SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.47 número1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.47 no.1 Belo Horizonte Jan./Mar. 2011

 

 

Condição bucal de uma população amazônica no interior do estado de Rondônia: uso e necessidade de próteses

 

Oral conditions in an Amazonian population in the state of Rondonia: use and need of prostheses

 

 

Angela XavierI; Adriana Rodrigues de FreitasI; Ariádnes Nóbrega de OliveiraII; Silvia Helena de Carvalho Sales-PeresIII; José Roberto de Magalhães BastosIII; Magali de Lourdes CaldanaIV

I Cirurgiã-dentista
II Fonaudióloga
III Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva, Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), Universidade de São Paulo (USP), Bauru, SP, Brasil
IV Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), Universidade de São Paulo (USP), Bauru, SP, Brasil

Contato: dra.axavier@gmail.com, drikaf2@yahoo.com.br, dine_usp@uahoo.com.br, shcperes@usp.br, zeromaba@fob.usp.br, mcaldana@fob.usp.br

Autor correspondente

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar as necessidades e uso de próteses pela população do município de Monte Negro e relacionar com dados do Levantamento Saúde Bucal Brasil 2003 (Projeto SB Brasil 2003. Materiais e Métodos: Foi realizada uma análise dos prontuários dos pacientes atendidos pelo Projeto USP em Rondônia, durante as expedições de julho de 2009 e janeiro de 2010, sendo adotado o índice de uso e necessidade de próteses de acordo com as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) (1997). Os dados foram analisados e apresentados de forma descritiva e utilizando-se o teste Qui-quadrado (p<0,05). Resultados: Dos 337 prontuários, 42,14% pertenciam ao sexo masculino. Com relação à origem destes pacientes, 36,20% viviam na região urbana de Monte Negro, 63,80% viviam na área rural do município. Do total analisado, 40,36% não necessitavam de uso de aparelho protético, enquanto 59,64% necessitavam de algum tipo de prótese. sendo que 37,39% necessitavam de prótese nos arcos superior e inferior, 7,72% necessitavam de prótese superior e 14,54% necessitavam de prótese na arcada inferior. Conclusão: Os resultados evidenciaram a necessidade de ações preventivas assim como assistenciais para promoção de saúde bucal em Monte Negro, uma vez que o município apresentou uma situação pior que a encontrada no Brasil em 2003.

Descritores: Saúde bucal. Saúde pública. Prótese total.


 

ABSTRACT

Aim: This study aimed to assess the needs and use of prostheses by the population of the town of Monte Negro, Rondonia, Brazil, by means of a sample provided by the "USP in Rondonia Project" during expeditions that took place in July 2009 and January 2010. Materials and Methods: This study consisted of an analysis of medical records of patients attended to during the "USP in Rondonia Project" in July 2009 and January 2010, adopting the index of use and need of prostheses, as set forth by the World Health Organization. The data were analyzed and presented in a descriptive manner, using the chi-square test (p<0.05). Results: Of the 337 records, 42.14% were from men and 57.86% were from women. Regarding the origin of these patients, 36.20% lived in the urban regions of Monte Negro, while 63.80% lived in the rural regions of the town. A total of 40.36% required no use of a prosthetic device, 59.64% required some type of prosthesis, 37.39% needed a prosthesis in the upper and lower arches, 7.72%F required maxillary prosthesis, and 14.54% needed a prosthesis in the lower arch. Conclusion: The results of this study suggest the need for both preventive care and the promotion of oral health in Monte Negro, since the findings illustrated a situation that was worse than that found in Brazil in 2003.

Uniterms: Oral health. Public health. Denture complete.


 

 

INTRODUÇÃO

No final do século XX ocorreram consideráveis mudanças demográficas na população brasileira que geraram importantes repercussões nos campos sociais e econômicos do país. Uma das mudanças mais evidentes foi o aumento da expectativa de vida da população e a redução das taxas de natalidades, suscitando o crescimento da preocupação com a melhoria na qualidade de vida1.

A saúde bucal é parte integrante e indissociável da saúde geral2. Desta forma, a saúde bucal adequada se relaciona a uma melhor mastigação, digestão, convívio social, comunicabilidade e autoconfiança3. A maior parte dos problemas que acometem a saúde bucal é passível de prevenção, assim como a cárie e a doença periodontal. Porém, quando atingem seu estágio final gera sequelas, como a perda dentária, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.

O declínio da cárie dentária, observado em crianças e adolescentes, não é verificado nos adultos e idosos. Apesar da considerável redução do edentulismo nos idosos, índices elevados ainda são persistentes, o que vem corroborar para uma forte necessidade de programas preventivoeducativos objetivando reduzir tais índices; assim como estimular ações assistenciais para minimizar as sequelas geradas pela cárie, visto que a perda dentária tem forte impacto negativo sobre o convívio social4.

Os serviços públicos brasileiros, durante muitos anos disponibilizaram à população uma assistência a saúde bucal essencialmente curativa de alto custo e baixa cobertura, demonstrando deficiências na prevenção da ocorrência de cárie dentária e na redução das sequelas produzidas pela mesma. Neste sentido persistem as realizações de extrações em massa gerando uma enorme demanda por níveis de atenção de maior complexidade, aliada à grande necessidade de ampliação do acesso a esses serviços para uma significativa parcela da população, ainda excluída da atenção à saúde bucal5,6.

Haja vista a escassez de estudos com relação ao uso e necessidade de prótese em populações do interior do Estado de Rondônia o presente estudo objetivou avaliar as necessidades e uso de próteses pela população do município de Monte Negro e relacionar com dados do Levantamento Saúde Bucal Brasil 2003 (Projeto SB Brasil 2003).

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo foi descritivo do tipo transversal por meio da análise de prontuários dos pacientes atendidos durante as expedições de julho de 2009 e janeiro de 2010.

Esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da Faculdade de Odontologia de Bauru, com processo nº 84/2009. Nos prontuários dos pacientes atendidos constava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os voluntários foram devidamente informados e esclarecidos de que as informações que constavam nos prontuários poderiam ser utilizadas em pesquisas, em concordância com a Resolução 196/96 que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos.

O município de Monte Negro está localizado no interior do Estado de Rondônia e dista aproximadamente 250 km de Porto Velho. Conta com uma população de 12.627 habitantes (IBGE 2000), sendo que 45,3% vivem na área urbana e 54,7% vivem na área rural. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) era de 0,685 de acordo com o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD em 2000, com um crescimento bruto de 13,22% de 1991 a 2000. A média da renda per capita em 1991 era de R$119,26 mensais e elevou para R$170,88 em 20007.

A Universidade de São Paulo atua no município desde a década de 1990, por meio do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, núcleo especializado em doenças tropicais. A partir de 2002, foi implementado um programa odontológico e fonoaudiológico com sede no município de Monte Negro objetivando promover melhores condições de saúde à população.

A amostra constituiu-se de indivíduos que procuraram assistência em uma clínica odontológica e fonoaudiológica localizada no centro da cidade de Monte Negro, assim como indivíduos atendidos nas Linhas rurais durante as expedições de julho de 2009 e janeiro de 2010. No total, foram atendidos 507 indivíduos dos quais foram excluídos 170, menores de 12 anos perfazendo um total de 337 prontuários analisados.

 

 

 

Para ser incluído no estudo o voluntário deveria ter idade superior a 12 anos para que houvesse presença de dentição permanente completa, assim como ter sido examinado na clínica odontológica ou nos atendimentos nas linhas rurais pela equipe da expedição USP em Rondônia.

Foram identificados os registros de dados segundo o Índice de Uso e Necessidade de Prótese, instrumento já utilizado internacionalmente e também adotado para o Projeto SB Brasil (Brasil, 2003). Os prontuários receberam a ficha de registro padrão em relação ao uso e necessidade de prótese, sendo preenchida no momento do exame inicial dos indivíduos por examinadores devidamente calibrados. Na Tabela 1 são elencados os códigos e critérios utilizados.

O exame para avaliação das condições de uso e necessidade de prótese foi realizado pelos autores da pesquisa e anotado nos prontuários dos pacientes após consentimento dos mesmos.

Os dados obtidos foram organizados e transcritos no programa Excel 2007 e a análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva calculando-se as médias e as proporções das variáveis investigadas, Foram realizados testes de Kruskal-Wallis para identificar a influência da idade sobre o uso e necessidade de prótese. O teste Quiquadrado de Pearson foi utilizado para comparar a necessidade de prótese e a origem dos pacientes (rural e urbana). Foi utilizado o programa Statistica 7.0, sendo adotado nível de significância de 5% (p<0,05).

 

RESULTADOS

Dentre os 337 prontuários analisados 42,14% pertenciam a indivíduos do sexo masculino. A média de idade da amostra total avaliada foi de 30,28 (16,29) e a mediana foi de 27 anos de idade. Com relação à origem destes pacientes, 36,20% viviam na região urbana de Monte Negro e 63,80% viviam na área rural do município. Do total avaliado, 59,65% necessitavam de algum tipo de prótese e 40,36% não necessitavam de uso de aparelho protético, evidenciando que 37,39% dos indivíduos necessitavam de prótese nos arcos superior e inferior, 7,72% no superior somente e 14,54% no inferior.

Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os sexos quanto ao uso de prótese para o arco superior e inferior (p=0,186; p=0,159 respectivamente) assim como para a necessidade de prótese em ambos os arcos (p=0,743; p=0,451 respectivamente). A Tabela 2 apresenta os principais resultados com relação ao uso e necessidade de prótese deste estudo.

Com relação ao uso de prótese dentária, nas faixas etárias de 12 a 14 anos e 15 a 19 anos, os indivíduos analisados não apresentaram uso de nenhum tipo de aparelho protético. Estes indivíduos apresentaram, contudo, necessidades de uso de elementos unitários e múltiplos elementos em ambos os arcos, onde no grupo de 12 a 14 anos de idade destacou-se a necessidade de uso de prótese unitária no arco inferior em 13,85% dos casos e nos adolescentes de 15 a 19 anos de idade evidenciou-se a necessidade de uso de prótese fixa em 16,76 % na arcada superior e 14,29% no arco inferior.

Na faixa etária de 20 a 34 anos verificouse a necessidade de algum tipo de prótese no arco inferior em 54,31% dos indivíduos, sendo que deste percentual, 30,17% corresponderam à necessidade de múltiplos elementos dentários. No arco superior observou-se 45,69% de necessidade de uso de algum tipo de aparelho protético.

Os adultos entre 35 e 44 anos de idade apresentaram 60,38% de necessidades de algum tipo de prótese no arco superior, sendo que 33,96% corresponderam à necessidade de múltiplos elementos dentários. No arco inferior o percentual de necessidade de prótese para aquela faixa etária foi de 62,26%, onde 43,40% corresponderam a múltiplos elementos.

No grupo dos idosos observou-se que 57,90% apresentaram necessidade de uso de prótese total superior. Trinta e três por cento dos participantes na faixa etária de 45 a 64 anos também demonstraram necessidade do mesmo tipo de prótese. No arco inferior, verificou-se necessidade de uso de prótese total em 52,63% e em 21,43% dos casos respectivamente. Vale ressaltar que em idosos foi observado uso somente de prótese totais, não sendo encontrado nenhum outro tipo de aparelho protético. Foram identificadas associações (p<0,05) entre as variáveis idade e uso e necessidade de prótese (Tabela 3).

Ao comparar os resultados obtidos com os resultados do Levantamento Nacional SB Brasil 2003 para a Região Norte e Brasil, na faixa etária entre 15 e 19 anos de idade, 21,43% necessitavam de uso de algum tipo de prótese no arco superior, dado este que está acima dos dados encontrados para região Norte e Brasil, porém 23,81% necessitavam de uso de aparelhos protéticos no arco inferior, dado este que está abaixo da média da região Norte e ligeiramente acima da média nacional. Deste percentual, a maior parte esteve relacionada com a necessidade de uso de um elemento protético, tanto no arco superior como no arco inferior, dado semelhante aos observados na região Norte e Brasil.

Nos adultos de 35 a 44 anos de idade foram constatados percentuais mais elevados no arco superior, com relação à necessidade de prótese total (5,66%). Contudo, no arco inferior (1,89%) os números foram menores que região Norte e Brasil (3,63% e 2,52%, respectivamente). Com relação à necessidade de múltiplos elementos dentários (código 2) os percentuais desta faixa etária tanto para o arco superior quanto para o inferior (33,96% e 43,40%), foram superiores aos dados apresentados tanto para região Norte (12,88% e 31,79%) quanto para o Brasil (12,85% e 28,65%).

Relativamente aos idosos, os percentuais observados foram superiores aos da Região Norte e Brasil quanto à necessidade de uso de prótese total tanto no arco superior como no inferior (94,74% e 89,47%).

Com relação à origem da população estudada, foi encontrado maior percentual de indivíduos que não necessitavam de uso de aparelhos protéticos na área urbana que na rural (56,31%; 54,75%, respectivamente) no arco superior assim como maior percentual de indivíduos na área rural que na área urbana no arco inferior (47,49%; 46,6% respectivamente). Com relação à necessidade de um elemento dentário, múltiplos elementos e combinação de próteses, foi encontrado maior percentual de indivíduos na área rural que urbana, tanto no arco superior como no inferior. Contudo, observou-se maior percentual de necessidades de uso de prótese total na área urbana tanto no arco superior (15,57%) quanto no inferior (13,93%) que na área rural (5,58% e 3,26%, respectivamente). Contudo, não foi observada diferença estatisticamente significativa para os moradores da área urbana e rural do município de Monte Negro tanto para necessidade de prótese no arco superior (p=0,873) quanto para o arco e inferior (p=0,694) (Resultados não apresentados).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O conhecimento da prevalência das doenças e agravos à saúde da população é fundamental para que gestores e profissionais do serviço público se atentem às necessidades de saúde da população e consequentemente realizem o delineamento de programas preventivos e assistenciais a fim de melhorar o padrão de saúde desta população.

Grande parte dos estudos pautados no uso e necessidade de prótese é fundamentada em populações idosas, ou seja, acima dos 65 anos de idade. Contudo, na presente pesquisa objetivouse evidenciar todas as faixas etárias encontradas, devido ao contexto geopolítico em que a população deste município se encontra.

O município de Monte Negro, não conta com fluoretação da água de abastecimento público assim como não apresenta políticas públicas de educação e prevenção em saúde bucal7. Da mesma forma, a assistência a saúde bucal apresenta-se de forma precária especialmente para aqueles que vivem nas regiões rurais, os quais apresentam grande dificuldade de deslocamento para a área urbana a procura por tratamento, e perfazem mais da metade da população do município7.

Encontrou-se acentuada necessidade de prótese nos indivíduos pesquisados e existe uma grande demanda populacional para a reabilitação protética. Neste sentido, o edentulismo torna-se um problema de Saúde Pública nessa região para o qual, inicialmente, devem-se adotar critérios de priorização na implantação da atenção especializada8. O grupo etário dos idosos pode ser considerado prioritário, visto que apresentam os maiores percentuais de necessidade de prótese total. Desta forma, poderia ser iniciada a implantação de um programa assistencial que oferecesse próteses totais aos indivíduos.

A ampliação da longevidade na população brasileira é uma conquista coletiva e também uma preocupação social, visto que exige um novo posicionamento diante desse processo, principalmente por ser um processo intrinsecamente relacionado à modificação da incidência e prevalência de doenças nas diferentes faixas etárias da população. Para tanto, é indispensável uma rede básica treinada e equipada, oferecendo atividades preventivas e reabilitadoras que objetive a promoção de saúde da população9,10.

No presente estudo foi observado maior percentual de indivíduos que não faziam uso de aparelhos protéticos em relação àqueles que o usavam ou mesmo necessitavam de substituição. Dos casos encontrados que utilizavam próteses, observou-se maior percentual de uso de prótese superior que inferior, indo ao encontro dos relatos da literatura11-13.

Tal fato pode estar relacionado à maior preocupação dos indivíduos em relação à estética, já que os dentes superiores costumam ser mais evidentes durante a fala e o sorriso, enquanto os dentes do arco inferior normalmente não são tão evidenciados. Além disso, outra justificativa provável se pauta na maior dificuldade de adaptação que os indivíduos encontram em relação ao uso destes aparelhos de reposição dentária para a arcada inferior e a justificativa de desconforto durante a utilização da mesma13.

A comparação entre a necessidade de uso de prótese do presente estudo com dados da região Norte e do Brasil demonstrou um aumento do percentual da necessidade de uso de prótese com o avanço da idade. Foi demonstrado um agravamento das condições de saúde bucal, onde na faixa entre 65 e 74 anos de idade verificou-se 94,74% de necessidade no arco superior e 89,47% no inferior na população estudada, comparando com 38,36% e 62,62% na região Norte e 32,40% e 56,06% no Brasil, respectivamente. Costa et al.14 verificaram que não houve melhora nas condições de saúde bucal dos idosos brasileiros em relação aos últimos inquéritos nacionais e que estes achados podem estar refletindo a carência de políticas preventivas e a falta de acesso ao tratamento odontológico para este grupo etário.

Dessa forma, a escassez de atenção odontológica para grupos não-escolares requer a formulação de políticas públicas de promoção de saúde bucal, visando a melhoria na qualidade de vida dessas pessoas. Contudo, o acúmulo de doenças bucais não tratadas e o elevado edentulismo, evidenciam a necessidade de ampliar o enfoque em saúde bucal para todas as faixas etárias, e não somente para crianças e adolescentes. Um estudo de revisão sistemática referente à condição de saúde bucal do idoso brasileiro demonstrou essas questões epidemiológicas e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde bucal15.

O aumento da perda dentária com o aumento da idade encontrado no presente estudo está de encontro com a literatura, onde se observou aumento da perda de dentes com o aumento da idade assim como indivíduos que vivem em cidades com menos de 10 mil habitantes e municípios sem fluoretação das águas de abastecimento público, como é o caso do referido município17. Pesquisa realizada no município de Barretos, interior do estado de São Paulo, destacou uma redução de 42,0% no número de adultos de 20 a 24 anos de idade com média de 5 a 10 dentes perdidos após 16 anos do início da fluoretação das águas de abastecimento público, ressaltando a necessidade de implementação deste importante meio de redução da perda de dentes no município avaliado na presente pesquisa16.

A ausência dos dentes ocasiona significativa redução na estética, na fonação e na capacidade mastigatória. Tal carência leva as pessoas a alterarem seus hábitos alimentares e a optar por alimentos de consistência mais macia, de fácil mastigação e, muitas vezes, de menor valor nutritivo. Além disso, a falta dos dentes ou a utilização de próteses inadequadas envolve como consequências diminuição da autoestima, dificuldades de socialização, sensação de envelhecimento precoce e até mesmo sentimento de humilhação. Existe um sentimento de desvantagem com relação às pessoas que possuem dentes naturais18-21.

O estudo de Martins22 demonstrou que existe uma discrepância no uso de serviços odontológicos entre idosos dentados e desdentados. Dentre os fatores associados a esta diferença estão a disponibilidade de recursos financeiros e o fato de que os desdentados não consideram necessárias visitas ao dentista, uma vez que não apresentam mais dentes na boca. Tal achado também foi observado no estudo de Moreira et al.23, que verificou a percepção de não ter necessidade de cuidados odontológicos pelos idosos, uma vez que estes se apresentavam edêntulos.

De acordo com relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) em muitos países em desenvolvimento o acesso aos serviços de saúde é precário e os dentes são frequentemente deixados sem tratamento ou são extraídos devido à dor e desconforto ao invés de receberem tratamento adequado. Em diversos locais a perda de dentes ainda é vista como uma consequência natural do aumento da idade, enquanto que em países industrializados tem ocorrido uma tendência positiva de redução da perda de dentes em adultos nos últimos anos, sendo que a proporção de edentulismo em adultos com 65 anos ou mais ainda é considerada elevada24. Estes relatos estão de acordo com os resultados observados nesta pesquisa onde se encontrou uma população com acesso limitado aos serviços de saúde apresentando elevadas proporções de edentulismo e necessidades de reabilitação. Os dados observados quanto à necessidade de uso de próteses dentárias revelaram a necessidade de substituição destas entre os indivíduos que já faziam uso de aparelhos protéticos, como também foram evidenciados no estudo de Silva12, que observou 62,5% dos indivíduos da sua amostra que usavam prótese total tinham indicação de sua substituição.

O maior percentual de necessidade de uso de prótese unitária, de múltiplos elementos e de combinações de próteses na população rural pode ser atribuído a maior dificuldade da população que vive nesta região com relação ao acesso aos serviços de saúde, às dificuldades de deslocamento até a cidade assim como falta de profissionais de saúde que se mobilizem até essas regiões.

Além disso, a necessidade de uso de mais de uma prótese fixa em adolescentes revela uma situação preocupante visto que as políticas públicas são necessárias para minimizar as sequelas causadas pelas doenças bucais assim como as perdas dentárias e necessidade de uso de aparelhos protéticos. Para uma mudança deste quadro epidemiológico deve-se propor a implementação de estratégias enfocando este grupo etário.

Segundo a OMS a maior carga das doenças está naqueles indivíduos desfavorecidos ou socialmente marginalizados, destacando a necessidade de atuação nos fatores de risco comuns às doenças bucais para melhorar as condições de saúde de toda a população e dos grupos de alto risco à doenças, reduzindo desta forma as desigualdades. Dados do presente estudo apontaram que aqueles indivíduos que residem na área rural do município apresentaram maiores necessidades de uso de prótese que os indivíduos que vivem na área urbana fato que evidencia maior necessidade de atenção às condições de saúde bucal desta população visando a redução dos riscos aos agravos e doenças bucais, contudo não foi observada diferença significativa entre ambos tanto para o arco superior quanto para o inferior24.

Promoção da saúde é o processo, por meio do qual, os indivíduos são capacitados para melhorar e ter maior controle sobre a sua própria saúde, ressaltando a importância da saúde para uma vida social e economicamente produtiva. Neste contexto, para que a população avaliada tenha uma melhoria em suas condições de saúde e especificamente nas condições de saúde bucal se faz necessária a implantação de medidas educativas e preventivas assim como medidas assistenciais reabilitadoras a fim de se minimizar as sequelas ocasionadas pelas doenças bucais25.

Por essa razão, a perda dos dentes, ocasionada na maior parte dos casos pela falta de atenção a doenças bucais evitáveis como a cárie dentária e a doença periodontal, é a manifestação mais evidente das desigualdades sociais26. A perda precoce na faixa etária dos adolescentes indica uma forte necessidade de priorização dos serviços de saúde a fim de garantir a adoção de medidas preventivas assim como a recuperação das sequelas ocasionados pelas doenças bucais, a fim de evitar atingir seu estágio final e contribuir para uma população adulta com maior qualidade de vida.

 

CONCLUSÃO

Verificou-se um percentual significativo de indivíduos nas diferentes faixas etárias estudadas com necessidade de uso de próteses.

Ao comparar os resultados da presente pesquisa com os dados do SB Brasil 2003, pode-se observar que as necessidades de aparelhos protéticos especialmente no arco superior nos adolescentes e adultos e, em ambos os arcos na população idosa de Monte Negro foram maiores. Esse quadro indica um histórico centrado em um modelo assistencial fundamentado em práticas curativas em detrimento de uma atenção universal capaz de promover melhora no padrão de saúde bucal da população.

 

REFERÊNCIAS

1. Kina S, Conrado CA, Brenner AJ, Kurihara E. O ensino da estomatogeriatria no Brasil: a experiência de Maringá. Rev Odontol Univ São Paulo. 1996; 10:69-73.         [ Links ]

2. Pinto VG. Saúde bucal para adultos. In: Pinto VG. Saúde bucal coletiva. São Paulo: Santos; 2000; 114-6.

3. Watt RG. Strategies and approaches in oral diseases prevention and health promotion. Bull World Health Organ. 2005; 83:711-8.

4. Crispim AJ, Saupe R, Boing AF. Perfil epidemiológico do uso e necessidade de prótese e de alterações de tecidos moles bucais em idosos de uma comunidade de Itajaí - SC. Arq Catarin Med. 2009; 38:53-7.

5. Souza e Silva ME, Magalhães CS, Ferreira EF. Perda dentária e expectativa da reposição protética: estudo qualitativo. Ciênc Saúde Coletiva. 2010; 15:813-20.

6. Fernandes RA, Silva SR, Watanabe MG, Pereira AC, Martildes ML. Uso e necessidade de prótese dentária em idosos que demandam um Centro de Saúde. Rev Bras Odontol. 1997; 54:107-10.

7. Município de Monte Negro. Site oficial de Monte Negro. [acesso em 2009 maio 27]. Disponível em: http://www.montenegro.ro.gov.br/portal1/demografia/mu_dem_pop_urbana. asp?iIdMun=100111028.

8. Murakami AM, Moysés SJ, Moysés ST. Equidade frente à necessidade de prótese dentária na população de 65 a 74 anos de idade em Curitiba. Epidemiol Serv Saúde. 2007; 16:139-41.

9. Chaimowicz F. A saúde dos idosos brasileiros às vésperas do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Rev Saúde Pública. 1997; 31:184- 200.

10. Silveira AS. A conquista da longevidade: o envelhecimento da população brasileira e os desafios da conquista da longevidade. Revés Avesso. 2005; 14:109-15.

11. Frare SM, Limas PA, Albarello FJ, Pedot G, Regio RA. Terceira idade: quais os problemas bucais existentes? Rev Assoc Paul Cir Dent. 1997; 51:573-6.

12. Silva DD, Sousa ML, Wada RS. Saúde bucal em adultos e idosos na cidade de Rio Claro, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2004; 2:626- 31.

13. Colussi CF, Freitas SF, Calvo MC. Perfil epidemiológico da cárie e do uso e necessidade de prótese na população idosa de Biguaçu, Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol. 2004; 1:88-97.

14. Costa AM, Guimarães MC, Pedrosa SF, Nóbrega OT, Bezerra AC. Perfil da condição bucal de idosas do Distrito Federal. Ciênc Saúde Coletiva. 2010; 15:2207-13.

15. Moreira RS, Nico LS, Tomita NE, Ruiz T. A saúde bucal do idoso brasileiro: revisão sistemática sobre o quadro epidemiológico e acesso aos serviços de saúde bucal. Cad Saúde Pública. 2005; 21:1665-75.

16. Viegas Y, Viegas AR. Prevalência de cárie dental em Barretos, SP, Brasil, após dezesseis anos de fluoretação da água de abastecimento público. Rev Saúde Pública. 1988; 22:25-35.

17. Frazão P, Antunes JL, Narvai PC. Perda dentária precoce em adultos de 35 a 44 anos de idade. Estado de São Paulo, Brasil, 1998. Rev Bras Epidemiol. 2003; 6:49-57.

18. Campos MT, Monteiro JB, Ornelas AP. Fatores que afetam o consumo alimentar e a nutrição do idoso. Rev Nutr. 2000; 13:157-65.

19. Ferreira AA, Piuvezam G, Werner CW, Alves MS. A dor e a perda dentária: representações sociais do cuidado à saúde bucal. Ciênc Saúde Coletiva. 2006; 11:211-8.

20. Fiske J, Davis DM, Frances C, Gelbier S. The emotional effects of tooth loss in dentulous people. Br Dent J. 1998; 184:90-3.

21. Jones JA, Orner MB, Spiro A, Kressin NR. Tooth loss and dentures: patient's perspectives. Int Dent J. 2003; 53:327-34.

22. Martins AM, Barreto SM, Pordeus IA. Características associadas ao uso de serviços odontológicos entre idosos dentados e edentados no Sudeste do Brasil: Projeto SB Brasil. Cad Saúde Pública. 2008; 24:81-92.

23. Moreira RS, Nico LS, Souza ML. Fatores associados à necessidade subjetiva de tratamento odontológico em idosos brasileiros. Cad Saúde Pública. 2009; 25:2661-71.

24. The World Oral Health report 2003. [acesso em 2010 maio 24]. Disponível em: http://www.who.int/oral_health/media/en/orh_report03_en.pdf.

25. Declaração de Alma Ata. [acesso em 2010 maio 25]. Disponível em: http://www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf.

26. Baldani MH, Narvai PC, Antunes JL. Cárie dentária e condições sócio-econômicas no Estado do Paraná, Brasil, 1996. Cad Saúde Pública. 2002; 8:755-63.

 

 

Autor correspondente:
Angela Xavier
Al. Octávio Pinheiro Brisola, 9-75
CEP 17012-901 - Bauru - SP - Brasil

E-mail: dra.axavier@gmail.com

Recebido em 03/10/2010 - Aceito em 17/02/2011