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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 n.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2016

 

Relato de caso clínico

 

Retratamento endodôntico em dens in dente com insertos ultrassônicos e iodofórmio: 2 anos de follow-up

 

Endodontic retreatment in dens in dente using ultrasonic tips and iodoform: a 2-year follow-up

 

 

Marcílio Oliveira MeloI; Markelane Santana SilvaII; Daylana Pacheco da SilvaIII; Eduarda Sales LealIV

 

I Mestre em Endodontia - Professor no curso de especialização em Endodontia - Associação Brasileira de Odontologia (ABO) - Teresina - PI - Brasil
II Estudante de pós-graduação - Mestrado - Universidade Federal do Piauí (UFPI) - Teresina - PI - Brasil
III Estudante de pós-graduação - Mestrado - UFPI - Teresina - PI - Brasil
IV Estudante do curso de especialização em Ortodontia - Ciodonto - Teresina - PI - Brasil

 

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Dens in dente (dens invaginatus) é uma anomalia de desenvolvimento que afeta a forma dos dentes. O órgão do esmalte é desorganizado e ocorre a invaginação da coroa do dente antes da fase de calcificação. O relato deste caso tem como objetivo apresentar o uso de insertos ultrassônicos e medicação intracanal com iodofórmio no retratamento endodôntico em dens in dente tipo II com lesão periapical. O dente necessitou de retratamento endodôntico. O acesso coronário e a instrumentação dos canais radiculares foram realizados com auxílio de insetos ultrassônicos. Utilizou-se iodofórmio e hidróxido de cálcio como medicação intracanal em duas sessões. Na última sessão, a obturação foi realizada. Após dois anos de follow-up, observou-se sucesso no retratamento. O dente apresenta-se sem sintomatologia dolorosa e com redução da lesão periapical.

Descritores: dens in dente; periodontite periapical; retratamento; iodoformium; hidróxido de cálcio.


 

ABSTRACT

Dens in dente (dens invaginatus) is a developmental anomaly that affects the shape of teeth. The enamel organ is disorganized and invagination of the tooth crown occurs before the calcification stage. The aim of this case report is present the use of ultrasonic tips and intracanal medication with iodoform in endodontic retreatment in dens in dente type II with periapical lesion. The tooth required endodontic retreatment. Coronal access and root canal instrumentation were performed with the aid of ultrasonic tips. Iodoform and calcium hydroxide were used as intracanal medication in two sessions. In the last session, filling was performed. After follow-up of 2 years, successful retreatment was observed. The tooth presented no painful symptoms and the periapical lesion was reduced.

Descriptors: dens in dente; periapical periodontitis; retreatment; iodoformium; calcium hydroxide.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Apresentar um protocolo clínico para aumentar o índice de sucesso no retratamento endodôntico de dens in dente tipo II associado à lesão periapical com o uso de insertos ultrassônicos e iodofórmio.

 

INTRODUÇÃO

Dens invaginatus ou dens in dente é um distúrbio de desenvolvimento em que o órgão do esmalte é desorganizado e ocorre a invaginação da coroa antes da fase de calcificação. Radiograficamente, aparenta um dente dentro de um dente, o que explica o termo utilizado. 1,2 O tipo I caracteriza-se por uma pequena invaginação limitada à coroa, sem estender-se além da junção amelo-cementária; no tipo II, a linha de invaginação do esmalte invade a raiz sem atingir o ligamento periodontal, mas pode comunicar com a polpa do dente; e no tipo III, há uma grave invaginação que se estende à raiz e termina na região apical, sem comunicação direta com a polpa do dente.3

Tratamento restaurador preventivo, tratamento endodôntico convencional ou combinado com microcirurgia apical, remoção da porção invaginada e revascularização pulpar são opções de tratamento relatadas.4,5 É imprescindível o conhecimento da anatomia peculiar do sistema de canais radiculares em dentes com essa anomalia a fim de obter sucesso no desafiador tratamento endodôntico. Para isso, o desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos melhorou o resultado e a previsibilidade do tratamento na prática endodôntica moderna.2,6 O uso de insertos ultrassônicos representa um atributo importante em casos de difícil acesso e torna-se cada vez mais útil no acesso coronário, limpeza e modelagem, obturação de canais radiculares, remoção de guta-percha e obstruções intracanais e cirurgia endodôntica.7,8

Elementos dentários com infecção persistente podem ser submetidos ao retratamento endodôntico com uso da pasta à base de iodofórmio como medicação intracanal.9 É um produto químico empregado amplamente no tratamento de lesões refratárias e apresenta propriedades vantajosas para o reparo ósseo por ser antimicrobiano, anti-inflamatório, analgésico, radiopacificador e apresentar longevidade.10 Sua forte ação antisséptica atua na inibição do crescimento bacteriano ou na ação sobre as toxinas.11

O relato deste caso tem como objetivo descrever o uso de insertos ultrassônicos e medicação intracanal com iodofórmio para aperfeiçoar a terapêutica e aumentar o índice de sucesso no retratamento endodôntico de dens in dente tipo II com lesão periapical.

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, 34 anos, queixava-se de dor intensa no elemento 12 após 10 anos da primeira intervenção. A radiografia periapical inicial (Figura 1) revelou dens in dente tipo II com indicação de retratamento endodôntico devido à presença de lesão periapical que também acometia o dente vizinho (elemento 13).

O acesso coronário (Figura 2) foi realizado com insertos ultrassônicos (Dabi Atlante, Ribeirão Preto, SP, Brasil) com ponta esférica diamantada E3D (Helse, Santa Rosa de Viterbo, SP, Brasil) para localizar os canais radiculares e remover obstruções e calcificações (Figuras 3 e 4).

Após a instrumentação dos canais vestibular e palatino, o iodofórmio (Biodinâmica, Ibiporã, PR, Brasil) e hidróxido de cálcio (Biodinâmica, Ibiporã, PR, Brasil) foram utilizados como medicação intracanal (Figuras 5 e 6).

A segunda sessão foi realizada após 15 dias com a troca da medicação. Na terceira sessão, também após 15 dias, o canal estava sem secreção e seco, o que permitiu a obturação dos canais radiculares (Figura 7). Concluído o tratamento, a proservação por dois anos foi realizada (Figura 8).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Planejamento adequado e diagnóstico inicial preciso são indispensáveis para evitar abscesso perirradicular, comumente encontrado em dens in dente. Na maioria dos casos, a invaginação do esmalte propicia a entrada de bactérias na polpa, o que leva à necrose pulpar com eventual resposta inflamatória periapical. Se o tratamento endodôntico falha, as obstruções presentes devem ser removidas para executar o retratamento não cirúrgico.6,7,12

Insertos ultrassônicos foram utilizados neste caso para auxiliar na localização dos canais radiculares e remoção de obstruções e calcificações. A visualização aprimorada combinada a uma abordagem mais conservadora na remoção da estrutura dentária, bem como o acesso, refinamento, localização de canais calcificados e remoção de instrumentos são algumas vantagens que determinam resultados mais previsíveis em virtude do seu uso.7

Uma terapêutica efetiva foi relatada por Girsch e McClammy13 ao empregarem instrumentos ultrassônicos, os quais possibilitaram o tratamento de uma forma extrema de dens in dente, evidenciando que algumas formas podem ser submetidas a técnicas convencionais e apresentar taxas de sucesso elevadas para o tratamento não cirúrgico. Aguiar et al.6 também relatou um caso de tratamento não cirúrgico bem sucedido de dens invaginatus com grande lesão perirradicular. Zuolo et al.2 alcançaram a taxa de sucesso de 83,33% em elementos selecionados, nos quais os canais puderam ser explorados e o tratamento endodôntico concluído normalmente com uso de insertos de ultrassom e microscópio operatório.

A medicação intracanal obtida com hidróxido de cálcio e iodofórmio é o medicamento de escolha para o tratamento ou retratamento da periodontite apical.14,15 Essa combinação atua na inibição do crescimento bacteriano. As propriedades irritantes estimulam a proliferação celular, com reação inflamatória inicial e necrose tecidual, que possibilita neoformação óssea.11 Entretanto, existem divergências entre a capacidade antisséptica e estimulação biológica, que levantam questionamentos sobre o emprego dessa formulação como medicação intracanal.16

Contudo, estudos como o de Dotto et al.17 sugerem que o iodofórmio seja responsável pela formação dos halos de inibição do crescimento bacteriano e Duarte et al. 9 constataram que a medicação à base de iodofórmio não proporciona agravo considerável no pós-operatório, nem gera sintomatologia dolorosa ao paciente. Pavaskar et al.18 ainda acrescenta que o iodofórmio não influencia o potencial antimicrobiano do hidróxido de cálcio.

Matos et al.19 constataram que o hidróxido de cálcio e a pasta de iodofórmio demonstraram alto nível de biocompatibilidade a partir da redução significativa na quantidade de mastócitos com uso da laserterapia para modular a intensidade da resposta inflamatória induzida pelos medicamentos endodônticos.

 

CONCLUSÃO

Os insertos ultrassônicos utilizados no acesso coronário e o iodofórmio na medicação intracanal foram eficazes como recursos adicionais na terapêutica aplicada. O sucesso no retratamento endodôntico de dens in dente tipo II foi evidenciado pelo follow-up de dois anos, em que o dente apresentou-se assintomático e com sinais radiográficos de reparo da lesão periapical.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

• O retratamento de dens in dente com lesão periapical requer o domínio da anatomia, profissionais treinados e uso de ferramentas auxiliares para o planejamento adequado;

• Insertos ultrassônicos facilitam a abertura coronária na localização e acessibilidade da estrutura anômala;

• A formulação do hidróxido de cálcio e iodofórmio como medicação intracanal apresenta bons resultados em dentes com lesão periapical.

 

REFERÊNCIAS

1. de Sousa SM, Bramante CM. Dens invaginatus: treatment choices. Endod Dent Traumatol 1998;14(4):152–8.

2. Zuolo ML, Kherlakian D, Mello Jr JE, Carvalho MCC, Fagundes MIRC. Localização de canais calcificados com auxílio do microscópio clínico operatório: série de casos clínios. Rev Assoc Paul Cir Dent 2010;64(1):28-34.

3. Oehlers FA. Dens invaginatus (dilated composite odontome). I.Variations of the invagination process and associated anterior crown forms. Oral Surg, Oral Med Oral Pathol 1957;10(11):1204–18 contd.

4. Yang J, Zhao Y, Qin M, Ge L. Pulp revascularization of immature dens invaginatus with periapical periodontitis. J Endod. 2013;39(2):288-92.

5. Rocha Neto PC, Oliveira LC, Oliveira MDC, Pinto LP, Gurgel BCV, Galvão HC. Dens invaginatus: case report. RGO 2015;63(2):219-226.

6. Aguiar CM, Ferreira JP, Câmara AC, de Figueiredo JA.Type 2 dens invaginatus in a maxillary lateral incisor: a case report of a conventional endodontic treatment. J Clin Pediatr Dent 2008;33(2):103-6.

7. Plotino G, Pameijer CH, Grande NM, Somma F. Ultrasonics in endodontics: a review of the literature. J Endod 2007;33(2):81-95.

8. De Paolis G, Vincenti V, Prencipe M, Milana V, Plotino G. Ultrasonics in endodontic surgery: a review of the literature. Ann Stomatol (Roma) 2010;1(2):6-10.

9. Duarte ELB, Souza ADS, Murgel CEF, Machado MEL. Avaliação do pós-operatório de lesões periapicais tratadas com extravasamento de lodofórmio / Periapical lesions treted by the use of an lodoform paste. RGO 2003;51(4):225-228.

10. Fernandes KPS, Puertas KV, Bussadori SK, Pavesi VCS, Martins MD. Análise comparativa in vivo da biocompatibilidade de pastas de iodofórmio. Rev ABO Nac 2008;15(6):342-46.

11. Daniel RLDP, Jaeger MMM, Machado MEL. Emprego do iodofórmio em endodontia – revisão da literatura. RPG rev pos-grad 1999;6(2):175-9.

12. Anthonappa RP, Yiu CK, King NM. A novel combination of dens evaginatus and dens invaginatus in a single tooth--review of the literature and a case report. J Clin Pediatr Dent 2008;32(3):239-42.

13. Girsch WJ, McClammy TV. Microscopic removal of dens invaginatus. J Endod 2002;28(4):336-9.

14. Cwikla SJ, Bélanger M, Giguère S, Progulske-fox A, Vertucci FJ. Dentinal tubule disinfection using three calcium hydroxide formulations. J Endod 2005;31(1):50-2.

15. Pereira L, Nabeshima CK, Britto MLB, Pallotta RC. Avaliação do pH de substâncias utilizadas como medicação intracanal em diferentes veículos. RSBO (Impr.) 2009;6(3):243-7.

16. Faraco Junior IM, Percinoto C. Avaliação de duas técnicas de pulpectomia em dentes decíduos. Rev Assoc Paul Cir Dent 1998;52(5):400-4.

17. Dotto SR, Travassos RMC, Ferreira R, Santos R, Wagner M. Avaliação da ação antimicrobiana de diferentes medicações usadas em endodontia. Rev Odonto Ciênc 2006;21(53):266-9.

18. Pavaskar R, Ataide IN, Chalakkal P, Pinto MJ, Fernandes KS, Keny RV, et al. An in vitro study comparing the intracanal effectiveness of calcium hydroxide – and linezolid-based medicaments against Enterococcus faecalis. J Endod 2012;38(1):95-100.

19. Matos FS, Soares AF, de Albuquerque Júnior RLC, Ribeiro SO, Lima GDN, Novais SMA, et al. Effect of laser therapy on the inflammatory response induced by endodontic medications implanted into the subcutaneous tissue of rats. Rev Odontol UNESP 2014;43(5): 343-350.

 

 

Endereço para correspondência:
Marcílio Oliveira Melo
Avenida Aderson Ferreira, 617
Centro - Piripiri – PI
CEP: 64260-000
Brasil
e-mail: marcilio.melo@hotmail.com

 

Recebido: set/2015
Aceito: nov/2015