SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.47 issue4 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Arquivos em Odontologia

Print version ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.47 n.4 Belo Horizonte Oct./Dec. 2011

 

 

Transtorno obsessivo compulsivo em crianças e adolescentes: revisão de literatura e abordagem odontológica

 

Obsessive compulsive disorder in children and adolescents: literature review and dental approach

 

 

Erika von Söhsten MarinhoI; Esio de Carvalho Coelho JuniorI; Klécio de Andrade AlvesI; Rosana Christine Cavalcanti XimenesI; Alice Kelly BarreiraI; Geraldo Bosco Lindoso CoutoI

I Departamento de Clínica e Odontologia Preventiva, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Pernambuco, Brasil

Contato: kitasohsten@hotmail.com, esiocoelho@hotmail.com, klecioalves@yahoo.com.br, rosanaximenes@gmail.com, alicekelly@yahoo.com, gbosco@ufpe.br

Autor correspondente

 

 


 

RESUMO

O transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é um transtorno psiquiátrico crônico que atinge de 1 a 2% da população de crianças e adolescentes, necessitando de uma abordagem adequada durante o atendimento odontológico devido ao aumento da ansiedade, às medicações utilizadas no tratamento do transtorno e, possivelmente, devido a comportamentos compulsivos. O objetivo deste trabalho foi fazer um levantamento bibliográfico a respeito das principais características do TOC na infância e adolescência e trazer informações importantes para o atendimento odontológico destes pacientes. Após a análise da literatura, ficou claro que o TOC é um transtorno de ansiedade, e, por esta razão, é natural que estes pacientes apresentem-se muito ansiosos durante uma consulta odontológica. Sendo assim, é de grande importância que o odontopediatra tenha conhecimento de técnicas de controle de comportamento e ansiedade adequadas a estes pacientes. Além disso, o profissional deve avaliar possíveis interações com antibióticos, anestésicos e vasoconstrictores, com o objetivo de minimizar os riscos para o paciente. O uso de antidepressivos frequentemente resulta em hipossalivação. O incentivo a uma boa higiene bucal (com vigilância do responsável à compulsão por limpeza) associado ao uso de cremes e géis fluoretados, colutórios antissépticos e visitas frequentes ao dentista podem reduzir a incidência de lesões de cárie rampantes, doença periodontal e outros distúrbios associados à deficiência na produção de saliva.

Descritores: Odontopediatria. Transtorno obsessivo-compulsivo. Terapêutica. Adolescente. Criança.


 

ABSTRACT

Obsessive-Compulsive Disorder (OCD) is a chronic psychiatric disorder which affects from 1 to 2% of the population of children and adolescents. Patients affected by this disorder need an adequate approach during dental attendance due to an increase in anxiety, medications used in the treatment of OCD and, possibly, due to compulsive behavior. This article aims to carry out a literature review concerning the main features of OCD in childhood and adolescence, as well as reveal important information regarding dental approaches for these patients. After reviewing the literature, it could be concluded that OCD is an anxiety disorder, and for this reason, it is common that these patients have a high possibility of becoming quite anxious during a dental visit. It is therefore very important that the dentist be aware of techniques for controlling behavior and anxiety that are appropriate for these patients. In addition, the dental care provider should evaluate possible interactions with antibiotics, anesthetics, and vasoconstrictors, in an attempt to minimize risks to the patient. The use of antidepressants often results in reduced salivation. Encouraging good oral hygiene (monitoring for compulsive cleaning behavior) associated with the use of fluoride gels and creams, antiseptic mouthwashes, and frequent visits to the dentist can reduce the incidence of rampant dental caries, periodontal disease, and other disorders associated with deficiencies in the production of saliva.

Uniterms: Pediatric dentistry. Obsessive-compulsive disorder. Therapeutics. Child. Adolescents.


 

 

INTRODUÇÃO

O transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é um transtorno crônico, que atinge cerca de 0,7% a 2,5% dos indivíduos da população geral, ao longo da vida1. É, também, relativamente comum entre crianças e adolescentes, apontando uma prevalência que varia de 1% a 2% na população abaixo de 18 anos de idade2.

Este transtorno é caracterizado pela presença de obsessões e/ou compulsões. As obsessões podem ser definidas como pensamentos, idéias, impulsos ou representações mentais recorrentes, como experiências intrusivas e sem significado particular para o indivíduo. Esses pensamentos são frequentemente acompanhados por sensações de incômodo, desconforto, ansiedade e sofrimento e geralmente levam a pessoa a tentar ignorá-las ou suprimi-las por meio de outro pensamento ou ação. As obsessões podem ser criadas a partir de palavras, pensamentos, medos, preocupações, memórias, imagens, músicas ou cenas3.

Já as compulsões, são comportamentos repetitivos e intencionais, realizados mentalmente ou por meio de ações motoras. São geralmente realizadas com o objetivo de reduzir ou prevenir a ansiedade ou sofrimento, ao invés de oferecer prazer ou gratificação4. Sintomas acessórios também podem estar presentes, tais como a ansiedade e sintomas depressivos. Em crianças e adolescentes, este transtorno geralmente resulta em dificuldades de aprendizagem na escola, problemas sociais e perturbações no ambiente familiar3.

Dentre as obsessões mais frequentes, especialmente nesta faixa etária, tem-se o medo de contaminação, de agressão, de conteúdo sexual ou religioso, a preocupação com simetria ou o medo de se perder as coisas. Algumas das compulsões mais comuns envolvem rituais de limpeza ou lavagem, verificação, ordenação ou arranjo, colecionismo ou compulsões "tic-like", ou seja, comportamentos semelhantes a tiques, porém precedidos de obsessões5. A sintomatologia característica do TOC também se faz presente em outras situações, em especial, aos transtornos do espectro obsessivo-compulsivo, como a Síndrome de Tourette (ST)5.

Pouco se sabe a respeito da etiologia do Transtorno Obsessivo Compulsivo. Atualmente, acredita-se em uma herança genética associada à resposta do individuo a estressores ambientais. Entretanto, ainda não foi identificada a carga genética especifica para pacientes suscetíveis ao TOC e aos demais transtornos associados6.

O tratamento de escolha para crianças e adolescentes diagnosticados com TOC inclui a farmacoterapia, representada principalmente pelos Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), assim como a terapia cognitivocomportamental. A frequência de resposta positiva nestes tratamentos varia de 50% a 75% na farmacoterapia e cerca de 67% na terapia cognitivocomportamental7.

Apesar do transtorno obsessivo compulsivo na criança e adolescência já estar bem descrito na literatura, pouco há relatado a respeito da abordagem odontológica voltada para estes pacientes. O objetivo deste trabalho é fazer um levantamento bibliográfico através de livros de referência em TOC, bases de dados na internet (MEDLINE, LILACS, PUBMED, SCIELO, BBO e Biblioteca Cochrane) e o banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a respeito do TOC na infância e adolescência e do atendimento odontológico desses pacientes.

 

REVISÃO DA LITERATURA

O TOC se manifesta independentemente de raça, sexo, inteligência, estado civil, nível socioeconômico, religião e nacionalidade. Estimase atualmente que o TOC seja o quarto transtorno psiquiátrico mais frequente, superado apenas pelas fobias, depressão e dependências químicas3,8.

Achados sugerem que o TOC pode iniciar-se em qualquer época da vida, contudo, na maioria dos casos, o início ocorre na infância ou na adolescência9.

O TOC em crianças e adolescentes é bastante similar em prevalência e sintomatologia quando comparado a adultos10. Entre 50 e 75% dos adultos com TOC, o aparecimento dos sintomas é identificado antes dos 18 anos de idade11. Um estudo realizado pela Epidemiologic Catchment Area Study (ECA) entrevistou uma amostra populacional de 20.862 indivíduos e constatou que 64% dos portadores de TOC apresentaram início dos sintomas antes dos 25 anos de idade, e 74%, antes dos 30 anos12.

Estudos em crianças com TOC demonstraram que mais de 70% da amostra era composta por meninos13. Durante a adolescência, há um aumento na incidência em meninas, chegando a uma proporção de 1:1 na idade adulta14. Estudos epidemiológicos revelaram uma curva bimodal para a idade de início dos sintomas: os homens os apresentam em uma idade mais precoce (na infância ou adolescência), enquanto as mulheres, mais na idade adulta. Os casos de TOC com início precoce apresentam maior comorbidade com tiques, mais fenômenos sensoriais15, maior gravidade dos sintomas obsessivos e uma pior evolução16.

Um dado de grande importância foi revelado no estudo de Del-Porto8, quando concluiu que aproximadamente 2% dos suicídios entre adolescentes nos Estados Unidos (em um total de 31.000, em 1990) foram atribuídos ao TOC, com ou sem condições co-mórbidas.

Quanto à etiologia, acredita-se que os genes responsáveis pelo TOC sofrem influências mútuas e têm sua expressividade modificada por fatores ambientais. Isto torna a herança genética nãomendeliana ou complexa17. O TOC seria, portanto, um transtorno "complexo" do ponto de vista genético3, com ou sem história familiar. Vários estudos de famílias têm fornecido evidências irrefutáveis de que o TOC é familiar18.

Eventos estressantes são frequentemente observados antecedendo a instalação do TOC, sendo identificados em até 70% dos casos entre crianças e adolescentes. Fatores desencadeantes relacionamse geralmente a períodos de maior exigência: rompimentos afetivos, morte de pessoas próximas, situações de maior solicitação nos estudos, mudança de domicílio, etc9.

Na maioria dos casos, o curso do TOC é crônico e flutuante e o início do quadro pode ser abrupto ou insidioso. Os sintomas obsessivocompulsivos tendem a variar bastante, tanto entre pacientes diferentes quanto em momentos distintos da evolução do quadro de um mesmo paciente. As crianças e os adolescentes são geralmente ainda mais sigilosos em relação aos sintomas do que os adultos3.

O TOC é caracterizado por pensamentos ou imagens (obsessões) recorrentes, intrusivos e angustiantes, que vão de encontro aos valores do indivíduo. Os pensamentos obsessivos são usualmente confinados ao medo de contaminação, medo de ferir os outros e a si mesmo, temas sexuais, pensamentos agressivos, religiosidade, questões de escrúpulo e busca incessante por simetria e exatidão. As compulsões são feitas numa tentativa de aliviar a desordem gerada pelos pensamentos obsessivos. Os mais comuns são lavagens e verificações. Mas também podem estar presentes as repetições, contagens e ordenações10.

Outro sintoma que é de difícil investigação é a evitação. Na tentativa de evitar a ansiedade ou desconforto gerado em alguma situação, o paciente procura evitar que esta situação aconteça. Por exemplo, para evitar o desconforto causado pelo medo da contaminação, o paciente pode evitar tocar em pessoas, maçanetas, ou até mesmo pode querer usar luvas3.

O excesso de responsabilidade, supervalorização do pensamento, preocupação excessiva sobre a importância de controlar o pensamento alheio, supervalorização do perigo, intolerância e incerteza, e o perfeccionismo são avaliações cognitivas críticas no TOC19. Libby et al.10 mostraram que jovens com TOC apresentaram maiores níveis de responsabilidade excessiva que jovens com outros tipos de desordens de ansiedade em um grupo controle.

O diagnóstico é firmado de acordo com as características clínicas dos pacientes. Na fase inicial da instalação do TOC, nem sempre os sintomas têm caráter claramente obsessivo. Sintomas de ansiedade, sobretudo fóbicos, ou distúrbios do humor, com manifestações depressivas ou certa disforia acompanhada de tensão e irritabilidade, podem ser observados9. Ainda não existe nenhum exame laboratorial ou radiológico que seja patognomônico da doença3.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais20, em sua 4a edição (DSM-IV-TR), da Associação Americana de Psiquiatria (APA), para o diagnóstico de TOC é necessária a presença de obsessões e/ou compulsões, que causem acentuado sofrimento, consumam tempo (ao menos uma hora por dia) ou interfiram significativamente na rotina, funcionamento ocupacional (ou escolar) e atividades ou relacionamentos sociais habituais do indivíduo.

Crianças e adolescentes que, além do TOC, manifestam tiques crônicos ou a síndrome de Tourette (ST) parecem constituir um grupo separado com características especificas de resposta ao tratamento, tanto clínicas quanto fenomenológicas. Este grupo caracteriza-se por uma idade mais precoce de aparecimento dos sintomas, com predominância do sexo masculino e um padrão distinto de resposta ao tratamento. Os pacientes apresentam maior frequência de transtornos de humor e de ansiedade do que pacientes com TOC ou ST isoladamente, indicando, portanto, maior gravidade21. De acordo com Coffey et al.22, pacientes com TOC e ST apresentaram taxas mais altas de comorbidade com transtornos de déficit de atenção com hiperatividade, fobia social, tricotilomania e transtorno dismórfico corporal, que as observadas nos pacientes com TOC, mas sem ST.

Uma das mais recentes teorias envolvendo fatores de risco associados ao TOC correlaciona a ocorrência da infecção estreptocócica precedendo quadro, por vezes transitório, de TOC e transtornos de tique (como ST) em crianças5. Foi proposto um subgrupo de TOC em crianças denominado PANDAS (Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococal Infections), cuja prevalência ainda é desconhecida. Autores propõem a existência de PANDAS também em adultos23.

Muitas famílias sofrem por conta dos sintomas de crianças e adolescentes com TOC. Frequentemente, pais e familiares se tornam envolvidos nos comportamentos de neutralização e compulsões numa tentativa de aliviar o medo e a ansiedade que o paciente está sentindo24. Quando o familiar participa diretamente do sintoma, dando condições para que o paciente realize a compulsão, ele está, sem perceber, reforçando este sintoma4.

Existe uma grande latência entre o início dos sintomas obsessivo-compulsivos e a busca por tratamento, em média, são sete anos. Esta demora poderia ser parcialmente explicada pelo caráter secreto e reservado dos sintomas, que faz com que os pacientes busquem ajuda apenas quando a intensidade do quadro tenha se acentuado a tal ponto que os familiares têm de intervir e acompanhá-los a um atendimento médico9.

Tanto os Inibidores da Recaptação da Serotonina (IRS) quanto as psicoterapias de base cognitiva e/ou comportamental têm tido resultados positivos no tratamento de crianças e adolescentes com TOC4. No entanto, o tratamento do TOC é difícil, apresentando baixos índices de remissão completa dos sintomas9.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é atualmente a principal abordagem terapêutica para pacientes mais jovens com TOC, uma vez que melhora os sintomas obsessivo-compulsivos e diminui o risco de recaída após a retirada da medicação, devendo, portanto, ser considerada como tratamento de escolha na infância. O TOC é uma das desordens de ansiedade mais difíceis de tratar, com aproximadamente 50% dos jovens apresentando dificuldades persistentes, mesmo com a terapêutica10.

Abordagem odontológica

Alguns aspectos do transtorno em crianças e adolescentes devem ser levados em consideração pelos profissionais da odontologia. A observação de alterações comportamentais durante o atendimento odontológico, associado ou não à presença de sinais clínicos contribui favoravelmente para a detecção do transtorno. Dessa maneira, o paciente pode ser encaminhado ao psicólogo e/ou psiquiatra e ser atendido de forma integral em uma fase mais precoce.

O primeiro aspecto a ser observado referese ao estado de ansiedade acentuada apresentado por este grupo de pacientes13. Essa ansiedade excessiva pode ocorrer até mesmo num simples exame clínico rotineiro, sem que ainda haja qualquer intervenção invasiva.

A American Academy of Pediatric Dentistry20 delineou dez métodos de controle de ansiedade para uso em crianças, que podem também ser usados no atendimento odontológico daquelas que apresentam sintomas ou diagnóstico de TOC. São eles: controle verbal, dizer-mostrar-fazer, motivação positiva, distração, comunicação não-verbal, técnica da mão sobre a boca, contenção física, sedação consciente, óxido nitroso e anestesia geral. No caso do adolescente, a técnica do diálogo é considerada como a mais adequada.

O uso de imagens positivas com temática odontológica para crianças, momentos antes da consulta parece reduzir o seu nível de ansiedade em relação ao atendimento25.

Quando se reduz a ansiedade, obtêm-se uma melhor cooperação no tratamento, contribuindo para a melhor qualidade do mesmo. Para tanto, a escolha da técnica, por parte do profissional, vai depender da idade e do comportamento da criança e do adolescente apresentados durante o atendimento. Algumas sessões de condicionamento, principalmente se forem associadas à terapia cognitivo-comportamental são bastante eficientes para se obter a cooperação do paciente. É importante também se manter o contato com o terapeuta, caso o paciente já esteja em tratamento, para observar a sua evolução e contribuir para a melhora dos sintomas, utilizando técnicas de atendimento adequadas ao quadro.

Deve-se dar uma atenção especial ao cuidado com a higienização bucal, pois, dentre os comportamentos apresentados, os rituais de limpeza fazem parte de um dos sintomas mais comuns, como os rituais na escovação dos dentes, onde o paciente pode passar horas para concluir a limpeza20. No entanto, nem sempre esse cuidado acentuado com a limpeza implica numa boa condição de saúde bucal. Autores como Newman et al.26 afirmaram que alguns pacientes podem exercer uma força de escovação excessiva, capaz de gerar recessão gengival devido à abrasão dos tecidos gengivais. Além disso, as escovações falhas e traumáticas podem estar associadas a abrasões dentárias.

Essas lesões de abrasão apresentam um importante significado clínico odontológico pelo fato de serem irreversíveis, causarem sensibilidade e destruição permanente da estrutura dental, podendo até ocasionar fraturas dos elementos dentais. O cirurgião-dentista deve atentar para este sinal e suspeitar do transtorno precocemente, antes mesmo da instalação completa dos sintomas que caracterizariam um possível diagnóstico do transtorno.

Quando se existe a indicação do tratamento farmacológico em crianças e adolescentes com TOC, as drogas mais utilizadas são os antidepressivos que inibem a recaptura de serotonina. Dentre eles, os ISRS (Inibidores seletivos da recaptação de serotonina), principalmente a fluvoxamina, a fluoxetina, a sertralina, a paroxetina e o citalopram e os antidepressivos tricíclicos, tais como a clomipramina4.

A xerostomia, causada pelo uso de antidepressivos nestes pacientes, varia de acordo com a classe de cada medicamento. Usuários de Imipramina (antidepressivo tricíclico) se queixam mais frequentemente de xerostomia do que pacientes em uso de ISRS. Acredita-se que os antidepressivos tricíclicos diminuam o fluxo salivar, enquanto que os ISRS agem como agente secundário nesta diminuição27.

O fluxo salivar normal em todos os pacientes é responsável pelas condições de saúde bucal com relação à cárie, doença periodontal e halitose. No entanto, crianças e adolescentes que apresentam quadro de hipossalivação frequentemente se queixam de secura da boca e língua, acompanhada ou não por ardência e perda do paladar. Em alguns casos, pode-se observar queilite angular, dificuldades ao falar, mastigar ou deglutir, além de um aumento da incidência de lesões de cárie e doença periodontal. Esta alta susceptibilidade às infecções, lesões cariosas rampantes e doença periodontal se deve à modificação da microbiota bucal como resultado da redução do fluxo salivar28.

Para o controle de algumas alterações, como o aparecimento de lesões cariosas e gengivites, os cremes e géis fluoretados, assim como agentes colutórios anti-sépticos devem ser prescritos. No caso dos pacientes acometidos por xerostomia, a avaliação deve ser feita em intervalos de tempo menores, antes que aconteça a instalação de qualquer quadro clínico relacionado à redução do fluxo salivar. Neste pacientes, deve-se haver um controle rigoroso da higiene bucal. As orientações devem vir desde a escolha de escovas macias, uso de cremes dentais fluoretados e fio dental, até a correta técnica de escovação, adequada a cada faixa etária18.

Como de costume, antes da prescrição de qualquer medicamento, o profissional deve observar possíveis interações medicamentosas com as drogas que estes pacientes estejam utilizando para o tratamento do transtorno. Sabe-se que a clomipramina apresenta interações medicamentosas com antibióticos27. Tortamano, Armonia29 citaram que alguns cuidados devem tomados em pacientes sob a vigência de antidepressivos quando da escolha da base anestésica e do vasoconstrictor. Pode-se haver uma potencialização do efeito vasoconstrictor e o desencadeamento de uma crise hipertensiva. O ideal seria utilizar anestésicos sem vasoconstrictores nos pacientes que fazem uso dessas medicações durante o atendimento odontológico. Uma autorização médica por escrito para a realização de procedimentos odontológicos e utilização de medicamentos seria essencial nestes casos.

Constipação, xerostomia, insônia, nervosismo, e tremor foram relatados como reações adversas do uso de clomipramina. No entanto, esses efeitos podem ser sintomas próprios da ansiedade e depressão que ocorrem no TOC30, o que poderia confundir o profissional.

Texeira & Silva31 preconizaram para o transtorno obsessivo-compulsivo em crianças e adolescentes, associado à psicoterapia cognitiva comportamental, a utilização do antidepressivo inibidor seletivo da recaptação de serotonina, cloridrato de sertralina, que apresentou eficiência em estudos clínicos controlados com pacientes pediátricos, além de maior tolerabilidade, pelo perfil de poucos efeitos colaterais e segurança nesse grupo de pacientes. De acordo com Argimon et al.32, para o tratamento de crianças e adolescentes com TOC, este tratamento combinado seria o mais indicado.

Segundo um estudo realizado pela Pediatric Obsessive-Compulsive Disorder Treatment Study Team33, a primeira escolha é a Terapia Cognitivo- Comportamental associada a um inibidor seletivo de recaptação da serotonina. A segunda opção de tratamento é apenas a Terapia Cognitivo- Comportamental. Sendo constatada a necessidade de terapêutica medicamentosa, o inibidor de recaptação da serotonina utilizado seria a fluoxetina. A frequência na escolha desse medicamento se deve aos resultados satisfatórios no tratamento de crianças e adolescentes com TOC e ao fato de seu custo ser acessível à população. A indicação da dose diária é de 20 a 60mg.

Na maior parte dos casos, especialmente na infância e adolescência, quando detectados precocemente, apenas a terapia cognitivocomportamental é necessária, podendo dispensar o uso de drogas e prevenir, assim, possíveis interações medicamentosas32.

O trabalho educativo também é fundamental. Por isso, orientações aos familiares e aos pacientes, com o objetivo de esclarecer questões sobre o TOC, além de explicar atitudes da família que auxiliariam no tratamento, são essenciais para a melhora dos pacientes4,33.

Para Guedes34, a ausência de suporte profissional específico para a família conduz à suposição de que ela age de maneira que não é planejada, sistemática e avaliada. Ao contrário, a ação da família é natural, intuitiva, inconsciente e emocional. Dessa forma, há a necessidade de se considerar, de maneira exaustiva, as relações entre a família e o paciente para que se possa planejar e executar intervenções com alguma chance de sucesso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tratamento odontológico, muitas vezes, está associado a algum grau de ansiedade e medo por parte de crianças e adolescentes. Sabendo-se que o TOC é um transtorno de ansiedade, é natural que estes pacientes apresentem-se muito ansiosos durante uma consulta odontológica. Sendo assim, é de grande importância que o odontopediatra tenha conhecimento de técnicas de controle de comportamento e ansiedade. Além disso, o profissional deve avaliar possíveis interações com antibióticos, anestésicos e vasoconstrictores, com o objetivo de minimizar os riscos para o paciente. O uso de antidepressivos frequentemente resulta em hipossalivação. O incentivo a uma boa higiene bucal (com vigilância do responsável à compulsão por limpeza) associado ao uso de cremes e géis fluoretados, colutórios anti-sépticos e visitas frequentes ao dentista podem reduzir a incidência de lesões de cárie rampantes, doença periodontal e outros distúrbios associados à deficiência na produção de saliva.

Após a primeira suspeita, por parte do odontopediatra, de sintomas de TOC nos pacientes, deve ser feito o encaminhamento ao psicólogo ou psiquiatra para o correto diagnóstico e tratamento do transtorno, contribuindo, assim, para que o atendimento do paciente seja integral e multidisciplinar.

 

REFERÊNCIAS

1. Weissman MM, Bland RC, Canino GJ, Greenwald S, Hwu HG, Lee CK, et al. The cross national epidemiology of obsessive compulsive disorder. The Cross National Collaborative Group. J Clin Psychiatry. 1994; 55 Suppl:5-10.         [ Links ]

2. Perlmutter SJ, Leitman SF, Garvey MA, Hamburger S, Feldman E, Leonard HL, et al. Therapeutic plasma exchange and intravenous immunoglobulin for obsessive-compulsive disorder and tic disorders in childhood. Lancet. 1999; 354:1153-8.

3. Campos MCR. Estudo genético familiar de crianças e adolescentes com transtorno obsessivocompulsivo (TOC) [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; 2004.

4. Ferrão YA. Características clínicas do transtorno obsessivo-compulsivo refratário aos tratamentos convencionais [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; 2004.

5. Ronchetti R, Böhme ES, Ferrão YA. A hipótese imunológica no Transtorno Obsessivo- Compulsivo: revisão de um subtipo (PANDAS) com manifestação na infância. Rev Psiquiatr. 2004; 26:62-9.

6. Pauls DL, Alsobrook JP II. The inheritance of obsessive-compulsive disorder. Child Adolesc Psychiatr Clin N Am.1999; 8:481-96.

7. Arnold PD, Richter MA. Is obsessive compulsive disorder an auto-immune disease? CMAJ. 2001; 165:1353-8.

8. Del-Porto JA. Epidemiologia e aspectos transculturais do transtorno obsessivocompulsivo. Rev Bras Psiquiatr. 2001; 23(Supl 2):3-5.

9. Miranda MA, Bordin IA. Curso clínico e prognóstico do transtorno obsessivo-compulsivo. Rev Bras Psiquiatr. 2001; 23(Supl 2):10-2.

10. Libby S, Reynolds S, Derisley J, Clark S. Cognitive appraisals in young people with obsessive-compulsive disorder. J Child Psychol Psychiatry. 2004; 45:1076–84.

11. Pauls DL, Alsobrook JP, Goodman W, Rasmussen S, Leckman J. A family study of obsessivecompulsive disorder. Am J Psychiatry. 1995; 152:76–84.

12. Karno M, Golding JM. Obsessive compulsive disorder. In: Robins LN, Regier DA, editors. Psychiatric disorders in America: the epidemiologic catchment area study. New York: Free Press; 1991. p.204-19.

13. Swedo SE, Rapoport JL. Phenomenology and differential diagnosis of obsessive-compulsive disorder in children and adolescents. In: Rapoport JL, editor. Obsessive-compulsive disorder in children and adolescents. Arlington: Am Psychiatric Press; 1989. p.13-32.

14. Zohar AH. The epidemiology of obsessivecompulsive disorder in children and adolescents. Child Adolesc Psychiatr Clin N Am. 1999; 8:445- 60.

15. Hounie AG, Brotto SA, Diniz J, Chacon PJ, Miguel EC. Transtorno obsessivo-compulsivo: possíveis subtipos. Rev Bras Psiquiatr. 2001; 23(Supl 2):13-6.

16. Campos MCR. Transtorno obsessivo-compulsivo de início precoce e de início tardio: características clínicas, psicopatológicas e de comorbidade [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1998.

17. Hounie A. Transtornos do espectro obsessivocompulsivo e febre reumática: um estudo de transmissão familiar [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; 2003.

18. Gonzalez CH. Estudo de famílias no transtorno obsessivo-compulsivo [tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina da UNIFESP; 2003.

19. Obsessive Compulsive Cognitions Working Group. Cognitive assessment of obsessivecompulsive disorder. Behav Res Ther. 1997; 35:667–81.

20. Americam Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder, DSMIV- TR. 4th ed. (Text revision). Washington DC: American Psychiatric Press, 2000.

21. Holzer JC, Goodman WK, McDougle CJ, Baer L, Boyarsky BK, Leckman JF et al. Obsessivecompulsive disorder with and without a chronic tic disorder: A comparison of symptoms in 70 patients. Br J Psychiatry. 1994; 464:469-73.

22. Coffey BJ, Miguel EC, Biederman J, Baer L, Rauch SL, O'Sullivan RL, et al. Tourette's disorder with and without obsessive-compulsive disorder in adults: are they different? J Nerv Ment Dis. 1998; 186:201-6.

23. Bodner SM, Morshed SA, Peterson BS. The question of PANDAS in adults. Biol Psychiatry. 2001; 49:807-10.

24. Alonso P, Menchón JM, Mataix-Cols D, Pifarré J, Urretavizcaya M, Crespo JM, et al. Perceived parental rearing style in obsessive–compulsive disorder: relation to symptom dimensions. Psychiatry Res. 2004; 127:267–78.

25. Fox C, Newton JT. A controlled trial of the impact of exposure to positive images of dentistry on anticipatory dental fear in children. Community Dent Oral Epidemiol. 2006; 34:455–9.

26. Newman MG, Takei HH, Carranza FA. Periodontia clínica. 9a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.

27. Kopittke L, Gómez R, Barros HMT. Opposite effects of antidepressants on unstimulated and stimulated salivary flow. Arch Oral Biol. 2005; 50:17-21.

28. Grados M, Scahill L, Riddle MA. Pharmacotherapy in children and adolescents with obsessivecompulsive disorder. Child Adolesc Psychiatr Clin N Am. 1999; 8:617-34.

29. Tortamano N, Armonia PL. Guia terapêutico odontológico. 14a ed. São Paulo: Santos; 2001.

30. Graeff FG. Aspectos neuroquímicos: o papel da serotonina no TOC. Rev Bras Psiquiatr. 2001; 23(Supl 2):35-7.

31. Teixeira GH, Silva FMBN. Síndrome de Asperger e transtorno obsessivo-compulsivo em criança de 12 anos de idade. Arq Bras Psiquiatr Neurol Med Leg. 2006; 100:51-3.

32. Argimon IIL, Bicca MG, Rinaldi J. Transtorno obsessivo-compulsivo na adolescência. Rev Bras Ter Cog. 2007; 3:15-9.

33. Pedriatric Obsessive-Compulsive Disorder Treatment Study Team (POTS). Cognitivebehavioral therapy, sertraline, and their combination for children and adolescents with obsessive-compulsive disorder: the pediatric obsessive-compulsive disorder treatment study randomized controlled trial. J Am Med Assoc. 2004; 292: 1969-76.

34. Guedes ML. Relação família-paciente no transtorno obsessivo-compulsivo. Rev Bras Psiquiatr. 2001; 23(Supl 2):65-7.

 

 

Autor correspondente:
Klécio de Andrade Alves
Rua Quipapá, 352,201 – Iputinga
CEP: 50800-080 - Recife - PE - Brasil

E-mail: klecioalves@yahoo.com.br

Recebido em 22/05/2010 – Aceito em 17/09/2010