [7] e Otoboni Filho et al. (2006) [14].
Optou-se pelo uso de canais simulados com 20º e 40º de curvatura, de acordo com o método de Pruett et al. (1997) [17]. Tais curvaturas, de grau leve e moderado respectivamente, foram também empregadas nos estudos de Thompson e Dummer (1998) [24], Calberson et al. (2004) [4], Troian et al. (2006) [26] e Silva et al. (2009) [20].
Quanto à análise do desvio, aplicou-se um corante no interior dos canais a fim de visualizá-los, do mesmo modo que no trabalho de Otoboni Filho et al. (2006) [14]. Para a padronização das imagens fotográficas, empregou-se uma plataforma para não haver nenhuma distorção quando da sobreposição das imagens pré e pós-operatórias. Nos estudos de Limongi et al. (2004) [8], Faria et al. (2006) [7] e Silva et al. (2009) [20] também se recorreu a um dispositivo semelhante para esse tipo de análise.
A definição da região de análise no terço apical, a 1 mm do CRT, deve-se ao fato de ser o local em que normalmente ocorrem os desvios. Já no que se refere à região mediana na área de curvatura, deu-se por ser o ponto em que o instrumento sofre a maior carga de tração e compressão quando no interior de um canal radicular curvo [10].
No tocante aos resultados obtidos, nos quais se observou a presença de desvio nos dois grupos experimentais, estão de acordo com a afirmação de Nagy et al. (1997) [13] e Sydney (1997) [21]. Segundo os autores, quando o preparo de canais radiculares curvos é realizado apenas com o sistema oscilatório, há uma grande probabilidade de haver desvios. Já para Abou-Rass e Ellis (1996) [1] e Sydney et al. (2000) [22], a associação da instrumentação manual com o uso do sistema oscilatório tende a reduzir significativamente esse tipo de acidente. A presença de desvio em todos os grupos experimentais também foi observada na pesquisa de Pires et al. (2009) [15], na qual se utilizaram canais simulados de 20º e 40º de curvatura para comparar a existência desse tipo de acidente após o preparo manual e rotatório.
A ocorrência de um maior índice de desvio nos canais com 40º de curvatura em relação aos de 20º está de acordo com os achados de Lloyd et al. (1997) [9], Limongi et al. (2004) [8] e Faria et al. (2006) [7], que fizeram uso do sistema oscilatório, e de Santos et al. (2006) [18], que empregaram o sistema rotatório com instrumentos de NiTi. No trabalho de Thompson e Dummer (2000) [25], em que se comparou o preparo de canais simulados com curvaturas de 20º e 40º, pode-se observar maior desgaste nos canais de 40º e, consequentemente, maior número de desvios, assim como verificado por Calberson et al. (2002) [3] e Calberson et al. (2004) [4].
A influência do grau de curvatura pode ser também notada no trabalho de Zelada et al. (2002) [27], em que 12,5% de todos os instrumentos endodônticos utilizados fraturaram, e todas as fraturas aconteceram no grupo no qual havia canais com mais de 30º de curvatura radicular. Ou seja, os autores constataram que, quanto maior o grau de curvatura, maior é a incidência de acidentes durante a realização do preparo, consideração essa que vai ao encontro da investigação de Moreira et al. (2002) [12] e de Martín et al. (2003) [11].
Já a verificação de um maior índice de desvio a 1 mm do CRT em relação ao ponto analisado no meio da área de curvatura pode ser justificada pela composição da liga de aço inoxidável, a qual não apresenta uma boa capacidade de memória elástica, além da menor flexibilidade quando do preparo com instrumentos endodônticos de maior calibre, que tende a alterar a conformação anatômica de canais radiculares curvos [5].
Dessa forma, novos estudos são necessários a fim de encontrar condições e técnicas que favoreçam o preparo endodôntico com o uso de instrumentos de aço inoxidável acoplados a peças oscilatórias, evitando ou minimizando o risco de acidentes, tais como o desvio apical.
Conclusão
De acordo com os resultados encontrados, observa-se que:
o preparo com o sistema oscilatório em canais simulados com 40º de curvatura apresentou maior desvio do que nos canais com 20º;
no que se refere ao local de análise, a 1 mm do CRT houve maior desvio do que no ponto localizado no meio da área de curvatura, após o preparo com o sistema oscilatório.
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Endereço para correspondência:
Tiago André Fontoura de Melo
Rua Eça de Queiroz, n.º 466 ap. 701 Bairro Petrópolis
CEP 90670-020 Porto Alegre RS
E-mail: tiago-melo@click21.com.br
Recebido em 17/12/2009
Aceito em 23/2/2010
Received on December 17, 2009
Accepted on February 23, 2010