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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.71 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dez. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Alterações orais em pacientes internados em unidades de terapia intensiva

 

Oral changes in patients of intensive care units

 

 

Simone Alves BatistaI;Jonathan da Silva Santos SiqueiraI;Arley Silva Jr.II;Marisa Francisco FerreiraIII;Michelle AgostiniIV;Sandra R. TorresV

I Cirurgiões-dentistas
II Cirurgião-dentista do Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da FO/UFRJ Professor de Estomatologia da Universidade Gama Filho
III Professora do Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da FO/UFRJ Professora do Programa Saúde Bucal Especial do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da UFRJ
IV Professor Adjunto do Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da FO e do Programa Saúde Bucal Especial do HUCFF da UFRJ
V Professor Adjunto do Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da FO/UFRJ Coordenadora do Programa Saúde Bucal Especial do HUCFF da UFRJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A internação em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) pode provocar alterações orais, que por sua vez podem influenciar o estado de saúde dos pacientes, aumentando o tempo e custo do tratamento hospitalar. O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão da literatura sobre as alterações orais encontradas em pacientes de UTI.

Palavras-chave: manifestações orais; unidades de centro de terapia intensiva; higiene oral.


ABSTRACT

Patients hospitalized in intensive care units (ICU) may present changes in the oral environment. The oral alterations may influence the patient's health status, thus increasing the time and cost of hospitalization. The aim of this study is to review the literature on the major oral alterations observed in patients admitted to the ICU.

Keywords: oral manifestations; intensive care units; oral hygiene.


 

 

Introdução

Os pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são na maioria das vezes acometidos por doenças agudas ou complicações de doenças crônicas e apresentam geralmente risco iminente de morte. Durante a permanência em UTI podem ocorrer alterações orais associadas a doenças sistêmicas ou ao uso de medicamentos e equipamentos de ventilação mecânica 1,2. As infecções orais, por sua vez, parecem favorecer complicações sistêmicas como a pneumonia nosocomial ou hospitalar 3.

Na maioria dos hospitais do Brasil, a presença do cirurgião-dentista na equipe multiprofissional das UTI é recente. Portanto, pouco se sabe sobre as alterações que podem surgir nos pacientes internados em UTI e também sobre os aspectos orais que influenciam as condições sistêmicas na população brasileira. De um modo geral, os pacientes internados não apresentam higienização oral satisfatória. O estado debilitado do paciente e a necessidade de intubação, acrescidos de uma má higienização, podem favorecer algumas condições orais, tais como: doença periodontal, halitose e candidíase 3.

A avaliação das condições orais em pacientes internados nas UTI é relevante, pois contribui para o controle de infecções no ambiente hospitalar. Assim a presença do cirurgião-dentista como parte integrante de uma equipe multidisciplinar faz-se necessária, bem como o registro das alterações orais que ocorrem nestes pacientes 3,4,5. O objetivo do estudo foi rever a literatura sobre as alterações orais encontradas em pacientes de UTI.

 

Revisão da Literatura

Características Gerais dos Pacientes de UTI

Os pacientes das UTIs podem apresentar risco de morte iminente, consequência da doença de base grave, doença aguda letal, cirurgias graves ou politraumatismo 6,1. São diversos os motivos pelos quais pacientes são internados em UTI. Em um estudo realizado em 981 pacientes adultos internados em UTI, verificou-se que as causas mais comuns de internação eram acidentes e comas, mas outros quadros como acompanhamento pós-cirúrgico, dor abdominal, crises respiratórias e hemorragias internas também eram causas comuns de internação 7. Por outro lado, as admissões mais frequentes em UTI pediátricas correspondem a: infecções, acidentes, tumores, problemas respiratórios e neurológicos, doenças crônicas, trauma e falência de órgãos, além de causas cirúrgicas e suas complicações 8,9.

Como consequência da internação e das manobras realizadas em UTI, os pacientes internados podem apresentar alterações no sistema imunológico, comprometimento respiratório, dificuldade para dormir, incapacidade de ingestão e hidratação e são mais vulneráveis a desenvolver infecções orais e nosocomiais 10,11. Por outro lado, complicações de infecções nosocomiais, endocardite bacteriana, pneumonia, candidíase e também da doença cárie e periodontal podem provocar impacto aos custos hospitalares 11.

Em idosos internados nas UTIs, é comum a ocorrência de disfagia associada às doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson ou esclerose lateral amiotrópica 11. Já em pacientes de UTI pediátricas, as complicações mais comuns são pneumonia nosocomial, sepse, endocardite, encefalites infecciosas e as alterações orais 12,13.

Alterações orais nos pacientes de UTI

Durante a permanência na UTI, é comum a ocorrência de alterações orais relacionadas a doenças sistêmicas ou decorrentes do uso de medicamentos e de equipamentos de respiração artificial 14,15,8.

É comum encontrar pacientes de UTI que apresentem condições orais pré-existentes como cárie, doença periodontal e ausência de dentes 16,17. A avaliação de dados orais coletados em inspeções pré-cirúrgicas de pacientes internados constataram que 13% dos pacientes tinham dentes cariados; 21% abscessos; 21% doenças gengivais e 46% presença de próteses e ferimentos 18. Outras condições como halitose, úlceras traumáticas, saburra lingual e candidíase podem aparecer durante a internação, podendo prejudicar ainda mais a saúde e bem-estar desses pacientes críticos 5,7,17.

De modo geral pacientes de UTI podem apresentar xerostomia e ressecamento labial. A hipossalivação (redução do fluxo salivar) que ocorre devido ao uso de vários medicamentos, favorece o crescimento microbiano oral 19,4.

A microbiota oral bacteriana gram-negativa e fúngica aumentam consideravelmente durante o período de entubação em pacientes de UTI 20,21. A grande prevalência de manifestações orais em pacientes hospitalizados enfatiza a necessidade da higiene oral. As alterações orais decorrentes de alterações da microbiota incluem doença periodontal, candidíase e saburra lingual 22,23.

A administração de alguns medicamentos pode levar ao aparecimento de alterações orais, como é o caso da fenitoína, nifedipina e ciclosporina, que podem causar uma hiperplasia gengival secundária 24. As reações medicamentosas na boca muitas vezes podem simular outras doenças. A maioria desses efeitos adversos é mediada pelo sistema imunológico e por alergias medicamentosas, outros estão relacionados com overdose e toxicidade e podem ainda ser resultante de um efeito imprevisível particular de um agente químico ou medicamento. As manifestações clínicas das reações medicamentosas dependem do tipo da droga, da dose e de particularidades de cada indivíduo podendo ser agudas ou ocorrer tardiamente 23,24,25.

Outro tipo de manifestação oral inclui a dificuldade de deglutição (disfagia) de alimentos sólido, semissólido ou líquidos. A disfagia pode afetar a população internada em UTI, com risco de maior incidência com o aumento da idade. As causas podem ser locais na orofaringe e esôfago, além de causas neurológicas e neuromusculares 26,27.

Os pacientes hospitalizados podem apresentar uma deterioração significativa da saúde oral 27,28. O comprometimento da saúde oral por infecções como cárie, gengivite e doença periodontal podem interferir nas condições sistêmicas dos pacientes contribuindo para o aumento do tempo e custo do tratamento hospitalar, além de afetar de forma direta a qualidade de vida dos pacientes 29,30,18.

Pneumonia Nosocomial e Biofilme Dental

A pneumonia nosocomial ou hospitalar é geralmente causa de morbidade e mortalidade, sendo uma doença de alto custo hospitalar 2. A cavidade oral representa uma porta de entrada para microrganismos patogênicos e tem sido relatada a participação do biofilme dental na patogênese das infecções respiratórias adquiridas em hospital 31,12. Os dentes e gengivas representam um reservatório para os patógenos respiratórios. Durante a internação em UTI, a microbiota normal da orofaringe pode ser substituída por bactérias patogênicas, que por sua vez podem colonizar o trato respiratório. Como consequência, os pacientes internados em UTI têm maior risco de desenvolver a pneumonia nosocomial 20,21.

Dois fatores foram associados de forma significativa com risco de desenvolver pneumonia por aspiração mecânica: a dificuldade de deglutição e a higiene oral inadequada 12. A possível relação entre melhora nos cuidados odontológicos e redução da pneumonia nosocomial é um dos fatores que evidenciam a importância do cirurgião-dentista na equipe multiprofissional das UTI 3,4.

A importância da Higiene Oral em Pacientes de UTI

A higienização oral em pacientes de UTI é considerada um procedimento básico e essencial, cujo objetivo principal é manter a saúde dos tecidos orais. Este procedimento é necessário para prevenir infecções, manter a umidade da mucosa e promover conforto ao paciente 32.

A deficiência de higiene oral de pacientes em estado grave pode desencadear frequentemente periodontites, gengivites e outras complicações orais e sistêmicas 18. A bacteremia de etiologia oral também é comum em pacientes de UTI e importante causa de mortalidade 33.

A higiene oral nesses pacientes é essencial para reduzir a incidência de pneumonia por aspiração mecânica 6. Com a aspiração de secreções na cavidade oral, reduz-se o risco de aspiração de microrganismos 34,35.

Frequentemente, os pacientes de UTI encontram-se sob ventilação mecânica com entubação orotraqueal. Nestes casos, o acúmulo de biofilme dental pode ser exacerbado, principalmente na região dos dentes posteriores, onde o acesso, visualização e a higiene oral são dificultados 16. No paciente entubado, a boca permanece todo o tempo aberta. Esta abertura constante da boca pode causar ressecamento da mucosa oral, o que reduz a proteção da saliva aos tecidos orais. O tubo utilizado neste procedimento com acesso direto as vias respiratórias inferiores proporciona a entrada de bactérias da boca para os pulmões, favorecendo o quadro de pneumonia. A higienização reduz a carga microbiana dos tecidos orais. Desse modo, é importante a realização de higiene oral antes de iniciar as manobras de entubação e também a manutenção da higiene durante o período em que o paciente estiver sob ventilação mecânica 10.

É importante reconhecer que com a prevenção e controle da doença periodontal pode-se reduzir o número de microrganismos e produtos do biofilme dental presentes em pacientes que se encontram internados em UTI 36,27. Assim, a higiene oral pode representar uma estratégia importante de prevenção de infecção durante o período de internação hospitalar, pois tem sido associada à diminuição nas taxas de pneumonia nosocomial em pacientes submetidos à ventilação mecânica 37,38,34.

O Papel do Cirurgião-Dentista na UTI

Em grande parte das unidades hospitalares brasileiras não existe um protocolo de controle de infecção oral e a sua implementação pode auxiliar na diminuição da morbidade e mortalidade de pacientes internados 2. É importante ressaltar que a cooperação entre cirurgiões-dentistas e a equipe de saúde multiprofissional dentro dos hospitais irá oferecer benefício para o paciente 39.

As funções do cirurgião-dentista em UTI seriam o diagnóstico e controle de alterações orais, assim como contribuir e orientar na higienização oral, que geralmente é realizada pelos auxiliares de enfermagem. Estes procedimentos visam diminuir o risco de alterações sistêmicas e infecções hospitalares associadas a condições orais, reduzindo assim o tempo de internação 1,36. A inserção do cirurgião-dentista junto à equipe médica é imprescindível, pois enfatiza de forma integral a saúde do paciente favorecendo melhor prognóstico e recuperação 40.

O artigo 18 do Código de Ética Odontológico, capítulo IX, que trata da odontologia hospitalar, determina que compita ao cirurgião-dentista internar e assistir pacientes em hospitais públicos e privados, com e sem caráter filan-trópico, respeitadas as normas técnico-administrativas das instituições 4. O Projeto de Lei (PL) 2.776/2008 foi aprovado por unanimidade no dia 02/10/13, na comissão de assuntos sociais do senado federal. Essa lei, se sancionada, obrigará a inclusão dos profissionais de Odontologia em UTI, bem como estabelecimentos de saúde com regime de internação, integralizando desse modo a equipe de saúde e beneficiando o paciente.

 

Conclusão

A detecção precoce e controle de alterações bucais em pacientes de UTI podem prevenir complicações locais e sistêmicas, promovendo a integralidade no atendimento de pacientes sistemicamente comprometidos.

 

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Endereço para correspondência:
Sandra R. Torres
Av. Carlos Chagas Filho 373 - Prédio do CCS
Bloco K - 2° andar - Sala 56 – Ilha da Cidade Universitária
Rio de Janeiro/RJ, Brasil - CEP: 21.941-902
e-mail:
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Recebido em 18/06/2014
Aprovado em 18/07/2014