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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 n.2 Sao Paulo  2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Suporte Básico de Vida e Ressuscitação Cardiopulmonar em adultos: conceitos atuais e novas recomendações

 

Basic Life Support and Cardiopulmonar Ressuscitation for adults: latest guidelines and new recommendations

 

 

Gabriela VictorelliI; Juliana Cama RamacciatoII; Eduardo Dias de AndradeIII; José RanaliIV; Rogério Heládio Lopes MottaV

I Cirurgiã-Dentista e mestranda em Implantodontia da Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic
II Mestre e Doutora em Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Medicamentosa FOP-UNICAMP, Professora do Departamento de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Medicamentosa da Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic
III Mestre e Doutor em Odontologia, Professor Titular da Área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, UNICAMP
IV Mestre e Doutor em Odontologia, Professor Titular da Área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, UNICAMP
V Mestre e Doutor em Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Medicamentosa FOP-UNICAMP, Professor do Departamento de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Medicamentosa da Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Compete ao cirurgião-dentista reconhecer as situações de emergência que colocam em risco a saúde e a vida de seus pacientes, instituindo medidas de pronto atendimento. Entretanto, muitos destes profissionais se sentem inseguros para lidar com tais situações, algumas delas tão críticas que cada segundo desperdiçado pode levar à piora do quadro clínico, inclusive com risco de morte. Este artigo tem por objetivo ressaltar a importância da capacitação do cirurgião-dentista em lidar com as emergências médicas, bem como apresentar as mais recentes diretrizes da American Heart Association em relação ao Suporte Básico de Vida e Ressuscitação Cardiopulmonar para pacientes adultos, complementadas pelas instruções de uso do desfiblilador automático externo.

Descritores: Emergências, Ressuscitação Cardiopulmonar, Suporte Básico de Vida.


ABSTRACT

Dentists are responsible for recognize and need to be prepared to deal with medical emergencies during dental procedures, which include the knowledge in basic life support (BLS), cardiopulmonar ressuscitation (CPR) and the use of an automated external deffibrilator (AED). This study guide is intended to give the reader a focused review of the importance of the training in BLS and CPR, informing the modifications of the latest guidelines of American Heart Association for adult patients.

Descriptors: Emergencies, Cardiopulmonar ressuscitation, Basic life support.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

O cirurgião-dentista deve ser estimulado a buscar conhecimento com relação às emergências médicas, inclusive se habilitando para realizar as manobras de suporte básico de vida (SBV) e de ressuscitação cardiopulmonar (RCP).

 

INTRODUÇÃO

O tema "emergências médicas" sempre foi pouco valorizado nos currículos dos cursos de graduação em Odontologia, talvez pela crença de que tais situações são de rara ocorrência. Atualmente, porém, com a criação de novas técnicas diagnósticas e modalidades terapêuticas na Medicina e o consequente aumento da expectativa de vida da população, o cirurgião-dentista passou a atender pacientes idosos com maior frequência, cuja maioria é portadora de doenças cardiovasculares ou outras desordens crônicas1.

Nestes pacientes, o controle eficaz da ansiedade e da dor durante o procedimento odontológico é de vital importância para a prevenção de intercorrências de caráter emergencial2. Além do estresse emocional não controlado e da dor "inesperada", outros fatores podem contribuir para precipitar uma situação de emergência no consultório, como o uso concomitante de fármacos (incluindo drogas ilícitas) que podem interagir com os vasoconstritores adrenérgicos contidos nas soluções anestésicas3.

Alguns autores avaliaram a incidência e prevalência das emergências médicas em consultórios odontológicos. Num levantamento relacionado ao tema, 300 dentistas britânicos foram questionados sobre a ocorrência de quadros de emergência durante um período de 12 meses, respondendo que a maior prevalência foi de síncope vasovagal (desmaio) em 596 pacientes, representando 63% dos casos. Outras situações apontadas, em ordem decrescente de incidência, foram: dor no peito, devido à crise de angina pectoris (12%), hipoglicemia (10%), crise convulsiva (10%), crise asmática (5%), obstrução das vias aéreas (5%) e apenas um caso de parada cardíaca4.

No Brasil, foram realizados poucos estudos sobre o grau de conhecimento do cirurgião-dentista em relação às emergências médicas, e suas habilidades para manejá-las. Em uma pesquisa feita com 506 profissionais do Estado de Santa Catarina, demonstraram que os participantes da amostra reconheciam a importância do tema, mas sentiam-se despreparados para solucionar uma emergência médica. Quanto à incidência destas situações no consultório, as mais relatadas foram lipotímia e síncope, crise hipertensiva, reação adversa aos anestésicos locais e hipoglicemia5.

Outro grupo de pesquisadores entrevistaram 498 dentistas brasileiros em relação a seu preparo para lidar com emergências médicas e realizar suporte básico de vida. Os autores constataram que aproximadamente 75% dos profissionais não se sentem capazes de lidar com situações graves, como infarto do miocárdio, anafilaxia e acidentes vasculares encefálicos (AVE). Além disso, quase 60% da amostra afirmaram que não sabem realizar as manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP), pela falta de aprendizado da técnica durante o curso de graduação ou de informações atualizadas sobre o tema. Pode-se, então, dizer que dois fatos são notórios: as emergências médicas podem ocorrer durante o atendimento odontológico e boa parte dos cirurgiões-dentistas não possui formação adequada para atuar neste tipo de ocorrência6.

Como qualquer outro profissional de saúde, o cirurgião-dentista deve ser estimulado a buscar conhecimento com relação às emergências médicas, inclusive se habilitando para realizar as manobras de suporte básico de vida (SBV) e de ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Desta forma, o objetivo deste artigo é fornecer uma visão geral das atuais diretrizes destas manobras para pacientes adultos.

Suporte básico de vida (SBV)

Como o próprio nome sugere, constitui-se de procedimentos básicos que garantam a ventilação pulmonar e a circulação sanguínea de indivíduos que estão passando mal, até sua recuperação ou até que possam receber cuidados médicos avançados.

O SBV inclui até mesmo o reconhecimento imediato de um quadro de parada cardíaca, o acionamento precoce do serviço médico de urgência (como o SAMU, por exemplo), o início imediato das manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e a rápida utilização de um desfibrilador externo automático (DEA).

Como os protocolos de SBV e RCP são atualizados?

O Comitê Internacional de Ressuscitação (ILCOR), formado em 1992, ofereceu a oportunidade para as principais associações mundiais em ressuscitação trabalharem em conjunto para estabelecer os protocolos de SBV e RCP. Este Comitê tem agora a missão de revisar estudos científicos e conhecimentos pertinentes aos cuidados com as emergências cardiovasculares e à RCP, orientando as associações que cuidam do tema.

A cada cinco anos é realizada uma conferência internacional para estabelecer um consenso mundial sobre SBV e RCP, a partir do qual cada associação determina o seu próprio, considerando as características geográficas, econômicas e a disponibilidade de artigos médicos e medicamentos. Baseado nisso, o European Resuscitation Council (Conselho Europeu de Ressuscitação) e a American Heart Association (AHA) publicaram os Guidelines 2010, que trazem as novas recomendações para a execução das manobras de SBV, com importantes mudanças em relação ao protocolo anterior7.

O paciente aparenta estar passando mal. Como agir?

A primeira medida ao lidar com um paciente que está passando mal é avaliar o ambiente no qual ela se encontra, para se certificar de que não há risco para o socorrista e a própria vítima, o que é difícil ocorrer no ambiente do consultório.

De imediato, deve-se avaliar a responsividade da vítima (nível de consciência), colocando-se as duas mãos sobre seus ombros da vítima, uma de cada lado, provocando um estímulo físico suave e ao mesmo tempo perguntando - "Você está bem?". Caso a vítima responda mesmo que de forma incompreensível para o momento, isto pode ser considerado como um sinal de consciência, indicando presença de sinais vitais (respiração e pulso), ainda que estes possam estar alterados.

Nesse caso, deve-se procurar fazer o diagnóstico diferencial, baseando-se na anamnese prévia e nos sinais e sintomas observados perante a situação emergencial. As medidas de pronto atendimento serão estabelecidas em função do tipo de ocorrência, como oferecer uma solução açucarada no caso de hipoglicemia.

Quando o paciente não responde aos estímulos físicos ou verbais (estado de inconsciência), deverão ser tomadas medidas que visam, em última análise, a manutenção das condições respiratórias e circulatórias da vítima. Neste momento é recomendado que o cirurgião-dentista chame por socorro no local e mobilize sua equipe de trabalho, já pensando na distribuição de tarefas, como a necessidade de acionar um serviço de atendimento de urgência8,9.

Avaliação da respiração

A primeira conduta, muito enfatizada pelas novas diretrizes de2010, diz respeito à pronta avaliação da presença e qualidade da respiração da vítima. Assim, sem perda de tempo, deve-se colocar uma das mãos espalmada sobre a testa e o indicador e o dedo médio da outra mão sob o mento, forçando cuidadosamente a mandíbula para cima, evitando-se a pressão nos tecidos moles submandibulares7.

A avaliação da respiração não admite desperdício de tempo. O socorrista deve aproximar seu rosto da região da boca e nariz do socorrido, de modo que possa, simultaneamente, sentir na pele o fluxo de ar, ouvir os ruídos de respiração e observar os movimentos do tórax. Esta avaliação deve durar no máximo 10 segundos. Respiração agônica ("gasping") pode ser considerada como ineficaz.

Se a vítima apresentar uma respiração eficaz, basta mantê-la deitada de costas, elevar os membros inferiores numa posição de 10 a 15 graus acima da cabeça (cerca de 30 cm) e aguardar a recuperação, que deve ocorrer após 2 a 3 minutos nos casos de lipotimia seguida de síncope (desmaio comum). A administração de oxigênio (5L/min) propicia uma mais rápida recuperação.

Se a vítima não estiver respirando ou apresentar respiração agônica, estamos frente a um sinal eminente de parada cardíaca. Nesse caso, o socorrista deve acionar imediatamente o socorro de urgência e solicitar um desfibrilador automático externo (DEA). A respiração agônica é identificada por inspirações espaçadas e ineficazes, que criam sons do tipo grunhido ou ressonar e que desaparecem após 2 a 3 minutos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Qual é a sequência de manobras de Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP)?

As diretrizes anteriores da American Heart Association (2005) recomendavam o ABC da reanimação, sigla utilizada até mesmo para facilitar a memorização da sequência de manobras: A = airway, ou abertura das vias aéreas, B = breathing, proceder às ventilações de resgate e C = circulation, iniciar as compressões torácicas para fazer o sangue circular10.

Com as novas diretrizes de 2010, a recomendação agora é de se pensar na sigla CAB, onde C = compressões torácicas; A = abertura das vias aéreas e B = ventilar, ou seja, a RCP deve ter início pelas compressões torácicas, seguidas da liberação das vias aéreas e ventilações de resgate. A justificativa para esta mudança é que, na sequência anterior, muitos socorristas demoravam em avaliar a respiração, perdendo um tempo precioso para iniciar as compressões torácicas em caso de parada cardíaca7.

A recomendação atual é de que todos os socorristas, leigos ou habilitados, devem realizar compressões torácicas em vítimas com parada cardíaca. É enfatizada a qualidade das compressões, a frequência mínima de 100 compressões em um minuto e a forma de minimizar as interrupções da manobra.

Os socorristas leigos devem realizar apenas as compressões torácicas, caso não saibam ou tenham receio em fazer a ventilação boca-a-boca em desconhecidos, pelo suposto risco de transmissão de algum tipo de doença infecciosa. Os socorristas treinados, por sua vez, devem também propiciar a assistência ventilatória eficaz, intercaladas com as compressões, porém sem perda de tempo.

Deve-se concordar que é melhor fazer somente as compressões torácicas numa vítima de PCR do que não se fazer nada. De fato, durante os primeiros minutos do quadro de fibrilação ventricular, muito comum em colapsos cardíacos, a assistência ventilatória provavelmente não é tão importante quanto às compressões torácicas.

De qualquer forma, o sucesso da RCP está intimamente relacionado com o tempo decorrido entre a parada cardiorrespiratória e o início das manobras, uma vez que a morte cerebral inicia-se cerca de 4 a 5 minutos após a parada cardíaca. A chance de sobrevivência de uma vítima diminui em torno de 10% a cada minuto de atraso no início das manobras de compressão torácica e ventilação. Mesmo que a RCP tenha sido executada com absoluta correção, de acordo com a técnica preconizada, a taxa de sucesso nas paradas cardíacas ocorridas fora do ambiente hospitalar é relativamente baixa (em torno de 40%).

Como a fibrilação ventricular está presente em cerca de 70 a 80 % dos casos de parada cardíaca, o uso de um desfibrilador externo automático é de grande utilidade para a reversão do quadro, portanto o acesso a esse dispositivo deve ser o mais rápido possível, com o posterior encaminhamento para cuidados avançados por parte da equipe médica.

Além de problemas associados a anormalidades no ritmo cardíaco, a parada cardiorrespiratória pode ser causada em decorrência de acidentes envolvendo eletrocussão, asfixia e afogamento,
sendo a RCP essencial para o salvamento destas vítimas.

Os quadros 1 e 2, respectivamente, mostram os passos das manobras de compressão cardíaca e de ventilação boca a boca, em adultos.

 

 

 

 

 

 

 

Observações

1) Em caso de parada cardíaca, para a realização da RCP o ideal é que a vítima esteja deitada sobre uma superfície rígida, como o chão. Portanto, diante da necessidade de realização destas manobras no consultório, o paciente deve ser preferencialmente retirado da cadeira odontológica.
2) Cabe lembrar que todos os objetos na cavidade oral devem ser removidos. Roupas e acessórios que dificultam a respiração também devem ser removidos ou afrouxados. Em vítimas de trauma, devido o risco de lesão à medula, a manobra de hiperextensão da musculatura do pescoço não deve ser executada, bastando fazer o tracionamento da mandíbula para liberar as vias aéreas.
3) Uma vez iniciadas as compressões torácicas, elas não podem mais ser interrompidas. Portanto, se você estiver sozinho, o socorro de urgência deve ser acionado antes de se iniciar as manobras.
4) Se o socorrista resolver também ventilar a vítima (método boca a boca), a relação a ser obedecida é de 30:2, ou seja, 30 compressões para cada 2 ventilações de resgate.
5) As manobras de RCP só poderão ser interrompidas frente a 3 situações: na chegada de um desfibrilador, na chegada do socorro de urgência ou caso a vítima apresente algum tipo de reação (movimentos, tosse etc.)

Como utilizar o Desfibrilador Externo Automático (DEA)

O treinamento para empregar o DEA é atualmente disponível para os cirurgiões-dentistas brasileiros, por meio de cursos de suporte básico de vida para provedores de saúde.

Ao abrir o dispositivo, o socorrista encontrará dois eletrodos para serem posicionados no tórax da vítima. Os eletrodos têm diagramas que retratam locais corretos para colocação, sendo que um eletrodo é colocado à direita do osso esterno, logo abaixo da clavícula. O outro eletrodo é colocado lateralmente do mamilo esquerdo, com a distância aproximada de um palmo em relação à axila. A figura 6 mostra a posição correta da colocação dos eletrodos em adultos. Os eletrodos têm na parte inferior almofadas autoadesivas que devem ser pressionadas firmemente para garantir o contato direto com a pele da vítima. Em indivíduos hirsutas, a depilação rápida pode ter que ser realizada para garantir o contato com os eletrodos recomenda-se que todos os consultórios odontológicos devam ter acesso imediato a um Desfibrilador Automático Externo (DEA), pois a chance de sobrevida de uma vítima de parada cardíaca aumenta consideravelmente11,12.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressaltando os pontos mais importantes abordados neste artigo, o cirurgião-dentista deve considerar na sua prática clínica:

• A realização de uma anamnese detalhada, com avaliação dos sinais vitais em todas as consultas para todos os pacientes, a fim de reconhecer situações de riscos e evitar possíveis emergências médicas no consultório;
• A participação em treinamentos periódicos (recomendada a cada 2 anos), inclusive para toda a esquipe de trabalho, em cursos de capacitação em SBV e RCP, bem como para a utilização de um DEA.
• Possuir um kit básico de primeiros socorros no consultório odontológico preconizado pela literatura mundial, assim como estar familiarizado com os equipamentos, medicamentos e vias de administração;
• Ter o acesso mais rápido de um DEA no consultório, o que aumenta a perspectiva de reversão do quadro de parada cardíaca e as chances de sobrevida da vítima.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Rogério Heládio Lopes Motta
Rua José Rocha Junqueira, 13
Campinas – SP
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e-mail:
rogeriomotta@yahoo.com

 

Recebido em: Mai/2013
Aprovado em: Mai/2013