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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 n.2 Sao Paulo  2013

 

AUTOR CONVIDADO

 

Fluoretação da água e insuficiências no sistema de informação da política de vigilância à saúde

 

Water fluoridation and shortcomings within information system for the health surveillance policy

 

 

Paulo FrazãoI; Carlos Cesar da Silva SoaresII; Grasiele Fretta FernandesIII; Regina Auxiliadora de Amorim MarquesIV; Paulo Capel NarvaiV

I Professor Associado do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
II Especialista em Odontologia em Saúde Coletiva - Membro do Centro Colaborador em Vigilância da Saúde Bucal do Ministério da Saúde da Universidade de São Paulo
III Mestre em Saúde Pública pela USP - Membro do Centro Colaborador em Vigilância da Saúde Bucal do Ministério da Saúde da Universidade de São Paulo
IV Doutor em Saúde Pública pela USP - Membro do Centro Colaborador do Ministério da Saúde em Vigilância da Saúde Bucal da Universidade de São Paulo
V Doutor e Livre-Docente pela USP - Professor Titular do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Controle da qualidade da água consumida pela população é atribuição do Programa de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, e o fluoreto é um dos parâmetros registrados pelo Sistema de Informação (SISAGUA). Objetivo: Analisar a adequação do instrumento utilizado pelo SISAGUA, para registro de dados relacionados ao fluoreto e dimensionar sua cobertura no território brasileiro. Método: Foram utilizadas técnicas de análise documental, com descrição e crítica do conteúdo relacionado especificamente com o parâmetro fluoreto a partir de relatórios obtidos nas páginas do sistema na rede mundial de computadores. Dados fornecidos pelo Ministério da Saúde relativos à alimentação do sistema no ano de 2008 foram analisados segundo características dos municípios. Resultados: Constatou-se subalimentação e ausência dos dados requeridos para ações de vigilância. Em 2008, 62,7% (n=3.489) dos municípios brasileiros não estava cadastrado ou não alimentava o sistema ao menos quatro vezes/ano. Falta de cadastro e de alimentação do sistema foi associada a municípios com piores indicadores sanitários, econômicos e de desenvolvimento humano. O teor de fluoreto, em mg/L, é informado no sistema por meio dos valores médio mensal e máximo mensal. Muitos municípios informam apenas a média mensal gerando estatísticas insuficientes para avaliar a adequação dos teores. O sistema não possibilita identificar interrupções no processo da fluoretação. Conclusão: Há problemas com a estrutura do SISAGUA e com o seu uso pelos municípios. Em decorrência, os dados disponíveis são insuficientes para a vigilância da fluoretação da água, recomendando-se alterações no sistema, com vistas ao seu aperfeiçoamento e cumprimento da finalidade.

Descritores: Água Potável; Fluoretação; Vigilância; Sistemas de Informação; Política de Saúde.


ABSTRACT

The control of drinking water quality in Brazil is due to the Drinking Water Quality Surveillance Program and the fluoride is one of the parameters monitored by the information system (SISAGUA). Objective. To analyze the appropriateness of the tool used by SISAGUA for registering of data related to fluoride and to estimate its coverage in Brazil. Method. Procedures of documental analysis and description of the content related to fluoride parameter based on outputs provided by electronic system were utilized. Data obtained from Brazilian Ministry of Health related to system feeding at 2008 were analyzed according to characteristics at municipal level. Results. Underfeeding and lack of required data for surveillance were observed. In 2008, 62.7% (n=3,489) of Brazilian municipalities was not registered or did not feed the system at least four times per year. Lack of register and system feeding was associated to worst indicators of sanitary, economic and human development at municipal level. The concentration of fluoride, in mg/L, is informed within the system by monthly average and maximum values. Many counties inform only monthly average values generating insufficient statistics for fluoride concentration assessment. The system does not enable to identify interruptions of water fluoridation. Conclusion. The structure and use of SISAGUA showed problems at level municipal. The available data are insufficient for water fluoridation surveillance. Changes for improving the information system are strongly recommended.

Descriptors: Drinking Water; Fluoridation; Surveillance; Information Systems; Health Public Policy.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Há problemas com a estrutura do SISAGUA e com o seu uso pelos municípios. Em decorrência, os dados disponíveis são insuficientes para a vigilância da fluoretação da água, recomendando-se alterações no sistema, com vistas ao seu aperfeiçoamento e cumprimento da finalidade.

 

INTRODUÇÃO

Dispor de água para consumo humano de boa qualidade é aspiração de todos os povos e objetivo estratégico de todos os governos, que se expressa na implementação de políticas públicas que têm no saneamento um pilar importante da proteção social. No Brasil, o controle da qualidade da água consumida pela população é atribuição do Programa Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano (VIGIAGUA), coordenado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Consiste no conjunto de ações adotadas continuamente pelas autoridades de saúde pública, para garantir que a água consumida pela população seja segura segundo padrão e normas estabelecidas na legislação vigente1.

O ajuste do teor de fluoreto nas águas de consumo tem sido utilizado como método de prevenção da cárie dentária em vários países, desde 1945, tendo sido considerado, nos Estados Unidos, pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), como uma das dez grandes conquistas da saúde pública no século XX, por ser um método de grande abrangência, beneficiar todos os grupos socioeconômicos e ter excelente relação custo-benefício. Para o CDC, o poder preventivo da água fluoretada varia entre 40% a 70% em crianças, a depender da prevalência de cárie, além de reduzir a perda dentária em adultos2.

A cárie dentária no Brasil, a despeito da redução da taxa de prevalência aos 12 anos de idade, de 96,3% para 68,9% entre 1980 e 2003, é desigualmente distribuída na população e uma pequena proporção dos indivíduos concentra a maior carga da doença3.

Na Pesquisa Nacional de Saúde Bucal realizada em 2010, o valor médio de dentes atacados pela cárie, aos 12 anos, foi estimado em 2,2 dentes atingidos por adolescente, com ampla variação nas capitais: em Porto Velho, mais de quatro dentes por indivíduo estavam atingidos pela doença, enquanto em Florianópolis, menos de um dente, em média, por adolescente4. Entre as possíveis hipóteses para essa desigualdade, pode ser destacada, entre outros aspectos, a ampla variação nas taxas de cobertura da fluoretação das águas de abastecimento3.

A fluoretação da água de abastecimento público é, desde 1974, medida obrigatória nos locais em que exista Estação de Tratamento de Água5. Em 2004, a fluoretação foi inscrita como parte da Política Nacional de Saúde, reafirmando-se a necessidade do desenvolvimento de ações intersetoriais para expandir a medida em todo o território, garantir sua continuidade e controle por meio de sistemas de vigilância compatíveis6, cuja organização compete aos órgãos de gestão do Sistema Único de Saúde1.

Segundo o Ministério da Saúde, mais de 100 milhões de pessoas em todo o país são beneficiadas pela medida7. Contudo, não se dispõe de informações fidedignas para avaliar a extensão da cobertura dessa política pública intersetorial em todo o território nacional. Os dados disponíveis resultam de processos de coleta relativamente imprecisos e não validados com o emprego de técnicas adequadas.

O VIGIAGUA tem o monitoramento dos teores de fluoreto na água de abastecimento como parte de suas atribuições. O Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA) foi desenvolvido pelo VIGIAGUA com o objetivo de produzir, analisar e disseminar dados sobre a qualidade da água para consumo humano, de acordo com os padrões de potabilidade, criando condições para a prática da vigilância da qualidade da água por parte das secretarias municipais e estaduais de saúde. Ele foi concebido para sistematizar as informações cadastrais das diversas formas de abastecimento de água (sistemas públicos, privados e de soluções alternativas coletivas e individuais); propiciar a prática da vigilância da qualidade da água para consumo humano pelo gestor municipal, auxiliando a identificar as situações de risco e a tomada de decisão sobre ações preventivas e corretivas, e disseminar as informações de forma a socializá-las junto aos órgãos públicos e à sociedade civil organizada. O sistema deveria funcionar em rede iniciando na instância municipal, passando pela estadual e chegando à esfera federal.

A concentração de fluoreto é um dos parâmetros para avaliar a qualidade da água8. Junto com outros parâmetros como turbidez, cloro residual, colimetria, agrotóxicos e mercúrio, o fluoreto é um indicador devido ao fato de sua adição/ajuste às águas ser etapa obrigatória em sistemas de abastecimento público no Brasil. O monitoramento dos teores de fluoreto é uma importante tarefa da vigilância em saúde9. Para garantir resultados seguros, os teores de flúor devem estar dentro de faixas recomendadas cientificamente8, de forma estável e constante, sem interrupções10. Assim, é indispensável que se realize o controle da medida, por parte das instituições do Estado, através do chamado heterocontrole5.

A partir dos dados armazenados nesse sistema, é possível a construção de indicadores para o diagnóstico e o monitoramento em saúde. Na sua ausência, torna-se impossível planejar, implementar e avaliar práticas de saúde, tampouco comunicar e divulgar dados a quem necessita conhecê-los, e exercer a vigilância em todas as suas dimensões. Para tanto, o instrumento de registro deve apresentar campos de preenchimento que atendam às necessidades de informação. Além disso, o sistema de informação deve compreender em seu desenho, rotinas para verificação da validade, confiabilidade e completude dos dados, ser oportuno, apresentar baixo grau de subnotificação e alta cobertura11.

No presente estudo analisou-se a adequação do instrumento utilizado pelo SISAGUA, para registro de dados relacionados ao fluoreto e procedeu-se ao dimensionamento da cobertura desses registros no território brasileiro.

 

MATERIAL E MÉTODO

A análise da adequação do instrumento de coleta de dados utilizado pelo SISAGUA para vigilância dos teores do fluoreto foi realizada com base no conteúdo das páginas do sistema na rede mundial de computadores. Foram utilizadas técnicas de análise documental, com descrição e crítica do conteúdo relacionado ao parâmetro fluoreto. Além da autorização para acesso ao sistema, o Ministério da Saúde forneceu os dados registrados em 2008, quando o SISAGUA completava quatro anos decorridos de sua implantação, tempo considerado suficiente para o propósito analítico deste estudo.

O SISAGUA disponibilizado em base eletrônica foi estruturado visando fornecer informações sobre a qualidade da água proveniente dos sistemas de abastecimento de água (SAA), soluções alternativas coletivas (SAC) e soluções alternativas individuais (SAI), sendo composto por três módulos de entrada de dados: cadastro, controle e vigilância. Sua concepção baseou-se na definição de indicadores sanitários utilizados na prevenção e controle de doenças e agravos relacionados ao saneamento12. Na Figura 1 encontram-se os campos referentes ao parâmetro fluoreto, existentes nos três módulos.

 

 

 

PROCESSAMENTO DE DADOS

Foram apurados os registros relativos a cada município que alimentou o módulo controle em 2008. Municípios com menos de quatro registros no ano foram considerados municípios cadastrados que não alimentavam adequadamente o sistema. O número de registros lançados durante o ano por município e a média dos valores registrados de concentração de fluoreto foram apurados. Para isso, o código do município foi adotado como chave primária. Em seguida, usando o recurso da tabela dinâmica oferecido pelo aplicativo Microsoft Excel v.2010, foi construída uma rotina para quantificar o número de registros e para calcular a média dos valores registrados por município. Os dados apurados foram transcritos para uma planilha contendo todos os municípios brasileiros.

CLASSIFICAÇÃO DOS MUNICÍPIOS

Para quantificar a cobertura dos dados registrados, os municípios foram classificados em cinco classes. As duas primeiras dizem respeito aos não cadastrados ao sistema, e aos cadastrados que não alimentavam o sistema, admitindo-se que representam situações que exigem ação no âmbito do processo de pactuação da gestão entre os entes federativos do SUS. A classe intermediária refere-se aos municípios que apresentavam valores médios de concentração de fluoreto de 0,000 a 0,944 mgF/L, situação que não representa risco a saúde dentária8. A quarta classe é representada pelos municípios cuja concentração variava entre 0,945 e 1,544 mgF/L, situação que pode indicar a exigência do planejamento de ações de monitoramento dos teores, em curto prazo10. Na quinta classe foram incluídos aqueles com concentração acima de 1,544 mgF/L, o que pode indicar a exigência de uma imediata ação de vigilância, devido à água ser considerada imprópria para o consumo1.

A consistência dos dados contidos nessa planilha foi verificada, checando-se por sorteio vinte unidades de observação em cada classe, e apenas um erro de classificação foi encontrado. O banco para análise dos dados foi construído com base nessa planilha, sendo incluídas as variáveis descritas a seguir.

VARIÁVEIS DO ESTUDO

As classes de municípios foram analisadas segundo: a região do país; a unidade da federação; o porte demográfico (<10mil, 10 a <50mil, e 50 mil e + habitantes); o nível de saúde (medido pelo coeficiente de mortalidade em menores de um ano de idade); o produto interno bruto per capita em 2008; e o índice de desenvolvimento humano (IDH) e seus componentes de renda, longevidade e educação calculados para o ano 2000.

ANÁLISE

A frequência absoluta e relativa dos municípios segundo as variáveis de estudo foi apurada. Em seguida, foi avaliada a relação entre as classes de municípios segundo o cadastro com o sistema e os valores médios da concentração de fluoreto informada e as características ligadas ao nível de saúde, a riqueza produzida e aos indicadores de desenvolvimento humano. Dada a não aderência à curva normal, foi empregado o teste de Kruskal-Wallis para verificar diferenças entre os valores médios. Para rejeitar a hipótese de nulidade foi adotado o valor de p<0,05.

 

RESULTADOS

A análise do instrumento de coleta dos dados do parâmetro fluoreto empregado pelo SISAGUA indica que o teor é mensurado em miligramas por litro (mg/L), e registrado no sistema a partir de cada amostra de água informada no módulo de Vigilância-Monitoramento do SAA, SAC ou SAI. Este módulo contém campos distribuídos em três partes: 1) Sistema de Abastecimento de Água - SAA; 2) Informações de Campo sobre Amostra de Água (Secretaria Municipal de Saúde); e, 3) Informações a serem prestadas pelo Laboratório – Frequência Mensal. No bloco 1, relativo ao SAA, são identificados a unidade federativa, o município, o código do município, o nome do SAA, e o mês/ano. Na parte 2, constam dados sobre a data da coleta da água, o ponto de coleta, o endereço do ponto, as coordenadas geográficas do ponto de coleta de água (longitude e latitude, em decimais), e o número da amostra de água. Na parte 3, que contempla as informações prestadas mensalmente pelo respectivo laboratório de apoio às atividades de vigilância no âmbito municipal, são registrados dados obtidos para os seguintes parâmetros: a) Turbidez; b) Fluoreto; c) Coliforme total; e, d) Coliforme termotolerante ou Escherichia coli.

O SISAGUA possibilita gerar vários tipos de relatórios gerenciais de controle, que se referem aos três tipos de sistema ou solução alternativa de abastecimento (SAA, SAC ou SAI). Tais relatórios podem ser consolidados por mês, semestre ou ano, e por município ou Unidade Federativa. Os dados são sumarizados em quatro campos, a saber: a) Número de amostras realizadas; b) Número de amostras fora dos padrões; c) Fluoreto média mensal (mg/L); e d) Fluoreto máximo mensal (mg/L), e se referem a dois âmbitos: 1) Saída do Tratamento; e, 2) Sistema de Distribuição. Os relatórios gerenciais do SISAGUA utilizam o Valor Máximo Permitido (VMP) para o parâmetro Fluoreto, fixado em 1,5 mg/L1.

Os dados para o parâmetro fluoreto são sumarizados (linha) nos relatórios de acompanhamento e controle, segundo as seguintes colunas, comuns aos demais parâmetros: VMP, Amostras Obrigatórios (número para a respectiva UF), Amostras realizadas (número segundo SAA, SAC, SAI e total), Percentual de cumprimento com a Diretriz Nacional, Percentual de amostras realizadas em conformidade com a Portaria (segundo SAA, SAC e SAI). Para as colunas SAC e SAI há indicação de que esse parâmetro (fluoreto) "não se aplica".

Em relação à cobertura do sistema, verificou-se que, para o ano de 2008, cerca de metade dos municípios brasileiros (50,4%), não estavam cadastrados e 12,3%, embora cadastrados, não alimentaram o sistema ao menos quatro vezes por ano, totalizando 3.489 municípios (62,7%). As maiores proporções de municípios não cadastrados encontravam-se nas regiões Norte e Nordeste. Nas demais regiões, destacaram-se Rio de Janeiro e São Paulo com mais de 50% dos municípios não cadastrados. No estado de Alagoas, apenas 6,9% dos municípios não estavam cadastrados, contudo 88,2% do total não informava adequadamente o sistema. No Mato Grosso do Sul e em Sergipe, 47,4% e 38,7% dos municípios, respectivamente, encontravam-se nessa condição (Tabela 1).

Do total de municípios (5.564), cerca de um em cada três (27,7%) apresentou valores médios de concentração de fluoreto entre 0,000 a 0,944 mgF/L, intervalo de valores que não representa risco à saúde dentária da população; 445 (8,0%) municípios apresentaram informação (0,945 a 1,544 mgF/L) que exigiria o planejamento de ações de monitoramento dos teores em curto prazo; e 89 (1,6%) tinham registros (>1,544 mgF/L) que exigiriam uma imediata ação de vigilância.

Na Tabela 2, é apresentada a distribuição dos municípios segundo o cadastro no sistema e os valores médios da concentração de fluoreto informada por região e porte demográfico. Maiores porcentagens de municípios não cadastrados foram encontrados entre aqueles com menos de 10 mil habitantes. Chama a atenção que, nas situações que exigiriam imediata ação de vigilância (>1,544 mgF/L na água), estavam incluídos 10 municípios com 50 mil habitantes ou mais, sendo quatro deles na região Sul, quatro no Sudeste e dois no Nordeste.

Os valores médios relativos ao nível de saúde, à riqueza produzida, e aos indicadores de desenvolvimento humano foram comparados entre as cinco classes de municípios (Tabela 3). Foram observadas diferenças estatisticamente significativas mostrando que a falta de cadastro e de alimentação do sistema foi associada a municípios com piores indicadores sanitários, econômicos e de desenvolvimento.

 

DISCUSSÃO

O modo como o teor de fluoreto aferido em cada amostra é registrado no SISAGUA apresenta adequações e inadequações, tendo por referência os conhecimentos sobre a tecnologia de fluoretação da água como fator de proteção contra a cárie dentária. É adequado mensurar o teor de fluoreto em miligramas por litro (mg/L), mas a vigilância da fluoretação, praticada no mais alto nível de qualidade, requer considerar se o fluoreto presente na amostra é o naturalmente existente nela ou se foi agregado à água no processo de tratamento13. Para o fluoreto de ocorrência natural, pode-se aceitar o VMP tal como definido no Brasil, uma vez que não se justificaria, sobretudo em contextos de escassez de água, restringir, por exemplo, o uso de águas com 1,3 mg F/L ou 1,4 mg F/L. Concentração de fluoreto natural de 1,5 mg F/L é tolerável para consumo no Brasil se não houver tecnologia de custo-benefício aceitável para ajuste/remoção do seu excesso. A ingestão diária de água com fluoreto em concentração >0,9 mg F/L representa risco à dentição em menores de oito anos de idade8. Por isso, no caso de fluoreto agregado, o VMP não deveria ser superior a 0,9 mg F/L, pois não há justificativa técnica para, no contexto brasileiro, ajustar os teores de fluoreto nas águas para valores superiores a 0,9 mgF/L10. Assim, o SISAGUA ganharia em qualidade da informação gerada a partir do sistema, caso considerasse também o "tipo de fluoreto" em consideração na respectiva amostra (natural ou agregado).

A utilização do critério de média mensal (mg F/L) para aferir o teor de fluoreto é adequada para a vigilância quando as amostras representam um território abastecido por uma Estação de Tratamento, e há distinção entre amostras de água coletada na "Saída do Tratamento", e de água obtida no "Sistema de Distribuição". Entretanto,para municípios com mais de uma Estação de Tratamento, o registro de um único valor médio mensal é inapropriado. A obtenção de uma média mensal de 0,7 mg F/L tanto pode se referir a um contexto unimodal de exposição da população a águas (contexto A), em que o teor tenha oscilado em torno de 0,7 mg F/L ao longo do mês, quanto a contextos em que os teores flutuem de modo bimodal, com uma moda em torno de 0,1 mg F/L e outra moda em torno de 1,4 mg F/L (contexto B). É fácil deduzir que, no contexto A, a média indica o que se espera do sistema de vigilância, com a maioria das amostras se situando em torno do valor ótimo. Mas, no contexto B, a média mensal oculta a existência de dois contextos distintos, um de subexposição e outro de superexposição. Detectadas essas situações, ações de monitoramento diário, no sentido de monitorização11, deveriam ser empreendidas para aprofundar o diagnóstico do problema10.

 

 

 

Merece consideração o número de amostras preconizado para a vigilância da fluoretação. Levando em conta os custos da aferição da concentração de fluoreto em cada amostra para a vigilância da fluoretação no sistema de distribuição, esse número pode ser inferior ao que vem sendo preconizado nas normas brasileiras sobre vigilância da água para consumo humano. Conforme consenso técnico, na vigilância da fluoretação, os intervalos entre as aferições podem diferir dos intervalos para outros parâmetros. A eventual impossibilidade de aferir o teor de flúor com a mesma frequência adotada para outros parâmetros não deve inviabilizar a inclusão da vigilância da fluoretação nos sistemas de vigilância da água, pois, para este fim, pode ser suficiente a obtenção de uma amostra por mês de água proveniente de cada sistema de tratamento, independente do porte demográfico do território atingido pelo sistema. Contudo, levando-se em conta a conveniência de não depender de uma única amostra, recomenda-se a obtenção de pelo menos três amostras por mês de cada sistema ou Estação de Tratamento, obtidas no mesmo dia em diferentes pontos do território abastecido pelo respectivo sistema. Dessa forma, no período de um ano devem ser obtidas pelo menos 36 amostras de um determinado sistema10.

 

 

 

Considerando a alimentação de pelo menos quatro vezes por ano, os registros do SISAGUA mostraram que sua cobertura alcançou no ano de 2008 cerca de apenas 40% dos municípios brasileiros, sendo menor nos municípios com piores indicadores sanitários, econômicos e de desenvolvimento. Assim, pode-se afirmar que a efetividade de desempenho do sistema de informaçãoé baixa para fins de vigilância do parâmetro fluoreto.

Investigando 249 SAA no estado de Illinois, nos Estados Unidos da América, Kuthy et al.14 mostraram que as áreas menos populosas reportaram taxas mais elevadas de desconformidade. No Brasil, Cesa et al.15 encontraram sete capitais que referiram coletar amostras para análise de flúor, entre dezessete capitais que fluoretavam suas águas, em 2005. Dessas, apenas cinco consolidaram no SISAGUA os resultados de suas análises.

Os relatórios gerados pelo SISAGUA ainda não permitem avaliar as ações desenvolvidas, pouco contribuindo para melhorar a qualidade da gestão da vigilância sanitária nas três esferas de governo.

Não há campos no SISAGUA para registros referentes a interrupções no processo da fluoretação, seja quanto à ocorrência em si, seja quanto ao período da interrupção. Como a medida tem sua ação dependente da continuidade de exposição por muitos meses e anos, e da manutenção de teores adequados, o fluoreto deveria ser um parâmetro obrigatório nas ações de vigilância da qualidade de água, tendo em vista que a fluoretação é regulamentada e obrigatória para todos os sistemas de abastecimento de água providos por pelo menos uma estação de tratamento.

Tais resultados indicam ausência de funcionalidade do SISAGUA quanto ao parâmetro fluoreto, pois as ferramentas e indicadores utilizados para seu acompanhamento e controle, em termos de vigilância à saúde, são ainda insuficientes e inadequados, requerendo aperfeiçoamentos quanto à estrutura e frequência de entrada de dados, de modo a torná-lo mais adequado às necessidades dos gestores de saúde.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há problemas com a estrutura do SISAGUA e com o seu uso pelos municípios. Em decorrência, os dados disponíveis são insuficientes para a vigilância da fluoretação da água, recomendando-se alterações no sistema, com vistas ao seu aperfeiçoamento e cumprimento da finalidade.

Tendo em vista a necessidade de constante aperfeiçoamento dos sistemas de informação e os esforços para melhorar a qualidade do programa brasileiro de vigilância da qualidade da água, recomenda-se que os gestores cumpram a pactuação entre as esferas de governo a fim de assegurar que as análises relacionadas com a qualidade da água, e o parâmetro fluoreto sejam realizadas com rigor técnico, e informadas periodicamente; e que os indicadores de fluoreto que vêm sendo utilizados sejam urgentemente revisados, substituindo-os por outros mais adequados à vigilância da fluoretação.

A fluoretação da água de abastecimento público é uma importante estratégia da política nacional para intervenção sobre as desigualdades em saúde bucal. Exige, no entanto, medidas de planejamento e constante aperfeiçoamento tanto por parte do setor saúde, quanto pelo setor ambiental. Sua adequada avaliação, planejamento e controle dependem de um sistema de informações que possibilite disponibilizar dados que servirão como base para o estabelecimento de políticas e prioridades do setor. Implementar um sistema de informações alicerçado em dados de acesso público, confiáveis, completos e que tenha funcionalidade aos que dele necessitam e nele transitam, é essencial para o sucesso dessa medida.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde por proporcionar acesso irrestrito ao SISAGUA; aos apoios de Gilberto Pucca, Coordenador de Saúde Bucal do Ministério da Saúde (MS) e de Moacir Paludetto, membro da equipe técnica da Coordenação Geral de Saúde Bucal do MS; à Renata Ximenes, mestre em Saúde Pública pela USP, por sua participação na pesquisa que deu origem ao presente estudo; e ao Leonardo Carnut, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da USP, pelo auxílio na análise de consistência da tabulação dos dados. O primeiro autor é pesquisador do CNPq (304251/2012-7).

 

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Endereço para correspondência:
Paulo Frazão
Av. Dr. Arnaldo, 715
Cerqueira Cesar - São Paulo - SP
01246-904
Brasil

e-mail:
pafrazao@usp.br