Services on Demand
Article
Related links
Share
RPG. Revista de Pós-Graduação
Print version ISSN 0104-5695
RPG, Rev. pós-grad. vol.18 n.2 São Paulo Apr./Jun. 2011
RELATO DE CASO
Atresia maxilar em adultos: simplificação da técnica cirúrgica
Maxillary atresia in adults: simplification of surgical technique
Leonardo Perez FaveraniI; Gabriel Ramalho FerreiraI; Éllen Cristina Gaetti JardimI; Lamis Meorin NogueiraI; Hélen Ramon EsperII; Alessandra Marcondes AranegaIII; Idelmo Rangel Garcia JúniorIII
IMestrandos em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do programa de Pós-graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) – Araçatuba/SP.
IIDoutoranda em Implantodontia do programa de Pós-graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) – Araçatuba/SP.
IIIProfessores Doutores da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial dos programas de Graduação e Pós-graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) – Araçatuba/SP.
RESUMO
A expansão rápida da maxila cirurgicamente assistida (ERMCA) é realizada por meio de osteotomias nos pilares da maxila e na sutura palatina mediana, promovendo a correção da deficiência transversa da maxila. Técnicas menos invasivas foram descritas, visando à realização desses procedimentos sob anestesia local, eliminando os custos de internação hospitalar e trazendo maior conforto aos pacientes. A proposta deste trabalho foi discutir os aspectos envolvidos na simplificação da técnica da ERMCA sob anestesia local por meio do relato de caso clínico-cirúrgico de paciente com 27 anos de idade. Conclui-se que o diagnóstico por meio da avaliação clínica e dos modelos de estudo é essencial para a indicação da ERMCA e esse procedimento proporciona boa previsibilidade na correção da deficiência transversal, com mínima morbidade. Além disso, a utilização de uma técnica minimamente invasiva é efetiva no tratamento de maxilas atrésicas, com índices de recidiva semelhantes aos das técnicas mais invasivas.
Descritores: Deficiência transversa da maxila. Técnica de expansão palatina. Expansão rápida da maxila cirurgicamente assistida.
ABSTRACT
The rapid expansion of surgically assisted maxillary (ERMCA) is accomplished through osteotomies of the pillars of the maxilla and palatal suture, promoting the correction of transverse maxillary deficiency. Less invasive techniques have been described, aiming at performing these procedures under local anesthesia, eliminating the costs of hospital and bringing comfort to patients. The purpose of this paper was to discuss the issues involved in facilitating ERMCA technique under local anesthesia through a case report of a 27 years old patient. It is concluded that the diagnosis by clinical evaluation and study models is essential for the indication of ERMCA and this procedure provides good predictability in the correction of transverse deficiency, with minimal morbidity. Furthermore, the use of a minimally invasive technique is effective in the treatment of maxillary atresia, with recurrence rates similar to those more invasive techniques.
Descriptors: Maxillary transverse deficiency. Palatal expansion technique. Surgically assisted rapid expansion.
INTRODUÇÃO
É cada vez mais frequente a presença de pacientes adultos nos consultórios de Ortodontia em busca de uma melhor estética dentária e facial. Nesse contexto, a atresia maxilar é um dos primeiros problemas tratados num planejamento ortodôntico. A adequação das bases ósseas é muito importante na medida em que o equilíbrio da relação interarcos é um fator decisivo na viabilidade da correção10. A correção desse tipo de deformidade torna-se, além de uma necessidade estética, um procedimento de ordem funcional, em que a atresia provoca consequências aos pacientes, como: discrepância maxilomandibular, prejuízo à estabilidade oclusal, constrição da cavidade nasal, alterações fonéticas e respiração bucal principalmente10.
Para o diagnóstico da deficiência transversal da maxila, a avaliação clínica da oclusão associada à dos modelos de gesso é primordial. Isso se dá porque é necessário determinar se o problema é dentário ou esquelético, e se a deficiência transversal é absoluta ou relativa.
A deficiência absoluta é caracterizada pela mordida cruzada uni ou bilateral após avaliação dos modelos de gesso em relação classe I, muitas vezes percebida na avaliação de pacientes com retrognatismo, que não apresentam mordida cruzada no exame físico. Na deficiência transversal relativa, quando os modelos de estudo são colocados em classe I, não é observada uma mordida cruzada posterior, comumente vista na avaliação de pacientes com deformidade dentofacial com maloclusão de classe III. Na primeira situação, é necessária uma intervenção ortocirúrgica para correção dessas deformidades, sendo que na segunda nenhum tratamento cirúrgico para correção da dimensão transversal da maxila é indicado5.
Para a correção das atresias da maxila, a expansão rápida é uma técnica eficaz no tratamento, todavia é limitada pelo estágio de desenvolvimento do indivíduo. O desenvolvimento dos ossos do crânio é um fator essencial no planejamento e na execução desse tratamento, uma vez que a maturidade esquelética condiciona o resultado final. Quando o surto puberal já foi ultrapassado, a expansão rápida da maxila (ERM) por meio do aparato ortodôntico-ortopédico terá maior dificuldade em obter um resultado expressivo na disjunção. Isso acontece, pois, nessa fase, todos os pilares de reforço da face (pilar canino, pilar zigomático e sutura pterigomaxilar), bem como a sutura palatina mediana, estão consolidados, dificultando o afastamento das estruturas maxilares pelo aumento da resistência à sua lateralização1,5,6.
Assim, a realização de um procedimento cirúrgico para diminuição da resistência das estruturas esqueléticas facilita a correção da discrepância transversal da maxila, sendo denominada de expansão rápida da maxila cirurgicamente assistida (ERMCA). A assistência cirúrgica para a obtenção de resultados satisfatórios tem sido um papel fundamental para o aumento dos resultados previsíveis nos tratamento em pacientes adultos. O desenvolvimento de novas técnicas, que permitem a realização dessas intervenções em ambiente ambulatorial, sob anestesia local, permite o tratamento de boa qualidade a um maior número de pacientes. Com isso, as osteotomias no septo nasal e na sutura pterigomaxilar foram eliminadas para oferecer maior conforto e segurança ao paciente3.4.
Portanto, o presente trabalho teve como objetivo discutir os aspectos envolvidos na simplificação da técnica da ERMCA sob anestesia local por meio do relato de caso clínico-cirúrgico.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, leucoderma, 27 anos de idade, procurou atendimento ambulatorial encaminhado pelo ortodontista para avaliação de má oclusão severa. Possuía bom estado geral, sem qualquer histórico de alteração sistêmica, alergias medicamentosas ou discrasias sanguíneas.No exame físico extrabucal, o paciente apresentou simetria facial, com aumento do terço inferior da face e pronunciamento do sulco nasogeniano (Figura 1).Já no exame intrabucal, notou-se discreta mordida cruzada posterior no lado esquerdo, mordida de topo no lado direito e anterior, além de desvio de linha média dentária inferior para o lado esquerdo do paciente (Figura 2). Na análise de modelos de estudo, observou-se a lingualização exagerada dos dentes inferiores, assim como a presença de palato ogival (Figura 3), o que confirmou a atresia maxilar.Foi proposta a ERMCA, sob anestesia local, em ambiente ambulatorial. Primeiramente, o ortodontista fez a instalação do aparelho dentossuportado (tipo Hyrax), com parafuso de 13 mm de comprimento (Figura 4).
A cirurgia iniciou-se com duas incisões e descolamento mucoperiosteal na região de sulco gengivolabial superior bilateralmente, na região de caninos e primeiros molares superiores, além de uma incisão vertical na região do freio labial superior (Figura 5). Em seguida, a osteotomia com broca cirúrgica nº 702 foi realizada no lado direito, enquanto no lado esquerdo foi realizada com motor piezosonic (VK Driller®; Jaguaré, São Paulo) com a microserra piezoelétrica, como parâmetro de comparação das osteotomias. Estas foram delineadas desde a abertura piriforme até a parede posterior da maxila bilateralmente, 5 mm acima do ápice dos dentes (Figuras 6 e 7).
Neste momento, o aparelho expansor foi ativado (oito vezes), o que corresponde a 2 mm de expansão, com o intento de manter uma tensão na rafe palatina. Em seguida, a osteotomia vertical entre os dois incisivos centrais foi aprofundada até o tecido do lado palatino, e foi posicionado um cinzel reto na sutura palatina mediana entre os incisivos centrais superiores, prosseguindo-se com golpescom o martelo. Clinicamente quando ocorreu a separação das maxilas, um diastema interincisivos foi notado, o qual foi acentuado pela ativação prévia do expansor (Figuras 8 e 9). Na ERMCA realizada sob anestesia local, o cirurgião deve ser bastante cauteloso no que diz respeito à disjunção da sutura palatina mediana, com menos golpes possíveis do cinzel, evitando o máximo de desconforto ao paciente.No segundo dia de pós-operatório, o paciente foi orientado às ativações diárias, sendo 0,5 mm de expansão ao dia, até que fosse alcançada a sobre-expansão. O parafuso foi travado com resina acrílica até um período de seis meses e continua em mecânica ortodôntica para alinhamento, nivelamento e compensação dentária, para posterior realização de cirurgia ortognática.
DISCUSSÃO
A busca pela estética facial, bem como pela estabilidade oclusal, é cada vez mais desejada pelos indivíduos portadores das discrepâncias maxilomandibulares. Dentro desse contexto, as atresias maxilares causam a procura do tratamento ortodôntico pelos pacientes.
Com o advento dos procedimentos ortopédico-cirúrgicos para a restauração transversal da maxila, em especial nos indivíduos que já atingiram a maturidade esquelética, sendo esta alcançada aos 14 anos no sexofeminino e aos 16 anos no sexo masculino9, a correção dessas deformidades tornaram-se mais previsíveis e estáveis nesta fase. Dessa forma, uma vez que neste relato o paciente tinha 27 anos de idade e a maturidade óssea já tinha sido alcançada, tornou-se mandatória a opção terapêutica de ERMCA para a diminuição da resistência dos pilares esqueléticos, separação das maxilas e facilitação da correção da atresia maxilar.
A principal controvérsia na literatura nas ERMCA relaciona-se à realização desses procedimentos sob anestesia geral ou local. Visando à realização em nível ambulatorial, foi descrita a ERMCA sem a osteotomia do septo nasal e da sutura pterigomaxilar, com o intuito de oferecer maior conforto e segurança ao paciente3. Nós somos congruentes com a indicação de técnicas mais conservadoras, sempre que possível, evitando submeter os pacientes a cirurgias sob anestesia geral, que é mais onerosa, uma vez que a cirurgia realizada em ambiente hospitalar apresenta o acréscimo dos custos de internação hospitalar do paciente e honorários do anestesista. Além disso, no paciente deste trabalho, a deficiência transversa da maxila era discreta no tocante à quantidade de expansão requerida, principalmente na região molar.
Freitas2, com o objetivo de realizar um estudo clínico prospectivo em pacientes com maxilas atrésicas, expandidas ortopedicamente após osteotomias mínimas dos pilares zigomáticos e osteotomia da sutura palatina mediana, promoveu a avaliação quantitativa da estabilidade da dimensão transversa dessas maxilas por meio de medidas clínicas das distâncias entre os caninos superiores e entre os primeiros molares superiores em seis momentos da pesquisa: pré-operatório e no pós-operatório de 7, 15, 90, 180 e 365 dias. A expansão máxima em todos os pacientes foi conseguida até os 15 dias de pós-operatório. No acompanhamento de 365 dias, as medidas clínicas mostraram recidiva de 23,40% na região de caninos superiores e de 18,36% na região de primeiros molares superiores.
A estabilidade pós-operatória evidenciada neste caso vem auxiliar o cirurgião na indicação precisa desse procedimento no consultório odontológico. Trata-se de uma técnica que evita o uso de cinzel e martelo, principalmente nas regiões do septo nasal e da sutura pterigomaxilar, leitos cirúrgicos com relatos de hemorragias transoperatórias nas ERMCA sob anestesia geral2,6.
Atualmente, outro aspecto muito discutido na ERMCA é o uso da piezocirurgia. Esta tem trazido bons resultados na diminuição do risco de injúria aos tecidos moles e a estruturas nobres durante as osteotomias. O sangramento trans e pós-cirúrgico é reduzido, uma vez que a microserra piezelétrica preserva as estruturas anatômicas, sem alteração de temperatura e mínima ocorrência de edema ou equimoses pós-operatórias. A facilidade de manuseio do instrumento, irrigação apropriada e sangramento reduzido possibilitam uma melhor visibilidade da área de corte, evitando a necessidade da utilização de serras e brocas7,8.
É evidente que a preocupação com o desenvolvimento de instrumentos para a obtenção de melhores resultados é imprescindível. Entretanto, no tocante à piezocirurgia, ainda não é uma realidade no consultório, tendo em vista o seu alto custo, em especial nacionalmente. Além disso, a meticulosidade cirúrgica, por meio da experiência e domínio da técnica pelo cirurgião, interfere significativamente na previsibilidade de sucesso.
Concluímos que a utilização de uma técnica minimamente invasiva é efetiva no tratamento de maxilas atrésicas, com índices de recidiva semelhantes aos das técnicas mais invasivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Albuquerque RR, Eto LF. Previsibilidade de sucesso na disjunção palatina avaliada pelo estágio de maturação esquelética. Estudo piloto. Rev Dent Press Ortod Ortoped Fac 2006;11(2):74-83. [ Links ]
2. Freitas RR. Expansão de maxilas atrésicas: avaliação da efetividade e da estabilidade após osteotomias mínimas nos pilares zigomáticos e osteotomia da sutura palatina mediana ;Dissertação de Doutorado;. São Paulo: Faculdade de Medicina da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; 2007. [ Links ]
3. Glassman AS, Nahigian SJ, Medway JM, Aronowitz HI. Conservative surgical orthodontic adult rapid palatal expansion: sixteen cases. Am J Orthod 1984;86:207-13. [ Links ]
4. Schimming R, Feller KU, Herzmann K, Eckelt U. Surgical and orthodontic rapid palatal expansion in adults using Glassman's technique: retrospective study. Br J Oral Maxillofac Surg 2000;38(1):66-9. [ Links ]
5. Pastori CM, Azenha MR, Marzola C, Pereira LC, Toledo Filho JL. Expansão rápida da maxila cirurgicamente assistida. Revista da Literatura, Técnica cirúrgica e Relato de caso. Rev Odontol 2007;42:914-24. [ Links ]
6. Ribeiro Jr PD, Gonçales ES, Souza PCU, Nary Filho H, Luz JGC. Avaliação clínica dos procedimentos de expansão cirurgicamente assistida da maxila (ECAM). Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial 2006;11(1):44-59. [ Links ]
7. Robiony M, Polini F, Costa F, Vercellotti T, Politi M. Piezoelectric bone cutting in multipiece maxillary osteotomies. J Oral Maxillofac Surg 2004;62(6):759-61. [ Links ]
8. Robiony M, Polini F, Costa F, Zerman N, Politi M. Ultrasonic bone cutting for surgically assisted rapid maxillary expansion (SARME) under local anaesthesia. Int J Oral Maxillofac Surg 2007;36(3):267-69. [ Links ]
9. Rocha NS et al. Discrepância transversal da maxila: tratamento ortodôntico-cirúrgico. Rev Cir Traumatol BMF 2005;5(2):55-60. [ Links ]
10. Silva Filho OG, Capelozza Filho L. Rapid maxillary expansion: General Considerations And Clinical Application. Part I. Rev Dent Press Ortod Ortoped Max 1997;2(3):88-102. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Leonardo Perez Faverani
Rua Afonso Pena, 2000, apto. 11, Edifício Aguilera, Bloco 4 – Novo Umuarama
CEP 16011-195 – Araçatuba/SP
Fone: (18) 8112-17501
e-mail: leobucomaxilo@gmail.com
Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Araçatuba/SP.
Received in: 24/2/11
Accepted in:12/5/11