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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.66 n.4 Sao Paulo Oct./Dec. 2012

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Lesão central de células gigantes: relato de um caso clínico

 

Case report: central giant cell granuloma

 

 

Carlos Eduardo Xavier dos Santos Ribeiro da SilvaI; Adriana HechtII; Francisco Octávio Teixeira PaccaIII; Fabio Pedraza da SilvaIV; Artur CerriV; André Carvalho RodriguesVI; Daniela Marti CostaVII

IEspecialista e mesre em Estomatologia, doutor pelo Depto. de Cirurgia e Pescoço da Unifesp - Professor doutor das disciplinas de Semiologia e Propedêutica da Unisa
IICirurgiã-Dentista pela Faculdade de Odontologia da Universidade de Santo Amaro (Unisa)
IIIDoutor em Estomatologia pela Universidade de São Paulo (USP) - Professor Colaborador da Unisa
IVCirurgião-Dentista pela Unisa - Aluno do curso de Especialização em Implantodontia da Universidade Paulista de São Paulo
VDoutor em Estomatologia pela USP - Diretor da Escola de Aperfeiçoamento Profissional (EAP) da APCD
VIEspecialista em Estomatologia e Radiologia Odontológica - Coordenador do Serviço de Radiologia da EAP APCD
VIIMestre em Diagnostico por Imagem da Unifesp - Professora da Disciplina de Propedêutica Clínica da Unisa

Autor para correspondência:

 

 


RESUMO

A lesão central de células gigantes (LCCG) é própria dos ossos gnáticos, sendo um tumor benigno não odontogênico. É uma lesão de crescimento predominantemente lento, bem circunscrito e assintomático, geralmente diagnosticado através de algum exame de rotina ou em casos mais avançados quando se começa a visualizar alguma alteração estético-anatômica ou a paciente se queixando de algum desconforto localizado na região. Este trabalho apresenta um caso clínico de lesão central de células gigantes em um paciente do sexo feminino de 36 anos de idade com uma lesão na região de pré-molares inferior direita. Após avaliação radiográfica, da tomografia, exames sanguíneos e biópsia incisional, foi realizada a curetagem da lesão sob anestesia geral, sem sinais de recidiva após dois anos de proservação.

Descritores: granuloma de células gigantes; células gigantes; doenças mandibulares medicina bucal


ABSTRACT

The Central Giant Cell Granuloma (CGCG) is a typical lesion of the gnathic bones, being a benign non odontogenic tumor. It is a lesion of predominantly slow growth, well circumscribed and asymptomatic, usually diagnosed through a routine examination or in more advanced cases when the patient feels some kind of discomfort and when the patient's aesthetics are affected. This paper presents a clinical case of central giant cell granuloma on a 36 year old patient with the lesion on the right lower premolars region. After radiography, tomography, blood tests and incisional biopsy, the curettage of the lesion was performed under general anaesthesia with no signs of the tumor after 2 years of follow-up.

Descriptors: giant cells granuloma; giant cell; mandible oral medicine


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

É importante que o Cirurgião-Dentista tenha conhecimento das características clínicas e radiográficas das principais doenças ósseas que acometem o complexo maxilo-mandibular, e que podem produzir perda de dentes e outras sequelas importantes ao paciente.

 

INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Lesão Central de Células Gigantes (LCCG), que também pode ser denominada Granuloma Central de Células Gigantes ou ainda como Tumor Central de Células Gigantes, é definida como uma lesão benigna intraóssea que consiste em tecido fibroso com focos múltiplos de hemorragia, agregação de células gigantes multinucleadas e, ocasionalmente trabéculas de tecido ósseo.

Apesar de ter uma etiologia desconhecida e controvérsias quanto à terminologia e à classificação, alguns autores afirmam que esta doença teria relação com a ocorrência de uma hemorragia intramedular devido a algum tipo de trauma; embora nem sempre se obtenha essa história de trauma local1. Ocorre predominantemente entre a segunda e terceira década de vida, o que não impede que seja encontrada em outras faixas etárias. Tem uma maior incidência no gênero feminino e na mandíbula e envolve com certa frequência a região de pré-molares e molares, embora algumas vezes a mesma possa ultrapassar a linha média2.

Dentre as doenças ósseas não odontogênicas que acometem o complexo maxilo-mandibular, a LCCG é uma das mais frequentes3.

Essas doenças podem ser classificadas como agressivas ou não agressivas de acordo com sua manifestação clínica. As lesões agressivas possuem crescimento rápido, expansão de corticais, sensação dolorosa, alta taxa de recidiva e, em alguns casos, reabsorção das raízes dos dentes envolvidos pela lesão. Já as lesões não agressivas caracterizam-se pelo crescimento lento, sem a expansão de corticais, baixo índice de recidivas e não promove reabsorção radicular4.

As corticais ósseas ficam adelgaçadas, mas a sua perfuração bem como a expansão para tecidos moles é pouco frequente, desta forma, o exame à palpação mostra uma área de expansão dura, podendo apresentar certa flexibilidade.

Radiograficamente, apresentam-se com aspecto radiolúcido, uni ou multilocular que geralmente é atravessada por espículas ósseas; sendo as bordas da lesão relatadas como bem definidas. A movimentação dentária, reabsorção radicular, expansão e perfuração da cortical óssea, também são possíveis achados radiográficos5.

Histologicamente, são encontrados frequentemente macrófagos carregados de hemossiderina, assim como eritrócitos extravasados. Células gigantes multinucleadas estão presentes ao longo do estroma de tecido conjuntivo fibroso frouxo intercalado com muitos fibroblastos em proliferação e frequentemente agregados em redor dos vasos e pequenos capilares6.

No diagnóstico diferencial da lesão central de células gigantes podem ser citados: O amelobastoma, cisto ósseo aneurismático, displasia fibrosa, manifestações do hiperparatireoidismo, querubismo, queratocisto odontogênico, mixoma, cisto ósseo traumático, lesões periapicais, cistos periapicais; sendo necessária a realização de exames complementares, tais como: tomografia computadorizada, biópsia incisional e exames bioquímicos dos valores séricos de cálcio, fosfatase alcalina e fósforo, para excluir ou não os indicativos de hiperparatireoidismo.

Quanto ao tratamento, deve-se considerar as características físicas da lesão, em especial o tamanho e proximidade com estruturas anatômicas importantes, além da inclusão ou não de elementos dentais, sendo o tratamento de eleoção a enucleação e a curetagem cirúrgica, utilizando-se de enxertos ósseos e implantes dentários para reabilitar as áreas acometidas pela lesão. Porém as iniciações deverão respeitar as particularidades de cada caso. Nas situações onde a lesão apresenta-se em sua forma agressiva, as intervenções mais invasivas como ressecção em bloco, parcial ou total, sendo acompanhada de reconstrução com enxerto autógeno da crista do osso ilíaco devem ser consideradas. Pode ocorrer também a necessidade de tratamento endodôntico pré ou pós cirúrgico7.

Estudos relatam bons resultados com injeções intralesionais de corticoides, porém esse tratamento é contraindicado em pacientes imunodeprimidos, com diabetes ou com predisposiçãoà infecções8. Em alguns casos a curetagem tem sido associadaà criocirurgia e alguns autores ainda discutem a possibilidade da utilização de injeção de calcitonina e interferon-alfa8,9.

A radioterapia está contraindicada, pois há evidências de transformação maligna para osteosarcoma, ainda que em porcentagem mínima9.

A idade do paciente e o tamanho da lesão no tempo de tratamento inicial influenciam na frequência da recidiva; sendo mais comum a recidiva em crianças e pacientes mais jovens2,10,11.

 

RELATO DE CASO

Paciente leucoderma, 36 anos de idade, gênero feminino, apresentou-se para tratamento odontológico com grande aumento de volume facial na região lateral direita da mandíbula. Relatou que o crescimento ocorreu de forma assintomática e que nos últimos meses sentia formigamentos esporádicos no lábio, que aumentou com o passar do tempo.

Ao exame clínico observou-se um edema intraoral que se encontrava na região vestibular de molares e pré-molares inferiores (Foto 1). A gengiva e mucosa apesar de bem edemaciada apresentavam cor e textura normais. À palpação o edema era bem consistente, porém com alguma flexibilidade. Foi solicitada radiografia panorâmica (Foto 1) que apresentava uma lesão extensa, circunscrita e multilocular. Diante deste aspecto radiográfico osteolítico importante foi solicitada tomografia computadorizada para melhor avaliação da lesão (Fotos 3, 4 e 5).

Na tomografia observou-se que o tumor era mais extenso do que sua apresentação na radiografia, mostrando com clareza o tamanho da massa tumoral e a grande fenestração óssea proporcionada pelo mesmo, principalmente por vestibular.

Foi realizada uma biópsia incisional, tendo como diagnóstico final: Granuloma central de células gigantes (Foto 6).

O procedimento cirúrgico para exérese do mesmo foi realizado sob anestesia geral com entubação nasal. Foi feita ampla incisão intrassulcular da vestibular do incisivo central inferior direito (com uma relaxante em sua mesial) até o segundo molar inferior direito (Foto 7). Com o descolamento do retalho observou-se a exposição da lesão, em função da fenestração da tabua óssea vestibular. Executou-se, então, criteriosa curetagem removendo-se toda massa tumoral (Fotos 8 e 9).

Após o término da remoção da lesão e curetagem criteriosa da tábua óssea o retalho foi suturado através de pontos simples (Foto 10).

Para o preenchimento da cavidade foi utilizado um enxerto sintético de hidroxiapatita nano-particulada (Ostin 35®) recoberto por uma membrana de colágeno (GenDerm®), a fim de que não se tivesse a invaginação de tecido mole para o interior da cavidade.

O pós-operatório transcorreu dentro dos padrões de normalidade e sem nenhuma complicação.

Optou-se pela manutenção dos dentes da paciente pela sua idade e pelo comprometimento estético e funcional significativo que acarretaria para a mesma, tanto em sua vida social quanto profissional, mesmo cientes do potencial de recidiva desta lesão. Este aspecto foi obviamente discutido com a paciente sobre os riscos de se manter os elementos dentais em questão.

Foi solicitado também com o objetivo profilático, o tratamento endodôntico pré-operatório dos dentes 42, 43, 44 e 45.

Após dois anos de proservação e acompanhamento a paciente encontra-se sem sinais de recidiva no local (Foto 11).

 

DISCUSSÃO

A eleição do tratamento da Lesão Central de Células Gigantes dependerá da história da evolução da doença, da idade do paciente, das características clínicas da lesão e do seu grau de agressividade. Alguns autores citam terapias alternativas ao tratamento cirúrgico como injeções locais de calcitonina, corticoide e interferon-alfa, porém sem apresentar evidências científicas conclusivas de seu mecanismo de ação3,8,9,10,11.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É consenso na literatura pesquisada, que a abordagem cirúrgica com sua ressecção completa, com margem de segurança das lesões centrais de células gigantes é o tratamento de eleição e a terapia com maiores possibilidades de sucesso do tratamento2,5,9. No caso apresentado optou-se por tratamento cirúrgico conservador, sem exodontias, nem ressecção em bloco, através de vigorosa curetagem da região e enxerto ósseo a fim de se preservar ao máximo as estruturas anatômicas da paciente, sem prejuízo da remoção completa da doença. Tal opção foi exaustivamente discutida com a mesma, expondo-se de forma clara e precisa as possibilidades de recidiva, bem como os riscos e benefícios do tratamento conservador.

 

CONCLUSÃO

O tratamento da LCCG deve basear-se no comportamento clínico da lesão, localização da mesma e idade do paciente. Apesar das inúmeras possibilidades de tratamento, a ressecção local ainda é aquela que apresenta maiores taxas de sucesso, menor ocorrência de recidivas e menos mutilação do paciente.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

• Tratamento conservador de doenças que afetam os ossos da face;
• Reconstrução imediata após o tratamento de doenças ósseas que provoquem sequelas na maxila e mandíbula.

 

REFERÊNCIAS

1. Aragão M. S., Pinto L. P., Nonaka C. F. W., Freitas R. A., Souza L. B. Estudo clínico e histopatológico de lesões centrais de células gigantes e tumores de células gigantes. Cienc. Odontológica Brasileira abr./ jun. 2006; 9 (2): 75 – 82.

2. Trento C. L., Castro E. V. F. L. de, França D. C. C., Hernandes F. T., Veltrini V., Castro A. L. de. Lesão de células gigantes central: relato de um caso. Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial out./ dez. 2009; 9 (40): 39 – 44.

3. Grandi G., Maito F. D. M., Rados P. V., Sant'Ana Filho M. Estudo epidemiológico das lesões ósseas diagnosticadas no serviço de patologia bucal da PUCRS. Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial abril/ junho 2005; 5 (2): 67 – 74.

4. Neville B. W. ET al. Patologia Oral e Maxilofacial. Guanabara Koogan 2ª edição: Rio de Janeiro, 2004, 798p.         [ Links ]

5. Noleto J. W., Marchiori E., Sampaio R. K., Irion K. L., Collares F. B. Aspectos radiológicos e epidemiológicos do granuloma central de células gigantes. Radiologia Brasileira 2007; 40 (3): 167 – 171.

6. Kayatt, F. E., Garcia Junior I. R., Kayatt D. L., Ocampos V. A. B., Lacoski M. K. Tumor central de células gigantes: reporte de um caso y revisión de La literatura. Acta Odontológica Venezoelana 2008; 46 (4): 01 – 08.

7. Nadini F., Godoy H., Ferrari L. Tumor central de células gigantes mandibular: reporte de um caso y revisión de la literatura. RAOA abril/ mayo 2006; 94 (2): 149 – 153.

8. Suarez-Roa Mde L; Reveiz L; Ruiz-Godoy Rivera LM; Asbun-Bojalil J; Davila-Serapio JE; Menjivar-Rubio AH; Meneses-Garcia A.; Interventions for central giant cell granuloma (CGCG) of the jaws. Cochrane Database Syst Rev; (4):, 2009        [ Links ]

9. De Corso E; Politi M; Marchese MR; Pirronti T; Ricci R; Paludetti G.; Advanced giant cell reparative granuloma of the mandible: radiological features and surgical treatment. Acta Otorhinolaryngol Ital; 26(3): 168-72, 2006 Jun        [ Links ]

10. Triantafillidou K; Venetis G; Karakinaris G; Iordanidis F.; Central giant cell granuloma of the jaws: a clinical study of 17 cases and a review of the literature. Ann Otol Rhinol Laryngol; 120(3): 167-74, 2011 Mar        [ Links ]

11. Nicolai G; Lore B; Mariani G; Bollero P; De Marinis L; Calabrese L.; Central giant cell granuloma of the jaws. J Craniofac Surg; 21(2): 383-6, 2010 Mar.         [ Links ]

 

 

Autor para correspondência:
Carlos Eduardo X. S. Ribeiro da Silva
Rua Pelotas, 358
Vila Mariana – São Paulo – SP
04012-001
Brasil
l
e-mail: dreduardosilva@terra.com.br

Recebido em: Agosto/12
Aprovado em: Outubro/12