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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 n.2 Sao Paulo Apr./Jun. 2014

 

 

Como as pesquisas de excelência em Implantodontia e engenharia de tecido ósseo podem contribuir para a reabilitação bucal?

 

How the research excellence in implantology and bone tissue engineering can contribute for the oral rehabilitation?

 

Adalberto Luiz Rosa I; Márcio Mateus Beloti II

I Bolsista produtividade em pesquisa 1B – CNPq
II Bolsista produtividade em pesquisa 2 – CNPq

 

Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2010, o índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) da população brasileira entre 65 e 74 anos de idade era 27,9 e que 23,9% tinha a necessidade de prótese total em pelo menos um dos maxilares. Na população com idade variando entre 35 e 44 anos, o índice CPOD era 17,2 e 68,8% necessitavam de algum tipo de prótese, parcial ou total. Essas informações mostram que o edentulismo é, ainda, um grande desafio para os Cirurgiões-Dentistas no Brasil e evidenciam a relevância de pesquisas com vistas à melhoria dos resultados de procedimentos necessários à reabilitação bucal dessa população. Visando contribuir para essa reabilitação, nosso grupo de pesquisa, Biomateriais para Implante em Tecido Ósseo, registrado no CNPq, tem como foco o estudo das interações entre o tecido ósseo e os biomateriais empregados como substitutos ósseos ou dentários. Nesse cenário, nossas pesquisas são realizadas nas áreas de Implantodontia e engenharia de tecido ósseo, utilizando modelos de culturas de células-tronco e osteoblásticas de ratos, camundongos e humanos, bem como diversos modelos animais.

Na implantodontia, a biocompatibilidade está fortemente associada às respostas do tecido ósseo à superfície do biomaterial (Ziats et al., 1988). O titânio (Ti) é o biomaterial mais frequentemente usado para a fabricação de implantes por apresentar excelentes propriedades mecânicas e biológicas. Sabe-se que a proporção de contato direto entre osso e Ti é influenciada por parâmetros clínicos, como condições do leito hospedeiro, técnica cirúrgica e utilização de carga, e por características do implante, como a topografia e a química de superfície (Albrektsson & Johansson, 1991). Nesse contexto, modificações de superfície de Ti são amplamente abordadas na literatura e podem ser classificadas como morfológicas, bioquímicas e físico-químicas (Puleo & Nanci, 1999).

Alguns estudos mostraram que, no âmbito das alterações morfológicas, associações de topografias nas escalas micro e submicrométrica favorecem a mineralização da matriz extracelular e características nanotopográficas estimulam a formação óssea em contato com o implante (Meirelles et al., 2008; Wieland et al., 2005). Nosso grupo tem estudado superfícies de Ti com nanotopografia obtidas por um método simples baseado em desoxidação e reoxidação controladas, por meio de condicionamento químico com solução de H2SO4/H2O2 (Vetrone et al., 2009). Essa nanotopografia acelera e/ou aumenta a formação de nódulos de matriz mineralizada, quando comparada à superfície não tratada, em culturas de células derivadas de calvária de ratos, indicando uma maior diferenciação osteoblástica (de Oliveira et al., 2007). Também observamos que o efeito osteoindutor da nanotopografia se deve, ao menos em parte, à ativação das vias de sinalização da integrina a1b1 (Rosa et al., 2014) e das proteínas ósseas morfogenéticas (Kato et al., 2014).

Estratégias para promover modificações bioquímicas envolvem a imobilização de moléculas sobre a superfície de Ti. Entre as moléculas utilizadas, o colágeno do tipo I tem sido a mais promissora por se tratar da proteína estrutural mais abundante no tecido ósseo e por seu papel fundamental como mediadora de atividades osteoblásticas, como diferenciação e síntese de matriz extracelular (Mizuno et al., 2000). A imobilização de colágeno pode ser obtida por ligação covalente, método que permite a formação de uma camada homogênea sobre a superfície de Ti (Morra et al., 2011). Nossos resultados mostram que essa modificação de superfície de Ti favorece a diferenciação in vitro, durante a fase de maturação da matriz extracelular, de osteoblastos derivados de osso alveolar humano e a osseointegração de implantes in vivo, avaliada por métodos histomorfométrico, bioquímico e molecular (Sverzut et al., 2012a; de Assis et al., 2009).

Modificações físico-químicas baseadas na deposição de fosfatos de cálcio (CaP), entre os quais a hidroxiapatita (HA), sobre superfícies de Ti, têm sido amplamente investigadas em função da similaridade desses CaP com os componentes minerais do tecido ósseo (Puleo & Nanci, 1999). Experimentos realizados por nosso grupo mostraram que superfícies de Ti modificadas por anodização, em solução de íons cálcio e fosfato, favorecem a expressão gênica de marcadores osteoblásticos no tecido ósseo quando implantadas em mandíbula de cães (Sverzut et al., 2012b). A técnica de deposição assistida por feixes de íons permite a incorporação de prata à camada de HA, o que poderia reduzir as falhas decorrentes de contaminação bacteriana, visto que a prata inibe a adesão de bactérias a superfícies de implantes (Bai et al., 2010).

As modificações de superfícies acima mencionadas têm como objetivo melhorar o processo de osseointegração de implantes de Ti. No entanto, em diversas situações clínicas, previamente à colocação de implantes dentários, são necessários procedimentos para promover e/ou acelerar a reparação do tecido ósseo. Atualmente, os enxertos autógenos são considerados o padrão ouro, mas a limitada disponibilidade e as morbidades associadas à obtenção desses enxertos representam contraindicações à sua ampla utilização clínica. Nesse contexto, a engenharia de tecidos, definida como "um campo interdisciplinar que aplica os princípios da engenharia e das ciências da vida para o desenvolvimento de substitutos biológicos que restaurem, mantenham e/ou melhorem as funções teciduais" (Langer & Vacanti, 1993), tem sido proposta como tratamento potencial para o reparo de defeitos ósseos (Rosa et al., 2008). Nosso grupo tem como estratégia a utilização de dois elementos fundamentais em engenharia de tecidos: (1) células, como elementos capazes de formar tecido ósseo e (2) biomateriais, como arcabouços para carrear as células para os defeitos ósseos. Nossos estudos são focados em células-tronco, que apresentam potencial para diferenciação osteoblástica, e em células da linhagem osteoblástica (Beloti et al., 2011). Como arcabouços, temos investigado polímeros e vidros bioativos, que apresentam biocompatibilidade e porosidade, com poros interconectados (Sicchieri et al., 2012; Alves et al., 2011).

Resultados do nosso grupo mostraram que o diâmetro dos poros de arcabouços constituídos de ácido poliláctico-co-glicólico (PLGA) e CaP afeta a formação óssea quando implantados em defeitos de calvária de ratos (Sicchieri et al., 2012). Aqueles com diâmetro de poros de aproximadamente 500 mm apresentaram maiores formação óssea e número de vasos sanguíneos quando comparados aos arcabouços com poros maiores (Sicchieri et al., 2012). Também observamos que o estágio de diferenciação celular afeta a formação óssea em defeitos de calvária de ratos implantados com arcabouços de PLGA-CaP associados a células (Beloti et al., 2012). Células-tronco ou células osteoblásticas em estágios iniciais de diferenciação associadas ao arcabouço favorecem a formação óssea quando comparadas às células osteoblásticas em estágios avançados de diferenciação (Beloti et al., 2012).

Os resultados aqui descritos representam avanços importantes nas áreas de Implantodontia e engenharia de tecido ósseo, no entanto, há ainda muitos aspectos a serem explorados em experimentos in vitro, pré-clínicos e clínicos, com o objetivo de viabilizar a reabilitação bucal da população por meio desses procedimentos.

 

REFERÊNCIAS

Albrektsson T, Johansson J. Quantified bone tissue reactions to various metallic materials with reference to the so-called osseointegration concept. In: Davies JE, Albrektsson T, eds. The Bone Biomaterial Interface, II volume, p.357-363. 1991. Toronto: University of Toronto Press.

Alves OC, de Oliveira FS, Fernandes RR, Zanotto ED, Peitl Filho O, Rosa AL, et al. Análise da diferenciação osteoblástica in vitro sobre superfícies de materiais vítreos bioativos. Braz Oral Res 2011;25:24.

Bai X, More K, Rouleau CM, Rabiei A. Functionally graded hydroxyapatite coatings doped with antibacterial components. Acta Biomater 2010;6:2264-73.

Beloti MM, Sicchieri LG, de Oliveira PT, Rosa AL. The Influence of osteoblast differentiation stage on bone formation in autogenously implanted cell-based PLGA/CaP constructs. Tissue Eng Part A 2012;18:999-1005.

Beloti MM, de Oliveira PT, Rosa AL. Engenharia de tecido ósseo em odontologia. Rev ABO Nac 2011;19 Supl 2:164-8.

De Assis AF, Beloti MM, Crippa GE, de Oliveira PT, Morra M, Rosa AL. Development of the osteoblastic phenotype in human alveolar bone-derived cells grown on a collagen type I-coated titanium surface. Clin Oral Implants Res 2009;20:240-6.

De Oliveira PT, Zalzal SF, Beloti MM, Rosa AL, Nanci A. Enhancement of in vitro osteogenesis on titanium by chemically produced nanotopography. J Biomed Mater Res A 2007;80:554-64.

Kato RB, Roy B, Oliveira FS, Ferraz EP, De Oliveira PT, Kemper AG, et al. Nanotopography directs mesenchymal stem cells to osteoblast lineage through regulation of microRNA-SMAD-BMP-2 circuit. J Cell Physiol DOI: 10.1002/jcp.24614.

Langer R, Vacanti JP. Tissue engineering. Science 1993;260:920-6.

Meirelles L, Melin L, Peltola T, Kjellin P, Kangasniemi I, Currie F, et al. Effect of hydroxyapatite and titania nanostructures on early in vivo bone response. Clin Implant Dent Relat Res 2008;10:245-54.

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Ziats NP, Miller KM, Anderson JM. In vitro and in vivo interactions of cells with biomaterials. Biomaterials 1988;9:5-13.

 

Endereço para correspondência:
Laboratório de Cultura de Células
Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo