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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 n.2 Sao Paulo Apr./Jun. 2014

 

 

Perfil bucal de pacientes oncológicos e controle de infecção em unidade de terapia intensiva

 

Oral profile of cancer patients and infection control in the intensive care unit

 

Juliana Rico Pires I; Carlos Deyver de Souza Queiroz II; Helio Massaiochi Tanimoto III; Sabrina Luzia Caetano IV; Ana Luiza Ribeiro de Oliveira Avi V; Deny Munari Trevisani VI; Elizangela Partata Zuza VII; Benedicto Egbert Corrêa de Toledo VIII

 

I Doutorado em Ciências Odontológicas - Professora doutora do curso de Odontologia e do Programa de Pós-Graduação, Nível Mestrado em Periodontia e Implantodontia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (Unifeb)
II Mestrado em Ciências Odontológicas - Cirurgião-Dentista da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos - Barretos/SP - Brasil
III Doutor em Odontologia - Professor doutor da Unifeb, coordenador do Departamento de Odontologia da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos - Barretos/SP - Brasil
IV Doutorado em Genética e melhoramento animal - Professora doutora da Unifeb
V Mestre em Ciências Odontológicas - Cirurgiã-Dentista da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos - Barretos/SP - Brasil
VI Doutorado - Professor doutor da Unifeb, Cirurgião-Dentista da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos - Barretos/SP - Brasil
VII Doutorado em Ciências Odontológicas - Professora doutora do Curso de Graduação e de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas da Unifeb
VIII Titular em Ciências Odontológicas - Professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas da Unifeb

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A frequência de biofilme bucal e de patógenos bucais e respiratórios tem sido maior em pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTIs). Objetivo: Avaliar o perfil bucal de pacientes oncológicos e o efeito dos cuidados bucais no controle de infecção em unidades de terapia intensiva (UTI) da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos, SP. Materiais e Métodos: No período de março a maio de 2011, 73 pacientes foram acompanhados durante o período de internação na UTI da Fundação Pio XII. Foi avaliado perfil bucal: dentes hígidos, restaurados e cariados, presença de biofilme dental, saburra lingual, eritema, úlcera, mucosite, candidíase e o efeito do tratamento da higiene bucal com clorexidina 0,12%, tratamento de candidíase com antifúngico e de mucosite com laser. O teste de Spearman verificou correlação entre os aspectos clínicos e o tempo de internação na UTI (α=0,05). Resultados: A taxa de letalidade foi de 21,9% após internação na UTI e estava relacionada com os maiores períodos de permanência na UTI (r=0,7; p=0,0003). Sendo decorrente em 25% à septicemia (r=0,74; p<0,0001) e em 12,5% à pneumonia nosocomial (r=0,46; p=0,03). Houve redução significante da frequência de biofilme dental (43,5%) e de saburra lingual (19,2%) com o protocolo proposto. Conclusão: O protocolo de diagnóstico e tratamento das alterações bucais em pacientes oncológicos durante internação em UTI foi capaz de reduzir o risco à infecção hospitalar, de diminuir a morbidade nesses pacientes e de melhorar a condição bucal dos mesmos.

Palavras-chave: unidades de terapia intensiva; índice de higiene oral; mucosite; serviço hospitalar de oncologia; infecção hospitalar


 

ABSTRACT

The frequency of oral biofilm and oral and respiratory pathogens has been higher in patients admitted to intensive care units (ICUs). The objective was to evaluate the oral profile of cancer patients and evaluate the effect of oral care in the control of infection in intensive care unit (ICU) of Pio XII Foundation - Cancer Hospital of Barretos, SP. From March to May 2011, 73 patients had been followed during the ICU stay of Pio XII Foundation. Oral profile: Healthy, restored and carious teeth, presence of dental plaque, tongue coating, erythema, ulcers, mucositis, candidiasis were analyzed. It was verified the effect of a oral care protocol involving diagnosis and treatment: oral hygiene was treated with 0.12% chlorhexidine, the candidiasis was treated by antifungal and the stomatitis was treated by laser. The Spearman test found correlation between clinical features and duration of ICU stay (α=0.05). The fatality rate was 21.9% after ICU admission and was associated with longer periods of stay in the ICU (r=0.7, p=0.0003). 25 % being due to septicemia (r=0.74 , p<0.0001) and 12.5% by nosocomial pneumonia (r=0.46 , p=0.03). A significant reduction in the frequency of dental biofilm (43.5%) and tongue coating (19.2%) was observed with the proposed protocol. It was concluded that the protocol of diagnosis and treatment of oral abnormalities in cancer patients during ICU stay was able to reduce the risk of hospital infection, to reduce morbidity in these patients and to improve the oral health status of them.

Keywords: intensive care units; oral hygiene index; stomatitis; oncology service, hospital; hospital infection control program


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Uma conduta odontológica adequada durante internação na UTI pode permitir diagnóstico precoce e prevenir a disseminação corporal de microrganismos patogênicos, especialmente em pacientes com imunossupressão decorrente de tratamento oncológico.

 

INTRODUÇÃO

A necessidade de tratamento intensivo em pacientes oncológico tem aumentado drasticamente.1 A própria neoplasia pode ocasionar complicações clínicas com risco imediato de vida, como na síndrome da lise tumoral espontânea, ou a compressão tumoral, que pode causar insuficiência respiratória, renal ou obstrução intestinal, levando o paciente à internação em UTI.2 Uma das mais importantes complicações das que se listam durante internação em unidades de terapia intensiva (UTIs) é a pneumonia hospitalar, também denominada pneumonia nosocomial, que segundo o Ministério da Saúde,3 é qualquer infecção adquirida após hospitalização do paciente.

A pneumonia nosocomial tem sido foco de crescente preocupação aos profissionais de saúde e aos órgãos públicos pelo fato de representar uma das infecções nosocomiais mais frequentes (10- 68%), perdendo somente para a infecção urinária,4 sua incidência é variável conforme população estudada e critério de diagnóstico, apresentando um valor estimado entre 5 e 15 casos por 1000 admissões hospitalares. Atualmente tem apresentado grande impacto público pelo fato dessas infecções ocasionarem altas taxas de morbidade e mortalidade, podendo atingir até 80% dos pacientes.4,5

Estudos recentes mostram que a quantidade de biofilme em pacientes de UTIs, aumenta com o tempo de internação, ao passo que também ocorre maior prevalência de patógenos respiratórios que colonizam o biofilme bucal.4,5 Autores6 relataram que a colonização microbiana presente na cavidade bucal, constituída de bactérias, vírus e fungos, representa metade da colonização encontrada em todo corpo humano.

Estudos comprovam que a colonização da orofaringe por microrganismos Gram-negativos de pacientes intubados, ocorre nas primeiras 48 a 72 horas após admissão nas UTIs. Sugerindo que tal fato ocorre devido às condições sistêmicas e bucais dos pacientes internados em UTIs, decorrente da falta de movimentação espontânea da língua, de hiposalivação, deglutição e da falta de habilidade motora para a escovação dentária.7,8 Ademais, a intubação orotraqueal ou até mesmo a alteração do estado mental dificultam ainda mais o controle da placa bacteriana.9

O biofilme encontrado na saburra lingual, no biofilme dental, na mucosa oral/ peribucal e no tubo orotraqueal, serve como reservatório de patógenos respiratórios5 e microrganismos oportunistas como as espécies de Candida ssp10 e vírus (Herpes simples).11 Além disso, aumentando o período de internação ocorre aumento do acúmulo de biofilme na cavidade bucal com excessiva proliferação microbiana, incluindo patógenos respiratórios que podem ser conduzidos à orofaringe, e atingir o trato pulmonar, diretamente através do tubo endotraqueal.12

Alguns autores13 relataram que a doença periodontal pode atuar como fator de disseminação de microrganismos patogênicos com efeitos metastático sistêmico. O estado de imunossupressão representado, por exemplo, por uma neutropenia decorrente de tratamento oncológico de radioterapia e quimioterapia, pode predispor ao risco de desenvolver infecção nosocomial.14

Considerando que a quantidade e a complexidade do biofilme bucal aumentam com o tempo de internação e, que por outro lado, o biofilme pode servir como reservatório permanente aos microrganismos; sugere- se que a colonização do biofilme bucal por patógenos, especialmente os respiratórios, pode ser uma fonte específica de infecção das vias aéreas superiores em UTIs, uma vez que as bactérias presentes na boca podem ser aspiradas para o ambiente pulmonar, levando às pneumonias por aspiração.5,9 Para controlar o risco de infecção bucal e sistêmica, estudos têm sugerido que métodos mecânicos e químicos utilizados para controlar o acúmulo de biofilme bucal pode reduzir a incidência de pneumonia nosocomial em pacientes com indicação cirúrgica.15,16

Frente ao exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar o perfil bucal de pacientes oncológicos e o efeito dos cuidados bucais no controle de infecção em unidades de terapia intensiva (UTI) da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos-SP.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos - SP (processo nº 12105/2012). O estudo foi delineado por meio de exame clínico dos pacientes internados nas unidades de terapia intensiva (UTIs) da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos-SP no período de março a maio de 2011, após autorização do paciente ou do responsável legal pelo mesmo.

As características bucais foram obtidas a partir do exame clínico bucal realizado pelos profissionais do programa odontológico hospitalar durante a permanência do paciente na UTI. A higiene bucal foi realizada pela equipe de enfermagem da UTI da Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos, a qual se apresentava previamente, treinada e capacitada para executar o protocolo de higiene bucal implantado no hospital desde 2008.

Os dados coletados incluíram número de dentes (hígidos, restaurados e cariados), presença de biofilme dental, saburra lingual, eritema, úlcera, mucosite e candidíase, além da verificação se o paciente fazia uso de próteses bucais, o tipo e localização da mesma. Durante a permanência do paciente na UTI, foi verificada presença de complicações clínicas sistêmicas, tais como, pneumonia nosocomial, insuficiência respiratória, insuficiência cardíaca, neutropenia, óbito e causa do mesmo. Independentemente do tempo de internação do paciente na UTI foram considerados os achados clínicos observados na primeira avaliação odontológica na UTI e na última avaliação odontológica antes da alta da UTI.

Dados clínicos

Para avaliação do grau de higiene dental, foi utilizado o Índice de Placa Bacteriana Simplificado (IPB-S)17 modificado, com o intuito de avaliar o acúmulo de resíduos (biofilme) nas faces vestibulares de seis dentes representativos (primeiros molares superiores e inferiores, direito e esquerdo, além do incisivo central superior direito e do incisivo central inferior esquerdo). Na ausência de algum dos dentes pré-selecionados, dentes permanentes totalmente erupcionados adjacentes eram escolhidos. O Índice de Placa Bacteriana Simplificado (IPB-S)17 é representado por escores que variam de 0 a 3, conforme ausência e/ ou presença de biofilme dental presente nos terços de cada superfície dental avaliada. Foram considerados: Escore 0 - Inexistência de biofilme dental (Ausente); Escore 1 - Biofilme dental cobrindo não mais que 1/3 da superfície dental (Pouca placa); Escore 2 - Biofilme dental cobrindo mais que 1/3 da superfície dental (Média placa) e Escore 3 - Biofilme dental cobrindo mais que 2/3 da superfície dental (Muita placa).

Procedeu-se o exame físico intrabucal para avaliar a ocorrência de algum tipo de lesão ou desvio de normalidade em tecidos moles, em especial, mucosa palatina, jugal, assoalho de boca, dorso lingual, lábios e mucosa labial, bem como verificar a presença de sinais sugestivos de comprometimento sistêmico ou dos tecidos duros.

O grau de mucosite foi estabelecido segundo a escala de graduação de mucosite oral da Organização Mundial de Saúde.18 Sendo considerado: Escore 0 - Inexistência de alteração (Ausente); Escore 1 - Presença de eritema, irritação, dor (Pouco eritema); Escore 2 - Presença de eritema e de úlceras em uma estrutura da cavidade bucal (Pouca úlcera); Escore 3 - Presença de úlceras em apenas duas estruturas da cavidade bucal (úlcera moderada) e Escore 4 - Presença de úlceras em três ou mais estruturas da cavidade bucal - A ingestão de sólidos ou de líquidos é impossível (muita úlcera).

Para determinação do índice de saburra lingual, foi realizado exame visual da presença da saburra lingual, classificando com Escore 0 - Inexistência de saburra lingual (Ausente) e Escore 1 - Saburra cobrindo de 1/3 a mais de 2/3 do dorso da língua.

A condição da mucosa bucal foi avaliada considerando a presença e a extensão de alterações na mucosa, como: lesão fúngica (presença de placas brancas raspáveis e/ ou eritema) e herpes (presença de lesões vesículo bolhosas na cavidade bucal), classificando com Escore 0 - Inexistência de lesão fúngica/ herpes (Ausente) e Escore 1 - Presença de lesão fúngica/ herpes.

O exame extrabucal utilizado foi baseado nos critérios de diagnóstico da Organização Mundial de Saúde.18 Observou-se bordas avermelhadas e comissuras na região peri-labial.

Orientações quanto à necessidade de tratamento
O protocolo de cuidados bucais e orientação já implantado para a equipe de enfermagem foi de higienização bucal a cada 8 horas (no mínimo 3 vezes ao dia), incluindo escovação dental, com escova de cerdas macias e creme dental (fornecidos pelo hospital), escovação da língua dos pacientes, uso de gaze estéril embebida em digluconato de clorexidina a 0,12%, quando da impossibilidade de uso de escova dental.

Na presença de biofilme dental, a equipe de Cirurgiões-Dentistas orientava a equipe de enfermagem para execução da higiene bucal nos três períodos de trabalho (a cada 8 horas), com a prescrição de manter a higiene (quando sem placa), melhorar a higiene (na presença de placa).

Na impossibilidade de higienizar com escova dentária e creme dental a equipe de enfermagem foi orientada a higienizar as estruturas bucais com gaze estéril embebida em digluconato de clorexidina a 0,12%, além de realizar a higiene da língua com escova dentária ou espátula de madeira.

Quando o paciente utilizava próteses removíveis e/ ou totais e na ausência de lesões na mucosa, a equipe de enfermagem foi orientada a remover a prótese, higienizar a mesma com escova dentária e higienizar a mucosa com gaze estéril embebida em digluconato de clorexidina a 0,12%. Na presença de alterações da normalidade na mucosa, a equipe de enfermagem foi orientada a retirar a prótese, suspendendo sua utilização durante a internação.

Adicionalmente, o tratamento de estomatite protética associada à candidíase consistiu na combinação de antifúngico tópico, como o miconazol 2% na forma de gel na frequência de duas a três vezes ao dia com duração de uma a duas semanas e orientação quanto à higienização da prótese.

As orientações para a equipe de enfermagem dependiam dos aspectos clínicos observados. Na ausência de alteração, a orientação clínica era de sem necessidade de conduta clínica, na presença de alteração verificada pelo cirurgião-dentista, o mesmo realizaria o tratamento.

Na presença de eritema realizou-se aplicação diária de laserterapia de baixa potência (660nm) por 10 segundos com 25 mW na região avermelhada, e orientação à equipe de enfermagem quanto à higene com gaze estéril embebida em digluconato de clorexidina a 0,12%.

Na presença de úlcera realizou-se aplicação diária de laserterapia de baixa potência (660nm) por 10 segundos com 25 mW na úlcera, e orientação da equipe de enfermagem quanto à higiene com gaze estéril embebida em digluconato de clorexidina a 0,12%.

Na presença de lesão fúngica realizou-se higiene com gaze estéril embebida em digluconato de clorexidina a 0,12%, e aplicação diária de laserterapia de baixa potência (660nm) por 10 segundos com 25 mW na área afetada, solicitação de avaliação da equipe médica e possível prescrição de antifúngico sistêmico.

Na presença de herpes, realizou-se aplicação do laserterapia de baixa potência 660nm por 10 segundos com 25 mW na área afetada pelo Cirurgião-Dentista, dose diária, solicitação avaliação da equipe médica e possível prescrição de antiviral sistêmico.

Análise Estatística
Após codificação de cada uma das variáveis de interesse, os dados foram submetidos ao teste de normalidade Shapiro-Wilk e a testes específicos (Qui-quadrado, Fisher e ANOVA, sendo p≤ 0,05). Para a análise de correlação entre a ocorrência de complicações bucais e sistêmicas, e o tempo de internação foi empregado do teste de Correlação de Spearman (α=0,05). Programa SPSS para o Windows® V. 19.0.

 

RESULTADOS

Para exposição dos resultados e visando atender ao propósito de avaliar as condições clínicas da cavidade bucal dos pacientes críticos foi decidido apresentar primeiramente, a caracterização dos pacientes críticos segundo presença ou não de dentes, sendo posteriormente apresentados os resultados de associação entre as condições clínicas e as co-morbidades, durante a internação na UTI.

Caracterização dos pacientes críticos

Considerando-se que os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a presença (dentados) ou ausência de dentes (edêntulos), pode-se dizer que os dois grupos apresentaram similaridade quanto ao número de indivíduos, gênero, idade média e predomínio da cor branca (Tabela 1). Apesar da similaridade da idade média entre os grupos, observou-se que o grupo de pacientes edêntulos apresentou frequência estatisticamente maior de indivíduos acima de 60 anos quando comparado ao grupo de pacientes dentados. Adicionalmente, os pacientes dentados apresentaram predomínio de maior grau de escolaridade (médio e superior). Este fato pode ser hipoteticamente justificado pela facilidade de acesso à educação atual devido, principalmente, ao incentivo governamental, e exigência do mercado de trabalho com relação à qualificação profissional.

Permanência na Unidade de Terapia Intensiva (UTI)

Considerando os motivos de internação, pode-se dizer que 61 pacientes, sendo 22 edêntulos e 39 dentados foram internados na UTI por indicação do tratamento oncológico cirúrgico, 5 pacientes foram internados por motivos não relatados, 7 pacientes foram internados devido à neutropenia (n=1, dentado), insuficiência respiratória (n=1, dentado), insuficiência renal (n=1, dentado e n=3, edêntulo) e septicemia (n=1, edêntulo).

Para verificar possível associação e/ ou correlação entre os achados durante a permanência do pacientes na UTI, foi realizado o teste de correlação de Spearman (α=0,05), utilizando a amostra total de pacientes (n=73), independente da presença ou não de dentes. Dessa forma, pode-se obervar que o período de internação na UTI foi diretamente proporcional a elevação de taxas de morbi-mortalidade dos pacientes críticos (r=0,69; p=0,0003). O tempo médio de permanência dos pacientes na UTI foi de 11,9 dias (máximo de 51 e mínimo de 1 dia). Dos 73 pacientes internados, dezesseis foram a óbito após 7,5 dias (máximo 8 e mínimo 7 dias) de internação.

Como resultado da diversidade de complicações adquiridas durante a permanência na UTI, observou-se que a maioria das infecções hospitalares manifestou-se como complicações naturais de pacientes debilitados. Durante a internação, as complicações desenvolvidas foram insuficiência renal (22,2%), insuficiência respiratória (13,9%), candidíase (8,3%), septicemia (36,1%) e pneumonia nosocomial (13,9%). A taxa de mortalidade foi de 21,9% após internação na UTI, entretanto, 62,5% destes pacientes foram à óbito decorrente de complicações da neoplasia pré-existente, 25% dos pacientes foram a óbito devido à septicemia e 12,5% devido à pneumonia nosocomial.

Perfil bucal do paciente na UTI

Com relação às características bucais dos pacientes, 57,5% eram dentados e 42,5% eram edêntulos. Somente 3 (7,1%) dos pacientes dentados foram submetidos ao tratamento odontológico previamente à internação. Todos os pacientes edêntulos (100%) utilizavam próteses totais superiores e inferiores, enquanto que 15 (41,7%) pacientes dentados faziam uso de próteses bucais. Oito pacientes dentados utilizavam prótese removível inferior, três (3) pacientes utilizavam prótese removível superior e inferior e 9 pacientes utilizavam prótese total superior.

Os pacientes dentados (57,5%) apresentavam média de 7,2 dentes (máximo de 32 e mínimo de 1 dente), sendo 2,6 dentes restaurados (máximo de 18 e mínimo de 0 dente) e 0,6 dentes cariados (máximo de 10 e mínimo de 0 dente).

Observou-se que 83% dos pacientes dentados apresentaram biofilme dental (escores de 1 a 3) no 1º. dia de avaliação. Entretanto, no último dia de avaliação, foi observado que 60,5% dos

 

 

 

pacientes não apresentaram biofilme dental (escore 0), ou seja, houve uma redução significativa de 43,5% na taxa de pacientes com biofilme (Tabela 2). Tal fato sugere que o tratamento de higiene bucal proposto no presente estudo, foi capaz de controlar a incidência de biofilme dental durante a internação na UTI.

Além da técnica de realização da higiene dental a condição clínica bucal dos pacientes foi supervisionada e monitorada diariamente por um cirurgião-dentista capacitado para esta finalidade. Dessa forma, observou- se que apesar da maioria dos pacientes apresentarem a mucosa saudável (89% com escore 0 de mucosite e 100% com escore 0 de lesão fúngica/ herpes), 52,1% dos pacientes apresentaram saburra lingual.

Na permanência do paciente na UTI, os mesmos foram submetidos a procedimentos diários de higiene da língua com escova dentária ou espátula de madeira para remoção da saburra lingual, sendo observada na última avaliação houve uma redução de 19,2% na frequência de pacientes com saburra lingual. Cerca de 11% dos pacientes que apresentaram mucosite/ úlceras (escores de 1 a 4) foram submetidos à aplicação de laserterapia e higiene com gaze estéril embebida em digluconato de clorexidina a 0,12%, diariamente. Entretanto, no último dia de avaliação, 22% desses pacientes apresentaram úlceras (escores de 1 a 4) (Tabela 2).

Correlação dos achados clínicos

Considerando o número de óbitos na UTI, pode-se verificar que a letalidade (pacientes que faleceram decorrente de infecção hospitalar) foi de 8,2%. Ressalta-se que a letalidade estava relacionada com os maiores períodos de permanência na UTI (r=0,7; p=0,0003) e consequente desenvolvimento de complicações clínicas, tais como, septicemia (r=0,74; p<0,0001), pneumonia nosocomial (r=0,46; p=0,03) e alterações bucais, tais como, presença de úlceras bucais (r=0,6; p=0,0045),

Foi observado que os pacientes edêntulos apresentavam proporcionalmente, maior idade (r=0,82; p<0,0001) e apresentaram durante a internação, elevação do índice de úlceras (r=0,7; p=0,0002). Estes achados possivelmente estão relacionados à utilização das próteses dentárias, as quais invariavelmente causam trauma em mucosa desidratada e/ ou ressecada devido à diminuição do fluxo salivar, condição esta persistente nos pacientes internados. Outros fatores possivelmente relacionados são a utilização de medicamentos com efeito xerostômico, sedação do pacientes com consequente permanência da boca entre-aberta e diminuição do reflexo de auto-limpeza.

 

DISCUSSÃO

No Brasil, o câncer representa a segunda causa de morte, representando quase 17% dos óbitos de causa conhecida, notificados em 2007 no Sistema de Informações sobre Mortalidade.3 Apresentando maior incidência nas regiões mais desenvolvidas, como por exemplo, na região noroeste do estado de São Paulo, com taxa de mortalidade de 38,4% entre 2000 e 2005,19 assim como observado no presente estudo.

Considerando os fatores de risco pode-se observar que a associação entre fumo e álcool foi o fator de risco mais frequente relacionado com o acometimento neoplásico (35,5%). Segundo Pinto,20 associações dessas substâncias (tabaco e álcool) apresentam efeito sinérgico, aumentando o risco em até 141,6 vezes para a ocorrência do câncer de boca, esôfago, faringe e laringe supraglótica em pacientes tabagistas inveterados e etilistas crônicos. Este fato hipoteticamente justifica a alta frequência de pacientes com neoplasia digestiva que apresentavam hábitos de fumar e beber.

O alto número de casos de pneumonia nosocomial nos pacientes está em concordância com alguns autores que relataram que a pneumonia nosocomial é uma das principais causas de morbidade e mortalidade dentre os pacientes internados,21 fato este também observado nos pacientes.

Em pacientes saudáveis, a limpeza mecânica dos dentes e a utilização de bochechos com antissépticos são fundamentais para prevenção de formação do biofilme bacteriano e manutenção da saúde

 

 

 

bucal.9 Visto que o biofilme encontrado na saburra lingual, no biofilme dental, na mucosa oral/peribucal e no tubo orotraqueal, serve como reservatório de patógenos respiratórios5 e microrganismos oportunistas como as espécies de Candida ssp.10 e vírus (Herpes simples).11

Entretanto, em pacientes internados em UTIs, os cuidados em relação a higiene bucal com procedimentos convencionais fica prejudicada e merece maior atenção. Fato este que justifica a aplicação do protocolo de cuidados bucais de acordo com as necessidades dos pacientes com intuito de prevenir complicações, como remoção de saburra lingual, limpeza das próteses bucais, remoção de biofilme dental e aplicação de laser para mucosite, eritemas e úlceras. Adicionado à descontaminação do trato digestório,22 mudanças na posição das camas dos pacientes, aspiração das secreções bucais23 e redução da colonização do biofilme bucal por patógenos respiratórios.5

O efeito do controle químico com clorexidina foi avaliado por Pedreira et al.24 e Jácomo et al.25 A clorexidina é considerada padrão-ouro ou controle positivo, foi utilizado como antisséptico nas concentrações de 0,12%15,24,25 e 0,2%.26 Segundo Van Strydonck et al.,27 o uso da clorexidina reduziu significativamente a incidência de infecções respiratórias, a necessidade de antibióticos sistêmicos e a mortalidade de pacientes em ambiente hospitalar e UTI. Resultados semelhantes foram observados nos estudos de Panchabhai et al.,28 os quais destacaram os benefícios da higienização bucal com clorexidina em pacientes de UTIs. Observou-se que com o protocolo de cuidados bucais, houve um aumento significante da frequência de pacientes sem biofilme, houve uma redução na frequência de pacientes com saburra lingual.

A manutenção da alta incidência de mucosite/úlcera nos pacientes do presente estudo pode ser hipoteticamente justificada pela toxicidade do tratamento antineoplásico, principalmente quimioterapia associada ou não à radioterapia. Alguns autores relatam que a associação terapêutica de quimioterápicos à radioterapia potencializa a incidência e gravidade da mucosite oral.29 Adicionalmente, autores30 relataram a dificuldade em controlar e tratar a mucosite oral, ressaltando a inexistência de um protocolo definido com efetividade comprovada para o tratamento da mucosite oral.

Dessa forma, o atendimento odontológico do paciente crítico pode contribuir na prevenção de infecções hospitalares, principalmente as respiratórias, dentre elas a pneumonia nosocomial, que é uma das principais infecções em pacientes de UTIs. Além disso, a supervisão odontológica nas UTIs de forma específica favoreceria o diagnóstico precoce e o tratamento das patologias bucais que acometem com frequências indivíduos internados e são desconhecidas por outros profissionais. Neste contexto existe ainda a necessidade de elaboração de protocolos efetivos e com intuito de prevenir ou atenuar o desenvolvimento de sequelas do tratamento oncológico tais como mucosite e úlcera.

 

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados de nossa pesquisa, podemos concluir que o protocolo proposto de diagnóstico e tratamento das alterações bucais em pacientes oncológicos durante internação em UTI foi capaz de reduzir o risco à infecção hospitalar, de diminuir a morbidade nesses pacientes e de melhorar a condição bucal dos mesmos.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

A supervisão odontológica nas UTIs de forma específica favorece o diagnóstico precoce e o tratamento das patologias bucais, tais como candidíase, mucosite, úlceras bucais e peri-bucais, dentre outras alterações que acometem com frequência elevada, indivíduos internados. Salienta-se que tais alterações fogem da área de atuação de outros profissionais e a proposta auxilia na orientação da equipe de enfermagem conforme as necessidades do paciente, reduzindo assim, o risco a infecções nosocomiais.

 

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Endereço para correspondência:
Juliana Rico Pires
Departamento de Mestrado.
Unifeb Av. Professor Roberto Frade Monte, 389 Barretos/SP
14783-226 - Brasil

e-mail:
juricopires@yahoo.com.br

Recebido: mar/2014
Aceito: abr/2014