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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
On-line version ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 n.1 Camaragibe Jan./Mar. 2010
ARTIGO DE CASO CLÍNICO
Lesão de células granulares congênita: relato de caso
Congenital granular cell lesion: a case report
Marcelo Rodrigues dos SantosI; Karina Magalhães LopesII; Gabriel Haddad FranchimIII; Basílio de Almeida MilaniIII; Fernando Simões MorandoIII; Waldyr Antônio JorgeIV
IResidente do Serviço de CTBMF do Hospital Municipal do Campo Limpo-SP
IIEspecialista em CTBMF (Fundecto-USP) e Residente do serviço de CTBMF do Hospital Municipal do Campo Limpo-SP
IIIEspecialista em CTBMF, ex-residente do HU-USP, diarista do serviço de CTBMF do Hospital Municipal do Campo Limpo-SP
IVEspecialista em CTBMF, ex-residente do HU-USP, chefe do Serviço de CTBMF do Hospital Municipal do Campo Limpo-SP
VEspecialista em CTBMF, ex-residente do Hospital Municipal do Tatuapé, plantonista do serviço de CTBMF do Hospital Municipal do Campo Limpo-SP
VIProfessor Doutor em CTBMF, coordenador da residência de CTBMF do Hospital Municipal do Campo Limpo-SP
RESUMO
A lesão de células granulares congênitas ou epúlide congênita é uma lesão rara, que acomete recém-nascidos (RN) e ocorre predominantemente no rebordo alveolar superior. Essa lesão apresenta comportamento benigno, e não há relatos na literatura de recidiva. Nós descrevemos o caso de uma RN de cinco dias de vida, apresentando lesão na mucosa gengival mandibular com dificuldades para alimentação. O tratamento realizado constou de uma excisão cirúrgica sob anestesia geral, e o exame histológico mostrou presença de células granulares.
Descritores: Lesão Periférica Congênita. Cirurgia Bucal. Mucosa Bucal/lesões.
ABSTRACT
Congenital granular cell lesion, or congenital epulis, is a rare lesion occurring in the newborn and arising predominantly from the maxillary alveolar ridge. It presents a benign behavior and no cases of recurrence have been reported. We report the case of a girl aged five days, who presented with a large mass arising in the gingival mucosa of the mandible, causing difficulty in feeding. The treatment was a surgical excision under general anesthesia and the histological examination revealed large granular cells.
Keywords: Gingival Neoplasms. Surgery, Oral. Mouth Mucosa/injuries.
INTRODUÇÃO
A lesão de células granulares congênita foi descrita por Neumann em 1871, que a denominou de epúlide congênita2, 3, 5,7. Apesar de rara, a lesão é de fácil diagnóstico devido à manifestação típica no rebordo alveolar de recém-nascidos2, 3, 5, 6,8. Apresenta-se como uma massa submucosa, de tamanho variado, geralmente único, com predominância em mulheres3,4,6,7. Sua ocorrência é esporádica e sem tendências familiares,3. Além disso, apresenta comportamento benigno, e não há relatos na literatura de recidiva1,4-6. O tratamento preconizado é a excisão cirúrgica, principalmente quando há comprometimento das funções de amamentação, deglutição e respiração1,4,6,7 .
Este artigo descreve um recém-nascido com epúlide congênita, tratado com terapia cirúrgica.
RELATO DE CASO
Paciente RN com 5 dias de vida, gênero feminino, segundo a mãe e a equipe de Neonatologia do Hospital Municipal do Campo Limpo, apresenta dificuldades de sucção e deglutição, causando restrição no ganho de peso corporal.
Realizada interconsulta pela equipe de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial que ao exame físico loco regional, observou lesão intraoral exteriorizada entre os lábios superior e inferior (Figura 1). À oroscopia, notou-se nódulo em rebordo alveolar inferior anterior, com 2 cm de diâmetro, pediculado, com coloração semelhante à mucosa oral, superfície lisa e íntegra e de consistência endurecida (Figura 2).
As hipóteses diagnósticas foram: fibroma, granuloma e epúlide congênita.
O planejamento cirúrgico consistiu em biópsia excisional sob anestesia geral. No intraoperatório, realizou-se incisão supraperiosteal, remoção total da lesão (fig 3) e sutura simples com fio 5.0 biodegradável.
Observamos o reestabelecimento das funções de sucção e deglutição da RN no pós-operatório imediato. No sétimo dia de pós-operatório, observou-se cicatrização completa da mucosa oral e optou-se pela remoção do fio de sutura que permanecia na região do rebordo alveolar inferior. No sexto mês de pós-operatório, a paciente não apresentava recidiva, comprovando a efetividade do tratamento cirúrgico realizado.
Os cortes histológicos revelaram proliferação de grandes células redondas, com citoplasma abundante, granular e eosinofílico (Figura 4). No estroma de tecido conjuntivo denso moderadamente celularizado, perceberam-se inúmeros espaços vasculares ectásicos ou hiperemiados de formas e tamanhos variados (Figura 5). O epitélio pavimentoso estratificado paraqueratinizado, de recobrimento, apresentava-se íntegro, discretamente atrófico e com retificação papilar, organizando a lesão em agregados lobulares (Figura 6). Tal descrição é compatível com diagnóstico de Lesão de Células Granulares Congênita.
DISCUSSÃO
Neumann em 1871 foi o primeiro a descrever a lesão que denominou de epúlide congênita ou tumor de Neumann 2,3,5,7. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde a nomeia como epúlide de células granulares congênita 9,no entanto, segundo Loyola et al 5. o nome lesão de células granulares congênita (LCGC) parece ser o termo adequado devido à lesão não ser restrita ao rebordo alveolar, e o termo epúlis significar aumento de volume gengival 3.
A LCGC acomete recém-nascidos na proporção de oito mulheres para cada homem3,4,6,7; é uma lesão de tecido mole 7,8, restrita à cavidade oral, sendo o rebordo alveolar anterior a região mais afetada2,3,5,6,8 e três vezes mais comum na maxila do que na mandíbula1,4-7.Clinicamente, a lesão pode ser séssil6 ou pediculada 1,4,6-8, de consistência firme 4, de tamanho variado4,6-8 e predominantemente única.1,3,5 Apenas 10% das lesões são múltiplas, afetando um ou ambos os rebordos. São raros os casos de lesões simultâneas na região alveolar e extra-alveolar 3,5, assim como os casos de lesões únicas extra-alveolares 9. Não há envolvimento do tecido ósseo subjacente3,7 ou de dentes decíduos não erupcionados 3.
Há diversas teorias sobre a origem histológica dessa lesão: mioblástica 1,4-8, neuroblástica, odontoblástica, fibroblástica ou histiocítica 1,3-8. A hipótese mais aceita é a de um processo degenerativo das células mesenquimais indiferenciadas, que, por sua vez, possuem capacidade de múltiplas diferenciações5,9.
Ao estudo histopatológico, a LCGC é semelhante ao tumor de células granulares, e o que as diferencia é a presença de fina camada vascular entre as células granulares2 e a ausência de hiperplasia pseudoepiteliomatosa nos casos de epúlide congênita 1-4,6. Além disso, estudos imunohistoquímicos demonstram a presença da proteína S-100 1,3-5,9,de receptores dos fatores de crescimento 75 KD, gene trk 1,4,5,9 e células fosfotirosina-positivas1,4,5 nos tumores de células granulares e a ausência destes marcadores nas LCGC.
Há também diferenças em relação à epidemiologia e ao quadro clínico, visto que o tumor de células granulares acomete adultos jovens. Principalmente mulheres da etnia negra apresentam recidiva após excisão cirúrgica conservadora, e a região anatômica mais afetada é a língua 4,9 .
Apesar das controvérsias sobre a etiologia da LCGC, a literatura é unânime em afirmar sua natureza benigna. 1,4-6 Relatos de regressão espontânea corroboram com o comportamento inócuo da lesão1,4,5, e a recidiva não é observada mesmo após excisão incompleta 1,3,4,6,7. Nenhuma atividade celular proliferativa significante ou crescimento clínico após o nascimento é descrito na literatura 1,4,5. No entanto, pode-se observar aumento da lesão por edema em resposta inflamatória ao trauma da alimentação, como relatado por Atterbury e Vazirani 5.
O diagnóstico diferencial inclui uma variedade de raras lesões, como hemangioma, fibroma 2,4,8 ,linfangioma 4,8,rabdomioma 4,granuloma 2,8 ,lipoma congênito3 e sarcoma osteogênico 7,8.
Devido à natureza inofensiva da lesão de células granulares congênitas, alguns autores não recomendam a excisão cirúrgica, pois afirmam que lesões pequenas tendem a regredir e desaparecer espontaneamente, indicando a exérese, quando há dificuldade na alimentação ou na respiração do recém-nascido 5-8.Outros autores preconizam o procedimento cirúrgico assim que a lesão é observada. Caso o tratamento optado seja cruento, este deve ser limitado apenas à lesão 2, 4,6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A lesão de células granulares congênita é uma doença rara que acomete recém-nascidos e apresenta evolução benigna. Apresenta aspectos histológicos semelhantes ao tumor de células granulares, e o estudo imunohistoquímico auxilia no correto diagnóstico. Lesões pequenas podem ter tratamento conservador, porém lesões maiores necessitam de tratamento cirúrgico, quando comprometem a respiração ou a alimentação.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
Marcelo Rodrigues dos Santos
Rua Duarte de Carvalho, 155. apto 142 Bairro: Tatuapé
CEP: 03084-030 São Paulo-SP
email: martche@gmail.com
Recebido em 06/05/2009
Aprovado em 09/09/2009