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RFO UPF
versão impressa ISSN 1413-4012
RFO UPF vol.18 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2013
Obturador palatino: confecção de uma prótese não convencional – relato de caso
Palatal obturator: confection of an unconventional prosthesis – case report
Lisiane AguiarI; André Roberto MozziniII; Elder LerschIII; Ferdinando De ContoIV
I Cirurgiã-Dentista graduada na Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
II Cirurgião de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina, Universidade de Passo Fundo; Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brasil.
III Médico Patologista; Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brasil.
IV Cirurgião Bucomaxilofacial, Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo; Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brasil.
Resumo
Introdução: defeitos maxilares podem ser criados em decorrência de tratamentos cirúrgicos para neoplasias benignas ou malignas. Reabilitação com prótese obturadora é uma opção complementar de tratamento em casos em que procedimentos cirúrgicos são contraindicados. O tamanho e a localização do defeito influenciam no grau de dificuldade de reabilitação. Relato do caso: este relato clínico descreve a reabilitação protética de paciente submetido à maxilectomia parcial bilateral para tratamento de adenocarcinoma de palato que necessitou de procedimento não convencional para estabilização da prótese a partir de confecção de dispositivo tipo mola. Considerações finais: a prótese obturadora é usada para restaurar a função mastigatória e melhorar a fala, deglutição e estética desses pacientes.
Palavras-chave: Prótese maxilofacial. Obturadores palatinos. Reabilitação bucal.
Abstract
Introduction: maxillary defects may be created by surgical treatment of benign or malignant neoplasms. Rehabilitation with obturator prosthesis is a complementary treatment option in cases where surgical procedures are contraindicated. The size and location of the defects influence the degree of difficulty for rehabilitation. Case report: this clinical report describes the prosthetic management of a patient subjected to bilateral partial maxillectomy for treatment of adenocarcinoma of the palate, which required an unconventional procedure for prosthesis stabilization by producing a spring device. Conclusion: the obturator prosthesis is used to restore masticatory function and improve speech, deglutition, and esthetics of these patients.
Keywords: Maxillofacial prosthesis. Palatal obturators. Oral rehabilitation.
Introdução
Defeitos maxilares, em sua maioria, originam-se devido às cirurgias para remoção de tumores, por vezes malignos, tais como os carcinomas; porém, defeitos congênitos, doenças infecciosas e os mais diferentes tipos de traumas também levam à necessidade de remoção parcial ou total da maxila. A reabilitação de tais pacientes é um desafio a ser enfrentado pelos profissionais envolvidos1.
Os carcinomas de palato são raros, principalmente pelo seu sítio anatômico, e quase sempre estão associados a hábitos nocivos, traumas ou doenças infectocontagiosas. O Brasil detém uma das mais altas taxas desse tipo de câncer no mundo. Apesar de esse tipo de câncer ter predileção por homens acima dos 40 anos, estudos mostram que o número de mulheres acometidas vem aumentando devido a mudanças de hábitos, registrando-se que, de todos os fatores a que se atribui a contribuição da etiologia do câncer bucal, o tabagismo e o etilismo, quando combinados, potencializam os riscos de desenvolver lesões cancerizáveis2,3.
Apesar de haver os mais variados tipos histopatológicos de tumores malignos, desde os mesenquimais até os de glândulas salivares menores, o tumor mais frequente na região de cabeça e pescoço é o carcinoma epidermoide em seus diferentes graus de diferenciação. Geralmente agressivo, leva em pouco tempo a grandes destruições teciduais, sendo necessárias cirurgias extensas para sua total remoção, obrigando profissional e paciente a buscarem alternativas de reconstrução da área atingida. No caso específico da região do palato, a necessidade de remoção de neoplasias quase sempre gera uma comunicação bucossinusal, que precisa ser interrompida1,4.
O tratamento primário do carcinoma de palato é cirúrgico, e a técnica é definida de acordo com o sítio e o tamanho da lesão. Comumente, opta-se por uma ressecção da lesão com área de segurança, ou, em casos mais graves, uma maxilectomia total ou parcial, uni ou bilateral, dependendo da localização e extensão da área atingida. A técnica pode ser classificada em três tipos: no tipo 1, há preservação do assoalho da órbita; no tipo 2, há perda de suporte orbitário; e no tipo 3, ocorre a exenteração da órbita. A técnica cirúrgica leva sempre à necessidade de uma reconstrução da área atingida, não apenas no sentido funcional, devolvendo ao paciente sua função mastigatória e fonética, como também no sentido de auxiliar no processo de reabilitação emocional1 . A reabilitação protética das perdas maxilares divide-se em três fases: cirúrgica, provisória e reabilitadora, cada qual com suas características, indicações e importâncias5 .
A maxilectomia, seja ela parcial ou total, sempre acarreta deficiência nos mais diferentes graus de funcionalidade da cavidade oral. Comunicações bucossinusais são frequentes e precisam ser corrigidas, evitando, assim, que haja refluxo nasal e que a voz possa ser emitida sem interferências6.
A alternativa para esses casos é a utilização de um obturador palatino, que consiste em uma prótese parcial removível que substitui a área removida do tumor, tendo como função obliterar a comunicação bucossinusal, possibilitando que as funções orais prejudicadas sejam restabelecidas, além de dar suporte à face, permitindo que seu contorno volte à normalidade. Por meio do uso de obturador palatino, é possível uma reabilitação quase imediata das funções orais, bem como um controle da doença, visto que os obturadores são de fácil remoção, o que possibilita o controle de possíveis recidivas, além de auxiliar na recuperação física e psicológica do paciente7.
O objetivo deste trabalho é relatar o caso clínico de uma paciente submetida a maxilectomia parcial para tratamento de adenocarcinoma de palato.
Relato de caso
Paciente do gênero feminino, 74 anos, procurou atendimento odontológico para reabilitação dentária após ser submetida a maxilectomia parcial para remoção de adenocarcinoma de palato (Figuras 1 e 2). O histórico revelou que a paciente havia sido submetida, há cerca de 12 meses, a tratamento cirúrgico, acompanhada por cirurgião oncológico. Não foi realizada avaliação odontológica prévia ao tratamento.
O tratamento para a lesão maligna constituiu-se de ressecção cirúrgica da maxila seguida de 39 sessões de radioterapia com dose total de 50 Gy. Durante esse período, a principal queixa da paciente – que foi acometida de severa perda de peso (14 quilos), devido à grande comunicação buconasal – referia-se à dificuldade de alimentação, tendo se alimentado por sonda nasogástrica.
Após esse período, procurou o cirurgião-dentista para tentativa de confecção de prótese dentária, sendo, então, encaminhada para o serviço especializado para confecção de prótese dentária obturadora.
Durante o exame clínico e radiográfico (Figuras 3 e 4), foi constatada importante doença periodontal nos dentes remanescentes. Estes, porém, não puderam ser extraídos, em razão de a paciente ter sido submetida a tratamento radioterápico, o qual, associado a extrações dentárias, pode ocasionar sérias complicações, culminando em osteorradionecrose.
A paciente foi, então, encaminhada para dar início à confecção da prótese obturadora palatina, técnica que consiste em uma moldagem preliminar cuidadosa com alginato. Após moldagem e obtenção dos modelos de estudo, a prótese obturadora palatina convencional foi desenhada e confeccionada com resina acrílica, restabelecendo a dimensão vertical da paciente.
Após a instalação da prótese (Figuras 5 e 6), pôde-se observar uma imediata melhora na fonação, na deglutição e, logo, no bem-estar da paciente, a qual, porém, relatou uma importante queixa em relação à falta de sustentabilidade da prótese, mencionando que esta se deslocava com o movimento da abertura de boca. Em vista disso, optou-se por confeccionar um dispositivo metálico para que a prótese se mantivesse suspensa e estável. Tal dispositivo, instalado entre a prótese superior e a prótese parcial removível (PPR) inferior convencional, era removível, permitindo que a paciente o retirasse para facilitar a higienização da prótese (Figuras 7 e 8).
A paciente fez uso da prótese obturadora palatina por cerca de dois anos, até vir a falecer devido à evolução da doença metastática.
Discussão
Dentre as principais complicações que podem ocorrer com as extrações dentárias durante o tratamento radioterápico, destaca-se a osteorradionecrose, que consiste em necrose isquêmica do osso devido à diminuição da vascularização tecidual. A necrose pode envolver o osso tanto superficial como profundamente, provocando fraturas patológicas dependendo da sua intensidade e extensão8 .
As próteses obturadoras atuais podem ser confeccionadas com a utilização de dois materiais. Na região onde há necessidade de obliteração da comunicação buconasal, o uso de silicone é mais confortável para o paciente, podendo o restante da prótese ser confeccionado em resina acrílica para melhor durabilidade da mesma9.
Reabilitar pacientes acometidos de deformações faciais, sendo por traumas, tumores ou más-formações congênitas, é um grande desafio, o qual precisa ser suparado diante da imensa repercussão psicológica imposta pelas deformações que o tratamento curativo impõe5,10 . Assim sendo, as próteses usadas como um recurso muitas vezes definitivo precisam ser confiáveis, funcionais e com uma estética agradável, para que a autoconfiança e a inserção social do paciente possam ser retomadas o mais breve possível. As próteses obturadoras enquadram-se nesses requisitos, sendo uma das opções mais aceitas para tratamentos imediatos, em razão de sua simplicidade, e, em diversos casos, utilizada como tratamento recuperador definitivo9,11.
A prótese obturadora tem suas indicações para pacientes que apresentem as mais variadas comunicações buconasais, sendo por remoção cirúrgica, destruição, ou ausência da maxila12. A confecção de um obturador palatino segue os princípios de uma prótese parcial removível, sendo uma técnica simples, rápida, eficaz, passível de adaptações e de fácil instalação, indicado para corrigir defeitos estéticos em pacientes que não podem optar pela cirurgia reconstrutiva9,13.
Para cada defeito maxilar, há uma possibilidade de confecção de um obturador palatino9 . Dependendo da localização, da extensão, da presença ou ausência de estrutura de suporte e das condições gerais de saúde, é possível planejar e confeccionar uma prótese funcional direcionada às necessidades de cada paciente em particular. A remoção de parte ou da totalidade do osso maxilar cria problemas relacionados à estabilidade da futura prótese, sendo necessário, por vezes, confeccionar retenções adicionais para mantê-la em posição. Além disso, é preciso manter a prótese leve, para evitar que a ação da gravidade a desloque. Para isso, dispositivos removíveis podem ser instalados na prótese sem alterar sua conformação. Em casos mais complexos, implantes podem ser utilizados para dar estabilidade, retenção e suporte à prótese obturadora11.
No que se refere à deglutição e à fonação, os pacientes devem ser acompanhados por fonoaudiólogos e fisioterapeutas, cujo papel é auxiliar na realização de exercícios de deglutição, respiração e emissão de sons, fortalecendo a musculatura oral para que a adaptação da prótese possa ocorrer da melhor forma possível13.
São os pequenos detalhes que determinam o sucesso nesses casos, e planejamento multidisciplinar é fundamental10. Pacientes maxilectomizados perdem muito mais que apenas partes da região oral; ficam por vezes sem condições básicas de sobrevivência. Por envolver tratamentos que resultam em defeitos estéticos e funcionais importantes e visto que se trata de uma reabilitação complexa e demorada, exigindo uma visão mais ampla do tratamento que será imposto aos pacientes, o planejamento é essencial. Dessa forma, o tratamento reabilitador mediante a confecção de próteses bucomaxilofaciais, quando bem indicados e conduzidos, tem a capacidade de possibilitar a superação do trauma vivido pelo paciente, oportunizando-lhe uma melhor qualidade de vida, tornando-se este o objetivo principal desse tipo de tratamento13-16.
Considerações finais
O cirurgião-dentista tem um papel fundamental na reabilitação biopsicossocial de pacientes maxilectomizados,pois, ao tratá-los com a utilizaçaõ das próteses bucimaxilofaciais, pode-lhes devolver uma feição saudável, diminuindo as sequelas deixadas pelo tratamento curativo e permitindo que a imagem social seja preservada. Pacientes maxilectomizados não precisam apenas de tratamentos curativos, mas também de soluções que permitam sua reintegração social e a retomada da sua vida cotidiana.
A busca por novas técnicas e novos materiais obturadores faz-se necessária visto que a adoção de hábitos nocivos pela população em geral está mais intensa e permite que doenças mutiladoras ocorram com frequência na cavidade oral. A orientação quanto aos malefícios do uso de tabaco e álcool, além de outros hábitos nocivos, deve ser adotada de forma sistemática nos consultórios e clínicas odontológicas, para que a função principal do cirurgião-dentista como a do profissional da saúde, ainda seja, predominantemente, a prevenção.
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Endereço para correspondência:
Ferdinando De Conto
Campus I – BR 285 – Km 292
Bairro São José Faculdade de Odontologia da UPF
99052-900 Passo Fundo - RS
e-mail:ferdi@upf.br
Recebido: 25/04/2013
Aceito: 28/06/2013