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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.68 n.4 Sao Paulo Oct./Dec. 2014

 

Artigo original

 

Avaliação radiográfica da obturação utilizando diferentes substâncias químicas auxiliares

 

Radiographic evaluation of root canal filling using different auxiliary chemical substances

 

 

Marcelle Louise Sposito BourreauI;Adriana de Jesus SoaresII; Francisco José de Souza FilhoIII;

I Mestrado - Cirurgiã-Dentista clínica
II Livredocente em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP/Unicamp), livre-docente em Endodontia pela FOP/Unicamp
III (in memorian) - Doutor e professor titular de Endodontia da FOP/Unicamp

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

O objetivo deste estudo clínico prospectivo randomizado foi analisar a influência de duas substâncias químicas auxiliares na identificação de canais acessórios e no selamento do forame apical pelo cimento endodôntico e a prevalência desses canais na faixa etária de 13 a 79 anos, nos diferentes grupos dentários, em dentes vitais, não vitais e nos retratamentos endodônticos. Trezentos e um tratamentos endodônticos foram concluídos em 240 pacientes. As substâncias químicas auxiliares utilizadas foram a clorexidina gel 2% (n=145) e o hipoclorito de sódio 5.25% (n=156). Os dentes foram preparados pela técnica coroa-ápice com patência e ampliação do forame apical e obturados pela técnica de termoplastificação da guta-percha. Três observadores independentes (triplo cego) avaliaram, radiograficamente, o preenchimento de canais acessórios e do forame apical que foi registrado e expresso em dados percentuais. Os dados foram analisados, estatisticamente, e os resultados mostraram que o forame apical foi selado pelo cimento endodôntico em 98.34% (296/301) e os canais acessórios foram preenchidos e visíveis radiograficamente em 47.84% (144/301) dos dentes tratados. Canais acessórios foram encontrados em 55% (99/180) dos dentes multirradiculares e em 37.20% (45/121) dos dentes unirradiculares. De acordo com o estado pulpar, canais acessórios foram encontrados em 55,20% (69/125) dos dentes vitais, 49.00% (49/100) dos dentes não vitais e 34.21% (26/76) dos retratamentos endodônticos. Concluiu-se que, entre os fatores analisados, não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos das substâncias químicas auxiliares analisadas.

Palavras-chave: tratamento do canal radicular; clorexidina; hipoclorito de sódio; extravasamento de materiais terapêuticos e diagnósticos


 

ABSTRACT

The aim of this prospective randomized study, conducted in vivo, was to analyze the influence of two auxiliary chemicals in filling accessory canals and apical foramen by sealer and the prevalence of these channels in the age group 13 to 79 years, in various dental groups, in vital and non-vital teeth and root canal retreatment. Two hundred forty patients were treated and 301 endodontic treatments were completed. The auxiliary chemicals used were 2% chlorhexidine gel (n = 145) and 5.25% sodium hypochlorite (n = 156). The teeth were instrumented by crown-down technique with patency and enlargement of the apical foramen and obturated by the thermoplastic gutta-percha technique. Three independent observers (triple blind) evaluated radiographically obturation of accessory canals and apical foramen by the sealer that was recorded and expressed as a percentage. Data were statistically analyzed using the Binominal and Qui Quadrado tests. The results showed that the apical foramen was filled in 98.34% (296/301) and the accessories channels were filled and radiographically visible in 47.84% (144/301) of teeth treated. Accessory canals were found in 55% (99/180) of the teeth multirooted and 37.20% (45/121) of single-rooted teeth. According to the state of pulp, accessory canals were found in 55.20% (69/125) of vital teeth, 49.00% (49/100) of non-vital teeth and 34.21% (26/76) of endodontic retreatment. It was concluded that among the factors examined, there was no statistically significant difference between the two groups.

Keywords: root canal therapy; chlorhexidine; sodium hypochlorite; extravasation of diagnostic and therapeutic materials


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

O significado clínico deste trabalho é mostrar que a alta prevalência de canais acessórios obturados e visíveis radiograficamente após o tratamento endodôntico realizado com duas substâncias químicas auxiliares diferentes, o hipoclorito de sódio, de alta toxicidade tecidual e a clorexidina, de baixa toxicidade tecidual. O trabalho mostrou que ambas as substâncias avaliadas propiciam limpeza dos canais acessórios, o que permitiu a sua obturação. A escolha da substância química auxiliar é muito importante nos tratamentos com ampliação do forame apical porque pode predispor o extravasamento da mesma para o periápice, e causar reações inflamatórias severas, portanto, podemos optar por uma substância de baixa toxicidade e menor risco de acidentes e obter a mesma limpeza e qualidade de obturação tridimensional.

 

INTRODUÇÃO

O reparo do tecido conjuntivo do ligamento periodontal após o tratamento endodôntico depende da limpeza e controle da infecção microbiana do interior do sistema de canais radiculares e, principalmente, do selamento do forame apical e de canais acessórios, que são os portais de comunicação do canal radicular com o ligamento periodontal.1

O preparo biomecânico é o estágio do tratamento endodôntico que visa limpeza, antissepsia e modelagem dos canais radiculares para eliminar bactérias, tecido pulpar degenerado e dentina contaminada, criando um espaço adequado para que a obturação do sistema de canais radiculares seja realizada de forma tridimensional. 2,3 A prevalência de ramificações e canais acessórios representa uma questão clínica importante por abrigar substrato orgânico e microrganismos que podem ser responsáveis pela manutenção de um processo inflamatório após o tratamento endodôntico.4 O preenchimento de canais acessórios é importante para controlar o crescimento bacteriano e impedir a difusão de seus subprodutos através do ápice.5

O controle da infecção microbiana no preparo do sistema de canais radiculares, dificultado pela complexidade anatômica, depende da ação mecânica dos instrumentos combinada com a ação antimicrobiana das substâncias químicas auxiliares.4,6 Dentre estas substâncias, as soluções de hipoclorito de sódio (NaOCl), em várias concentrações, são as mais comumente utilizadas. De acordo com a literatura, dentre suas principais propriedades destacam-se a capacidade de dissolução tecidual e amplo espectro antimicrobiano.7 Entretanto, devido a sua toxicidade apresentam o risco de causar acidentes, quando injetadas no periápice durante a irrigação dos canais radiculares 8. Com a finalidade de evitar estes acidentes, outras substâncias químicas, como a clorexidina (CHX), que possui propriedades antimicrobianas equivalentes e menor toxicidade, têm sido estudadas como substâncias químicas auxiliares para a antissepsia dos canais radiculares.9,10

Dentre as principais vantagens, a CHX possui ação antimicrobiana de largo espectro, ação residual (substantividade) e baixo grau de toxicidade,9,10 além de ter uma efeito positivo na adesão de materiais na dentina radicular11 e uma das desvantagens apresentadas na literatura é a não dissolução tecidual.12

Quando utilizada como substância química auxiliar na forma de gel, além de sua atividade antimicrobiana, promove ação lubrificante para os instrumentos, evitando o aquecimento, e melhorando sua ação de corte. Os géis apresentam a capacidade de manter partículas em suspensão, facilitando sua remoção do interior do canal radicular, através da irrigação ativa com substância isenta de toxicidade.13

Com base no exposto acima, o objetivo deste estudo prospectivo foi avaliar, radiograficamente, a qualidade da obturação de canais radiculares através do preenchimento de canais acessórios e selamento do forame apical, utilizando duas substâncias químicas auxiliares diferentes e a prevalência dos canais acessórios nos dentes uni e multirradiculares e nos dentes vitais, não vitais e retratamentos endodônticos, além de verificar a influência da idade do paciente nessa prevalência.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Amostras foram obtidas de pacientes atendidos no Instituto Noble Odontologia, Curitiba/PR, Brasil. Trezentos e um tratamentos endodônticos foram realizados em sessão única, em 240 pacientes de 13-79 anos de idade, por um único endodontista. Consentimento oral e escrito foi obtido de todos os participantes. O termo de consentimento livre e esclarecido, bem como o projeto da pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade São Leopoldo Mandic através do protocolo 2011/0115. Dados pessoais e de boas condições de saúde geral, diagnóstico provável, tratamento indicado e procedimentos realizados foram registrados e arquivados. Tratamentos primários e retratamentos endodônticos de todos os grupos dentais foram incluídos na pesquisa. Dentes com ápices abertos, reabsorções radiculares, traumatismo dental, tratamentos não concluídos em uma única sessão, canais radiculares onde não foi possível realizar a patência do forame apical e dentes não sobreobturados foram excluídos da pesquisa.

Os dentes foram divididos em 2 grupos: Grupo 1 (n=145), a substância química auxiliar utilizada para o preparo dos canais radiculares foi a clorexidina gel 2% (2% CHX gel) (Essencial Pharma, Itapetininga, São Paulo, Brasil) e Grupo 2 (n=156) foi o hipoclorito de sódio 5.25% (5.25% NaOCl) (Fórmula & Ação, São Paulo, São Paulo, Brasil). As substâncias químicas auxiliares foram inseridas nos canais radiculares, com seringa hipodérmica de 3 ml e agulha 20 x 5,5, somente para agir durante a ação dos instrumentos. Para irrigação do canal radicular, em ambos os grupos, foi utilizado o soro fisiológico, inserido no canal radicular com seringa hipodérmica de 5 ml e agulha 20 x 5,5, sob pressão, a cada troca de instrumento. A substância química auxiliar foi novamente inserida após a irrigação com soro fisiológico.

Todos os pacientes foram anestesiados (Lidocaína 2% com adrenalina 1:100.000, DFL®, Rio de Janeiro, Brasil). Os canais foram instrumentados por técnica crown-down que consistiu na remoção de cáries e restaurações; abertura de acesso padrão; isolamento absoluto; descontaminação e alargamento dos terços cervical e médio, executados com instrumento rotatório Hero 20/.06 (HERO 642, MicroMega®, Besançon, Franche-Comté, França) associado à substância química auxiliar. Quando necessário, o alargamento do corpo do canal foi complementado com brocas de Gates-Glidden #4 a #2 (Dentsply-Maillefer®, Balaigues, Suiça) no sentido coroa-ápice para promover uma conicidade adequada. O terço apical foi explorado com lima K manual #10 (Hi-5, Miltex®, New Jersey, EUA) para descontaminação progressiva até a realização da patência do forame apical. O comprimento real do canal (CRC) foi definido com localizador apical eletrônico (Novapex, Forum Engineering Technologies®, Richon Lezion, Israel), através do recuo do instrumento de patência até o ponto zero. Para o comprimento de trabalho (CT) foi estabelecida a medida de 1 mm além do CRC com o objetivo de sobreinstrumentar a área do forame apical, mantendo esta área limpa e livre de debris. Na sequência, a instrumentação e modelagem do canal foram feitas com os instrumentos rotatórios do sistema Mtwo (VDW®, Bayerwaldstraße Munique, Alemanha) números 10/.04, 15/.05, 20/.06 e 25/.06, de acordo com a recomendação do fabricante. Em ambos os grupos, os canais radiculares foram, copiosamente, irrigados com 5 ml de soro fisiológico, sob pressão, a cada troca de instrumentos. Após o preparo e modelagem do canal radicular, foi determinado o diâmetro final do forame (lima anatômica final - LAF), estabelecido pela lima tipo K manual (CC+, VDW®, Bayerwaldstraße, Munique, Alemanha) que melhor se ajustou ao diâmetro do forame apical preparado. Este diâmetro foi a referência necessária para a calibração do cone de guta-percha principal (Konne®, Centro, Minas Gerais, Brasil) para a obturação do canal radicular. Na ausência de um batente para ancoragem, o diâmetro para calibração do cone foi 2 vezes acima do diâmetro final do forame apical. O cone foi, então, modelado (submetido à pressão apical) de encontro às paredes do canal radicular, até que se conseguiu um travamento ideal a uma distância aproximada de 2 mm aquém do CRC.

O preparo da dentina radicular para a obturação (remoção da smear layer) foi feito com 3 trocas sucessivas de EDTA 17% (Fórmula e Ação, São Paulo, São Paulo, Brasil), inserido no canal e agitado ultrassonicamente por 10 segundos até a irrigação final com soro fisiológico. Com o auxilio de uma cânula de silicone (Capillary Tips/Ultradent®, South Jordan, Utah, EUA) e de pontas de papel absorvente calibradas no CRC (Endopoints®, Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, Brasil), o canal radicular foi seco.

Para a obturação do canal radicular foi utilizado o cimento endodôntico Pulp Canal Sealer EWT (SybronEndo®, Orange, Califórnia, EUA) e a técnica de obturação utilizada foi técnica de De Deus.14 O cimento foi inserido no interior do canal radicular com auxílio do próprio cone de guta-percha, até o seu completo preenchimento. Em seguida, o cone de guta-percha foi posicionado no local do travamento para a termoplastificação e compressão hidráulica vertical.

A porção cervical do canal radicular foi selada com Coltosol (Vigodent®, Bonsucesso, Rio de Janeiro, Brasil) e o acesso coronário foi restaurado com resina composta ou cimentação de pino de fibra de vidro, quando necessário. Um adequado ajuste da oclusão foi realizado.

As imagens radiográficas foram captadas pelo sensor radiográfico digital CMOS Suarez (Grupo Suarez Brasil, São Paulo, São Paulo, Brasil) de forma padronizada (posicionador intra-bucal Hawe X-Ray Sensor Holder System/Kerr), e transferidas para o Power Point (Microsoft®, Redmond, Washinton, EUA), software escolhido para a visualização das imagens radiográficas. Cada slide do Power Point continha a imagem radiográfica inicial e final de um tratamento endodôntico realizado, totalizando um total de 301 slides, que foram enviados em pen-drives para que os examinadores fizessem suas observações na tela do computador. Todas as imagens radiográficas foram analisadas por três examinadores independentes (triplo cego) que identificaram, ou não, o preenchimento de canais acessórios e do forame apical pelo cimento endodôntico (extravasamento do cimento para o tecido periodontal). No caso de discordância entre os examinadores, o resultado foi definido pelo maior número de respostas iguais.

Para avaliar a proporções de concordância/discordância entre os avaliadores, em cada grupo, foi utilizado o teste Qui Quadrado. A incidência de obturação de canais acessórios e forames apicais foi registrada e expressada em dados percentuais. Os dados foram estatisticamente analisados usando testes Binominal e Qui Quadrado. O programa de aplicativos estatísticos Bioestat 5.3 (Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Brasil) foi utilizado e diferenças foram consideradas significativas quando as probabilidades eram iguais ou inferiores a 0.05.

 

RESULTADOS

Na avaliação da proporção de concordância/discordância entre os avaliadores, não houve diferenças estatisticamente significantes (p>0.05). No grupo I (N=145) foram encontradas 137 concordâncias (94.48%) e no Grupo II (N=156) foram encontradas 144 concordâncias (92.30%).

Em relação à idade dos pacientes e análise da presença de canais acessórios preenchidos, não houve diferenças estatisticamente significantes entre as faixas etárias, independente da substância química auxiliar. Os pacientes foram divididos em 4 grupos: A) ≤ 35 anos (301/63); B) 36-45 anos (301/99); C) 46-55 anos (301/80) e D) >56 anos (301/59). No grupo A, 64.71% dos dentes instrumentados com CHX e 44.83% dos dentes instrumentados com NaOCl tiveram canais acessórios preenchidos e visíveis radiograficamente. No grupo B, 37.78% dos dentes instrumentados com CHX e 50% dos dentes instrumentados com NaOCl tiveram canais acessórios preenchidos e visíveis radiograficamente. No grupo C, 51.22% dos dentes instrumentados com CHX e 41.02% dos dentes instrumentados com NaOCl tiveram canais acessórios preenchidos e visíveis radiograficamente e no grupo D, 44% dos dentes instrumentados com CHX e 50% dos dentes instrumentados com NaOCl tiveram canais acessórios preenchidos e visíveis radiograficamente. O teste estatístico aplicado foi o Qui Quadrado e os valores de p para todos os grupos foi >0.05.

A análise do selamento do forame apical pelo cimento endodôntico (surplus) e a presença de canais acessórios preenchidos de acordo com a substância química auxiliar pode ser observada na Tabela 1. As substâncias químicas auxiliares não causaram diferenças estatisticamente significantes no resultado do selamento do forame apical pelo cimento obturador e na incidência de canais

 

 

 

 

 

acessórios preenchidos (p>0.05, Teste Binominal).

A classificação dos dentes, quanto ao número de raízes e quanto ao estado pulpar e sua distribuição nos diferentes grupos pesquisados, e a análise dos canais acessórios (CA) preenchidos de acordo com a substância química auxiliar utilizada podem ser observadas na tabela 2.

Nos dentes instrumentados com CHX houve maior preenchimento de canais acessórios nos dentes multirradiculares quando comparados com os dentes unirradiculares (p<0.001). Nos dentes instrumentados com NaOCl não houve diferenças estatisticamente significantes no número de canais acessórios preenchidos nos dentes uni e multirradiculares (p>0.05).

Não houve diferenças estatisticamente significantes nos dentes vitais, nos dentes não vitais e nos retratamentos endodônticos quando instrumentados com CHX ou NaOCl, em relação ao preenchimento de canais acessórios.

Nos dentes instrumentados com CHX, houve uma tendência decrescente de preenchimento de canais acessórios entre dentes vitais, dentes não vitais e retratamentos endodônticos. Essa diferença foi estatisticamente significante entre dentes vitais e retratamentos endodônticos (p<0.01) e entre dentes não vitais e retratamentos endodônticos (p<0.05). Não houve diferenças estatisticamente significantes entre dentes vitais e não vitais (p>0.05).

Nos dentes instrumentados com NaOCl, houve uma tendência decrescente de preenchimento de canais acessórios entre dentes vitais, dentes não vitais e retratamentos endodônticos, mas sem diferenças estatisticamente significantes (p>0.05).

 

DISCUSSÃO

A anatomia interna e, especialmente, a complexidade do sistema de canais radiculares deve ser considerada durante a terapia endodôntica porque muitos estudos mostraram uma alta prevalência de ramificações e canais acessórios.6,15

Embora existam poucos relatos na literatura quanto à influência da idade do paciente no preenchimento de canais acessórios, indivíduos mais jovens (média de idade: 26,6 anos) tiveram maior frequência de obturações das ramificações. A literatura considera que as ramificações são encontradas com maior frequência entre 20 e 40 anos de idade ou entre 16 e 45 anos de idade 16. Acredita-se que com a idade a localização das ramificações seja menos provável devido a constrições e calcificações. Neste estudo, independente da substância química auxiliar, não houve diferenças estatisticamente significantes entre as faixas etárias, o que corrobora com o estudo de Pozzo, 2010.16

Existem questionamentos, na literatura, quanto à influência das substâncias químicas auxiliares no preenchimento de canais acessórios.17,18 A limpeza dos debris e restos pulpares das paredes do canal radicular, assim como a remoção da smear layer parecem facilitar a penetração de cimento obturador promovendo o preenchimento de canais acessórios.19 O NaOCl 5.25% tem sido recomendado como substância química auxiliar por apresentar efetiva ação antimicrobiana e ação solvente de tecido orgânico. Estima-se que esta ação possa atuar, especialmente, nas áreas inacessíveis à limpeza mecânica.20 Entretanto, o NaOCl 5.25% é uma substância tóxica e agressiva aos tecidos periapicais.8 A escolha da CHX como substância química auxiliar alternativa foi devida à sua ação antimicrobiana de amplo espectro, equivalente ao NaOCl, e por apresentar menor toxicidade aos tecidos periapicais.9,13,21Dentre suas inúmeras propriedades, a CHX possui, além de sua ação antimicrobiana, substantividade9,10 e biocompatibilidade aos tecidos do periápice.21 Entretanto, tem sido pouco recomendada como substância química auxiliar em Endodontia por não apresentar capacidade de dissolução de tecido orgânico22 e sem esta ação, pode-se supor que a obturação de canais acessórios seja dificultada. No presente estudo a CHX foi utilizada na formulação gel porque promove ação lubrificante e mantém as partículas em suspensão, facilitando a sua remoção pelo agente de irrigação (soro fisiológico ou água destilada), diminuindo a formação de smear layer.13

Hoje se sabe que a ampliação do forame apical e a sobreobturação com extravasamento de cimento para o periápice não são fatores prejudiciais para o reparo periapical.23,24 Biologicamente, estes materiais são biocompatíveis e bem tolerados pelos tecidos. Embora a obturação com surplus não seja um objetivo da técnica, é a forma mais segura para alcançar um selamento tridimensional do sistema de canais radiculares.

Os resultados desta pesquisa mostraram, em relação ao preenchimento do forame apical pelo cimento obturador, que ele ocorreu em 98.34% (296/301) dos dentes tratados e que substâncias químicas auxiliares não causaram diferenças estatisticamente significantes nesse resultado. Isso pode ser explicado pelo fato do NaOCl não atuar no tecido orgânico remanescente do sistema de canais radiculares, mesmo em concentrações elevadas1,25, como sugere a literatura. De todos os dentes tratados neste estudo, apenas 1.66% (5/301) não tiveram o forame apical obturado pelo cimento e isso pode ser explicado pela ausência de uma quantidade suficiente de cimento no canal radicular antes da compressão, que não propiciou o seu extravasamento ou pela aplicação de uma força de compressão vertical insuficiente para impulsionar o cimento para fora do forame apical.

Este estudo encontrou canais acessórios identificados, radiograficamente, em 47.84% dos dentes tratados (144/301). As substâncias químicas auxiliares não causaram diferenças estatisticamente significantes na incidência de canais acessórios obturados. Esse fato pode ser explicado porque ambas as substâncias químicas tiveram o mesmo poder de antissepsia, quando associadas à instrumentação mecânica dos canais radiculares. Além disso, segundo Shilder2, o preenchimento desses canais ocorre pela técnica e força da obturação radicular através da compressão vertical da guta-percha aquecida que produz uma obturação tridimensional densa e, dimensionalmente, estável, onde canais laterais são obturados com frequência. Além do cimento escolhido para esse estudo (Pulp Canal Sealer) que possui capacidade de penetração em pequenas irregularidades e canais acessórios livres de smear layer.26

A frequência geral dos canais acessórios de acordo com o número de raízes encontrada neste estudo foi maior nos dentes multirradiculares (55%; 99/180) do que nos dentes unirradiculares (37.20%; 45/121). Esses resultados corroboram com os estudos da literatura que sugerem que dentes multirradiculares apresentam

 

 

 

maior variedade de ramificações.15,27 A frequência geral dos canais acessórios encontrada na literatura para molares e pré-molares foi de 80% ou mais,27 para incisivos centrais foi de 62%, para caninos foi de 58% e para incisivos laterais foi de 49%,28 valores mais significativos do que os resultados encontrados. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de que a maior parte das ramificações foi observada nas direções lingual e vestibular e, portanto, uma alta porcentagem delas não é visível radiograficamente,26,28 além disso, os estudos prévios da literatura utilizaram metodologias in vitro, como diafanização,6,15,26 cortes histológicos27 ou visualização em MEV,28 onde as ramificações podem ser mais facilmente visualizadas.

Quanto ao uso de diferentes substâncias químicas auxiliares, não houve diferenças estatisticamente significantes entre elas quanto à obturação de canais acessórios nos dentes uni e multirradiculares, pelo motivo já discutido anteriormente de que a obturação dos canais acessórios e ramificações ocorrem devido a fatores atribuídos à obturação endodôntica, como técnica, força de compressão e escolha do cimento, e não pela ação das substâncias químicas auxiliares.2

Nos dentes instrumentados com CHX houve maior preenchimento de canais acessórios nos dentes multirradiculares quando comparados com os dentes unirradiculares, o que corrobora com a literatura,15,27 enquanto nos dentes instrumentados com NaOCl, neste estudo, não houve diferenças estatísticas.

Independentemente da substância química auxiliar observou-se uma maior incidência de canais acessórios obturados e visíveis radiograficamente nos dentes vitais (55.20%; 69/125), seguidos

 

 

 

pelos dentes não vitais (49.00%; 49/100), seguidos pelos casos de retratamentos endodônticos (34.21%; 26/76). A obturação de canais acessórios in vivo não tem sido consistentemente demonstrada, 27 mas baseada em impressões clínicas e pela sugestão de que o tecido presente na ramificação possa oferecer resistência à penetração do cimento endodôntico, a literatura sugere que canais acessórios e ramificações apicais são mais frequentemente revelados em casos de necrose pulpar do que em polpa vital.27 Nesse estudo encontramos resultados contrários a essas afirmações já que mais canais acessórios foram visíveis, radiograficamente, em dentes vitais, mas não foi possível comparar os resultados obtidos com resultados prévios porque a literatura está baseada apenas em impressões clínicas e sugestões.27

A menor incidência de obturação de canais acessórios e ramificações, nos casos de retratamentos endodônticos, pode ser explicada pela permanência de material obturador no interior de túbulos dentinários e canais acessórios.

A influência da smear layer na obturação não é totalmente esclarecida, mas sua presença pode representar um obstáculo à penetração do cimento e guta-percha dentro dos canais laterais e túbulos dentinários.29 A taxa de ocupação do material obturador nos canais acessórios neste estudo pode ser explicada pela ausência de debris e smear layer provocada pelo preparo da dentina para a obturação radicular realizada pelo EDTA 17%,10 embora existam estudos na literatura que afirmem que canais laterais e deltas apicais podem ser obturados sem o uso de soluções quelantes.17 Embora essa análise não tenha sido realizada, somos da opinião de que canais acessórios podem ser obturados sem a remoção da smear layer porque acreditamos que esse fato se deve á força de obturação aplicada e que a espessura mínima da smear layer de 1-2 μm não seria suficientemente forte para impedir a entrada de cimento nos canais acessórios e seria empurrada para o interior dessas estruturas

O preenchimento de canais acessórios está relacionado com a associação de guta-percha e cimento bem compactados com uma força e pressão bem distribuídas, normalmente produzindo uma obturação tridimensional verdadeira no canal principal.2 Este estudo optou pelo uso do cimento Pulp Canal Sealer devido a sua capacidade de penetração em pequenas irregularidades e canais acessórios na dentina livre de smear layer,26 embora os cimentos à base de resina epóxica, hidróxido de cálcio e óxido de zinco e eugenol tenham comportamentos similares quanto a capacidade de preencher canais acessórios e ramificações.26

A técnica endodôntica de obturação deve assegurar a obturação e o selamento de ramificações finas e irregulares. Este estudo optou pela termoplastificação da guta-percha seguida de compressão hidráulica vertical (De Deus modificada).14Optamos por essa técnica porque estudos da literatura mostraram que quando técnicas de guta-percha termoplastificada foram utilizadas, houve uma maior frequência de canais acessórios obturados quando comparadas com a compactação lateral da guta-percha.30

Neste trabalho, foram utilizadas as imagens radiográficas como métodos de avaliação do preenchimento de canais laterais na comparação da eficiência de duas substâncias químicas auxiliares, mesmo sabendo das suas limitações visuais, como o fato de ser bidimensional e possíveis interposição de estruturas anatômicas, além dos pequenos diâmetros das ramificações, menores ou iguais a uma lima #10 ou #15.16 Mesmo com essas limitações, canais laterais foram visualizados em 47.84% dos dentes tratados (144/301).

Devido à ausência de estudos clínicos na literatura sobre fatores que podem influenciar a obturação de canais acessórios e ramificações, entre eles, as substâncias químicas auxiliares, há necessidade de estudos clínicos prospectivos futuros que analisem o preenchimento do sistema de canais radiculares através da análise de substâncias químicas auxiliares, técnicas de preparo e obturação e materiais obturadores.

 

CONCLUSÃO

De acordo com a metodologia aplicada foi possível concluir que não houve diferença entre as substâncias químicas auxiliares utilizadas (5.25% NaOCl e 2% CHX gel) no preenchimento de canais acessórios e do forame apical; a prevalência de canais acessórios identificados, radiograficamente, foi maior nos dentes multirradiculares (55%) do que nos unirradiculares (37.20%); a prevalência de canais acessórios identificados, radiograficamente, foi maior nos dentes vitais (55.20%) seguida dos dentes não vitais (49%), seguida dos retratamentos endodônticos (34.21%) e a idade dos pacientes não influenciou a prevalência dos canais acessórios identificados.

 

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Endereço para correspondência:
Marcelle Louise Sposito Bourreau
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e-mail:
mabourreau@yahoo.com.br

 

Recebido: jul/2014
Aceito: out/2014