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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 n.4 Sao Paulo Oct./Dec. 2014

 

Orientando o Cirurgião-Dentista

 

Guia prático para cimentação de próteses parciais fixas totalmente cerâmicas

 

Practical guide for cementation of all-ceramic fixed partial prostheses

 

 

Lucas Hian da SilvaI;Susana Maria Salazar MarochoII; Alexandre Francisco CesarIII; Paulo Francisco CesarIV

I DDS, MSc. - Doutorando do programa de pós-graduação em Biomateriais e Biologia Oral da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp)
II DDS, MSc., PhD. - Pós-doutoranda do departamento de Biomateriais e Biologia Oral da Fousp
III DDS, MSc. - Professor do curso de especialização em Dentística da APCD de São Caetano do Sul
IVDDS, MSc., PhD. - Professor associado doutor do departamento de Biomateriais e Biologia Oral da Fousp

Endereço para correspondência

 


 

 

 

 

A cimentação de próteses parciais fixas totalmente cerâmicas ("metal-free") é um procedimento clínico de alta complexidade sobre o qual os dentistas precisam ter um conhecimento aprofundado que os permita alcançar altas taxas de sucesso. Diversos fatores devem ser considerados no momento de se decidir qual o melhor procedimento de cimentação dessas peças, tais como o tipo de substrato remanescente que receberá a prótese, a microestrutura do material cerâmico restaurador escolhido e a composição do cimento que será utilizado. Dependendo desses fatores, o protocolo de cimentação pode ter passos muito distintos e erros cometidos nesta fase podem trazer consequências desagradáveis como descolamento da peça ou cárie secundária.

Este guia se propõe a apresentar, de forma objetiva e simplificada, os critérios para a seleção de técnicas de cimentação para as situações mais comuns encontradas nos casos de próteses parciais fixas totalmente cerâmicas que são confeccionadas com infraestruturas de zircônia tetragonal policristalina estabilizada por ítria (Y-TZP).

Quais tipos de restaurações podem ser confeccionadas com infraestrutura em Y-TZP?

A escolha do material cerâmico ideal para a situação restauradora deve ser feita analisando-se algumas propriedades, como a sua capacidade estética e as suas propriedades mecânicas que devem permitir o suporte as cargas oclusais da região. Para coroas totais de dentes posteriores que são submetidos a alto carregamento mecânico, a cerâmica de escolha deve ser a Y-TZP, que apresenta melhores propriedades mecânicas do que porcelanas e vitro-cerâmicas.

Da mesma forma, próteses parciais fixas que envolvam mais de um elemento devem ser fabricadas com Y-TZP, devido à alta exigência mecânica. Dentre as cerâmicas, a que apresenta melhor desempenho na região posterior é a Y-TZP, possuindo melhores propriedades mecânicas em relação às outras e pode ser considerada como a opção mais indicada.

Devemos utilizar tratamentos de superfície para restaurações protéticas totalmente cerâmicas que apresentam infraestrutura de Y-TZP?

Recomenda-se que todas as restaurações protéticas metal-free recebam um tratamento de superfície na face em que será aplicado o agente cimentante. Este tratamento visa a garantir a melhor interação possível entre a prótese e o cimento. O clínico deve saber que durante o procedimento de cimentação existem duas interfaces importantes a serem consideradas: a) interface entre cimento e dente e b) interface entre prótese e cimento.

As próteses parciais fixas fabricadas à base cerâmicas policristalinas recebem um tratamento da superfície de cimentação diferente do disponível para porcelanas e vitro-cerâmicas,1 visto que o ácido hidrofluorídrico não é capaz de gerar modificações na superfície da Y-TZP que favoreça sua união ao cimento resinoso. Dessa forma, os tratamentos de jateamento com óxido de alumínio revestido com sílica (silicatização) associado à aplicação de silano e uso de primers cerâmicos são as melhores opções para estes materiais.

A literatura científica demonstrou que a associação dos tratamentos de superfície descritos no parágrafo acima seria a escolha ideal para cimentar as peças de Y-TZP.2-4 O procedimento mais recomendado para o tratamento da superfície interna da Y-TZP é a realização da silicatização, seguida da aplicação de silano e primer cerâmico. O processo de silicatização consiste em jatear a superfície com óxido de alumínio revestido com sílica criando microrretenções e impregnando a superfície com sílica. Uma vez que a superfície interna da peça protética encontra-se impregnada por silica, o uso do silano torna-se possível. O silano vai atuar realizando uma união química estável entre a sílica (vidro) e o cimento resinoso. Para melhorar ainda mais a união entre os substratos, está indicado o uso conjunto de um primer cerâmico. Atualmente, existem diversos tipos de primers cerâmicos no mercado e seus principais agentes ativos são os monômeros fosfatados, em especial o chamado de 10-metacriloiloxidecil dihidrogeno fosfato (MDP). O MDP funciona também como uma mólecula bi-funcional fará ligação entre o cimento resinoso e os óxidos metálicos, como por exemplo, o óxido de zircônio (zircônia). Esse uso associado do primer cerâmico reforçará a união entre agente cimentante e peça cerâmica, agindo nas regiões onde a silicatização e a silanização não foram efetivas.

É importante que os laboratórios de prótese e/ou os clínicos tenham o conhecimento de que o jateamento da Y-TZP exige alguns cuidados, pois é recomendado que a silicatização seja realizada com partículas de tamanho pequeno, da ordem de 30 μm, para se evitarem danos excessivos na superfície deste material, o que pode levar à diminuição do seu tempo de vida clínico. Uma vez respeitada esta condição, a literatura científica mostra que este procedimento não afeta o tempo de vida das peças protéticas.5

Quais agentes cimentantes devemos utilizar?

A escolha do agente cimentante tem significativa importância tanto na estética como na união ao substrato e resistência global da restauração. Inicialmente, parte-se do pressuposto que ao se realizar uma restauração protética totalmente cerâmica o objetivo é atingir um alto nível de reabilitação estética e, portanto, deve-se fazer uso de cimentos resinosos.

A escolha do cimento resinoso vai depender diretamente do remanescente que será restaurado, seja ele substrato metálico (núcleos fundidos), substrato resinoso (preenchimento/retentores intrarradiculares de fibra de vidro) ou dente natural.

Qual cimento utilizar para substrato metálico?

No caso onde o remanescente é um núcleo metálico fundido, a opção do sistema de cimentação deve sempre ser a do primer autocondicionante e um cimento resinoso contendo MDP. A complexidade do material Y-TZP exige um cuidado diferenciado, que foi descrito no tópico de tratamento de superfície. Neste caso, uso do cimento contendo MDP trará esse efeito sinérgico ao da silicatização somada à silanização e presença de MDP. Além disso, teremos a união química do MDP aos íons metálicos do núcleo.6

Qual cimento utilizar para substrato resinoso ou dente natural?

Como mencionado, a cimentação de próteses com infraestrutura em Y-TZP é a situação restauradora em que se deve buscar efeito sinérgico dos tratamentos disponíveis para obter uma boa união à peça protética. O sistema de cimentação escolhido para este caso é idêntico ao escolhido para o substrato metálico pelos mesmos motivos anteriormente descritos, ou seja, uso de primer autocondicionante e cimento resinoso contendo MDP. Entretanto, uma pequena variação no procedimento de cimentação é realizada quando o substrato é dente natural ou existe uma grande presença de esmalte dentário. Neste procedimento, faz-se necessário o condicionamento adicional do esmalte dentário com ácido fosfórico previamente à utilização do primer e cimento. Como neste caso será utilizado o sistema de cimentação de primer autocondicionante e cimento resinoso contendo MDP, é importante lembrar que a efetividade do primer acídico para condicionar a estrutura do esmalte dental não é boa, o que torna necessário um condicionamento adicional.

O objetivo deste guia foi apresentar as possíveis soluções de cimentação para situações clínicas envolvendo próteses totalmente cerâmicas com infraestrutura de Y-TZP. A constante evolução dos sistemas restauradores e cimentantes certamente trará novas técnicas e métodos mais eficazes e duráveis que estarão disponíveis em um curto espaço de tempo, como por exemplo, os adesivos universais que contenham em sua composição ácido/primer/adesivo + silano + MDP, reduzindo passos e associando todos os efeitos desejados para todas as situações mais comuns.

 

REFERÊNCIAS

1. Brentel AS, Ozcan M, Valandro LF, Alarca LG, Amaral R, Bottino MA. Microtensile bond strength of a resin cement to feldpathic ceramic after different etching and silanization regimens in dry and aged conditions. Dent Mater, 2007;23:1323-31.

2. Silva LH, Costa AK, Queiroz JR, Bottino MA, Valandro LF. Ceramic primer heat-treatment effect on resin cement/Y-TZP bond strength. Oper Dent, 2012;37:634-40.

3. Tanaka R, Fujishima A, Shibata Y, Manabe A, Miyazaki T. Cooperation of phosphate monomer and silica modification on zirconia. J Dent Res, 2008;87:666-70.

4. Amaral R, Ozcan M, Valandro LF, Balducci I, Bottino MA. Effect of conditioning methods on the microtensile bond strength of phosphate monomer-based cement on zirconia ceramic in dry and aged conditions. Journal of biomedical materials research Part B, Applied biomaterials, 2008;85:1-9.

5. Zhang Y, Lawn BR, Malament KA, Van Thompson P, Rekow ED. Damage accumulation and fatigue life of particle-abraded ceramics. Int J Prosthodont, 2006;19:442-8.

6. Cavalcanti AN, Foxton RM, Watson TF, Oliveira MT, Giannini M, Marchi GM. Bond strength of resin cements to a zirconia ceramic with different surface treatments. Oper Dent, 2009;34:280-7.

 

 

Endereço para correspondência:
Lucas Hian da Silva
Depto. de Biomateriais e Biologia Oral
Av. Prof. Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária - São Paulo - SP
05508-000 Brasil

e-mail:
cdhian@gmail.com

 

Recebido: set/2014
Aceito: out/2014