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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

Print version ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 n.2 Sao Paulo Apr./Jun. 2016

 

Artigo original (convidado)

 

Contribuição da Prótese Bucomaxilofacial na internacionalização da Odontologia

 

Contribution of Maxillofacial Prosthetics for the dentistry internationalization

 

 

Reinaldo Brito e DiasI; Luis Pablo HerreraII; Ricardo César dos ReisIII; Neide Pena CotoIV

 

I Professor titular do departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilofaciais da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp)
II Professor investigador, responsável pela clínica de Prótese Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia da Univesidad Autonôma de Chihuahua, México
III Professor doutor, estagiário do ambulatório de Prótese Bucomaxilofacial do Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilofaciais da Fousp
IV Professora associada do Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilofaciais da Fousp

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivos: Este artigo visa exemplificar uma parceria internacional técnico cientifica por meio da utilização de técnica idealizada e patenteada por pesquisadores brasileiros. Materiais e Métodos: Um grupo de pesquisadores brasileiros idealizou, pesquisou e patenteou uma técnica de obtenção e utilização de íris digitalizada na reabilitação protética ocular. A internacionalização do método foi decorrente do intercâmbio estabelecido entre professores do Brasil e do México. A permanência do pesquisador mexicano, por um período em que especializou e concluiu o curso de mestrado, junto aos colegas brasileiros, pôde oferecer conhecimento e treinamento na aplicação da técnica proposta. Resultados: São apresentados casos clínicos em que a reabilitação protética ocular foi realizada usando a técnica brasileira de íris digitalizada. Conclusão: Pesquisas brasileiras, principalmente na área da saúde, vêm tendo destaque internacional. A preocupação com a melhora da qualidade de vida torna relevantes nossos estudos e técnicas em âmbito mundial.

Descritores: olho artificial; íris; reabilitação.


 

ABSTRACT

Objectives: This article aims to illustrate a scientific technical international relationship through the use of technique created and patented by Brazilian researchers. Materials and Methods: A group of Brazilian researchers devised, researched and patented a technique of obtaining and using scanned iris in ocular prosthetic rehabilitation. The internationalization of the technique was due to technical and scientific partnership between Brazilian and Mexican researchers. A Mexican researcher remained for a period in which he specialized and completed his master's course with the Brazilian team that was able to transfer knowledge and offer a training in the application of the technique. Results: Three cases are shown, two Brazilian and one Mexican. Ocular Prosthetic rehabilitation of these cases was performed using the Brazilian technique of scanned iris. Conclusion: Brazilian research, especially in health, comes with international relevance. The concern with improving life quality makes our technical studies relevant worldwide.

Descriptors: eye, artificial; iris; reabilitation.


 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

A relevância clínica desta internacionalização técnico científica é a melhora da qualidade de vida dos pacientes reabilitados. Os resultados são positivos e o tempo de confecção das próteses minimizado.

 

INTRODUÇÃO

O Brasil vem se destacando mundialmente devido a seriedade que conduz suas pesquisas e inovações tecnológicas. Muitos pesquisadores e estudantes, principalmente da América Latina, buscam conhecimento em nosso país por meio de parcerias técnico-científicas e programas de pós-graduação. Este fato contribui para a disseminação do conhecimento aqui adquirido e aplicação de técnicas inovadoras, levando-as assim a sua internacionalização. Quando uma nova técnica é desenvolvida, principalmente quando sua aplicação visa a melhoria da qualidade de vida e tendo aproveitamento clínico principalmente quando voltado para a atenção à pacientes portadores de anomalias, distúrbio de desenvolvimento e ou sequelas de oncocirurgia ou até mesmo quando vitima de violência, sua disseminação pelo mundo torna-se mais relevante e prazeroso.

A prótese ocular é uma das mais antigas reabilitações executadas pelo homem, sendo que o principal objetivo de seu desenvolvimento era procurar um meio de disfarçar a mutilação. Segundo Murphey et al. (1945)1, já na antiga China em 2000 a.C. as estátuas tinham, no lugar dos olhos, jade imitando o bulbo ocular. Os romanos e os gregos enfeitavam suas estátuas com olhos artificiais feitos com pedras preciosas e ouro.

Em 1578 foi introduzida a prótese de vidro, desenvolvida por artesões assopradores de vidro, chegando à industrialização primeiramente em Veneza para posteriormente atingir a Itália e a França. Foi, no entanto, a Alemanha que adquiriu o domínio da fabricação desses olhos artificiais e passou a liderar a exportação destas próteses oculares, fabricadas a partir de cristais de vidro, para diversos países, determinando a primeira internacionalização de técnicas nesta área.2,3,4 Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, as facilidades de importação dos olhos de vidro tornaram-se inviáveis. Porém, como os soldados e os civis aliados precisavam ser reabilitados devido às mutilações causadas pela guerra, iniciou-se uma busca por olhos de plástico - que era o material de laboratório utilizado na época em prótese dental, empregado por Fincham na Inglaterra em 1941.3 Então as forças armadas americanas e inglesas se uniram para o desenvolvimento de técnicas de confecção de próteses oculares em resina, sendo que um dos precursores desta técnica foi Dietz em 1945.4 Esta técnica foi aceita universalmente e até hoje muitos estudos têm sido feitos visando seu aperfeiçoamento, pois a resina acrílica continua sendo o material eleito para confecção destas próteses.5,6,7,8 Porém, a técnica de obtenção da íris protética, com o avanço da fotografia e sua possível digitalização e impressão em diversos tipos de papéis e com o emprego de várias técnicas de pigmentação, recebeu um sopro de possibilidade de inovação. No Brasil, um grupo de pesquisadores da Disciplina de Prótese Bucomaxilofacial da Fousp propôs a utilização de íris digital na confecção da prótese ocular, após estudos que utilizaram a fotodegradação para sua correta indicação. Obtendo no ano de 2008 sua patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) sob o número BR 1.003.0388-2, que permitiu sua utilização e disseminação de técnica pelo Brasil e mundo.9,10.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

A finalidade do desenvolvimento da técnica de digitalização de íris protética foi aumentar a dissimulação da reabilitação protética ocular, diminuir tempo ambulatorial do paciente e profissional visando sempre a qualidade de vida do paciente a ser reabilitado.9

Outro objetivo foi apresentar o processo de confecção da íris protética digitalizada, que além de ser relativamente simples e rápido por não envolver etapas de cura e prensagem, ainda possibilita a criação de um banco de próteses para uso imediato em outros pacientes.9,10,11

A internacionalização da técnica foi decorrente de parcerias técnico-científicas estabelecidas entre pesquisadores brasileiros e, neste caso, pesquisadores mexicanos.

A permanência do pesquisador mexicano, por um período, onde este se especializou e concluiu o curso de mestrado, junto à equipe brasileira, pode oferecer conhecimento e treinamento para a aplicação da técnica proposta.

 

RESULTADOS

Pacientes brasileiros já recebem desde 2008 os benefícios deste estudo apresentando reabilitação protética ocular satisfatória.

Paciente V.C.C., 38 anos, sofreu cirurgia de evisceração do globo ocular esquerdo por trauma (Figuras 1A e 1B). Paciente T.M.B.V., 50 anos, apresentou perda do conteúdo escleral por trauma (Figuras 2A e 2B). Observou-se, nesses casos, que o tempo de confecção da prótese ocular foi otimizado, conseguindo-se uma dissimulação satisfatória.

Desde 2014, a Universidade Autônoma de Chihuahua, México, por meio de seus pesquisadores parceiros, vem empregando a técnica brasileira no atendimento e reabilitação de seus pacientes portadores de perdas oculares. Esta parceria se renova por meio de visitas periódicas aos Serviços envolvidos, como mostra a figura 3, onde o pesquisador brasileiro acompanha o tratamento reabilitador ocular de pacientes do ambulatório da universidade mexicana (Figura 4).

Os pacientes que apresentam perdas oculares e são atendidos no Ambulatório de Prótese Bucomaxilofacial no México, recebem o mesmo tratamento que os pacientes brasileiros, utilizando a técnica proposta e patenteada em nosso país.

A Figura 5 mostra a cavidade anoftálmicas do paciente A.H.G., de 45 anos com perda ocular por arma de fogo. Sendo reabilitado seguindo a técnica preconizada (Figura 6A e 6B).

 

DISCUSSÃO

Conceitualmente, a palavra internacionalização traz a ideia de divulgação e/ou intercâmbio de conhecimento, seja no âmbito econômico, político ou cultural. Sua motivação e benefícios sempre trazem implícita a busca de conhecimento e aprendizagem.12

Políticas públicas brasileiras vêm incentivando a internacionalização de conhecimento e inovações tecnológicas fundamentando a inserção internacional do Brasil.13,14

Quando esse movimento é realizado em prol da saúde humana, sua contribuição ganha relevância, pois vem acompanhado de melhora de qualidade de vida do homem e crescimento social, por trazer novas soluções para esses problemas de saúde.

A Prótese Bucomaxilofacial, especialidade odontológica que é responsável pelo estudo clínico e o tratamento (reparação artificial ou correção ortopédica) das lesões congênitas, evolutivas, traumáticas (acidentais e cirúrgicas) e patológicas sediadas na boca, maxilares e face.1,3,4 Busca sempre pesquisar materiais e técnicas que minimizem tempo ambulatorial e laboratorial, trazendo melhora no soerguimento psicossocial do paciente acometido em sua qualidade de vida e finalização protética de qualidade. Essa busca resultou no desenvolvimento de técnica de digitalização de íris para utilização na reabilitação protética ocular. Técnica esta reconhecida e patenteada como propriedade intelectual brasileira. A partir daí sua utilização por profissionais estrangeiros vem sendo multiplicada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esta ação, além de elevar o nome da pesquisa odontológica brasileira perante pesquisadores internacionais, exporta também a possibilidade da melhora do atendimento e de qualidade de vida ao paciente que dela se beneficia. Este fato traz, com certeza, uma maior satisfação aos que se dedicam a estudos e inovações tecnológicas.

 

CONCLUSÃO

Pesquisas brasileiras, principalmente na área da saúde, vêm obtendo destaque internacional. A preocupação constante com a melhora da qualidade de vida torna relevantes nossos estudos e desenvolvimento de técnicas em âmbito mundial.

 

REFERÊNCIAS

1. Murphey PJ, Pitton RD, Schlossberg L, Harris LW. The development of acrylic eye prosthesis at The National Naval Medical Center. J Am Dent Assoc 1945;32(19): 1227-44.         [ Links ]         [ Links ] 2. Danz W. Ancient and contemporary history of artificial eyes. Adv Ophthalmic Plast Reconstr Surg. 1990;8:1-10.

3. Finchmam EF. Some recente development in artificial eyes. Trans Ophtal Soc U.K. 1978; 39(2): 188-92.

4. Dietz H. The all plastic artificial eye. Illinois Dent J.1945; 14(7):246:8.

5. Dias RB, Rezende JRV, Carvalho JC. Light-weight ocular prosthesis. Braz Dent J. 1994;5(2):105-8.

6. Geraldini CAC, Coto NP, Dias RB. Confecção de prótese ocular oca: Nova proposta.. Odontologia Clínico-Científica (Impresso). 2010;9: 45-8.

7. Hotta PTH, Tinagero LPH, Geraldini CAC, Coto NP, Dias RB. Uso de prótese ocular expansora em criança com perda de globo ocular – caso clínico. Odonto 2011; 19 (37): 73-77.

8. Song JS, Oh J, Baek SH. A survey of satisfaction in anophthalmic patients wearing ocular prosthesis Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2006 Mar;244(3):330-5.

9. Reis RC, Dias RB, Carvalho JCM. Evaluation of iris color stability in ocular prosthesis. Braz Dent J. 2008;19: 370–4.

10. Sidharth J, Sumit M, Sharad G, Akashay Bhargava Prosthetic Rehabilitation of Ocular Defect Using Digital Photography: A Case Report. J Indian Prosthodontic Soc. 2010;10 (3):190-3.

11. Buzayan MM, Ariffin YT, Yunus N, Mahmood WA. Ocular Defect Rehabilitation Using Photography and Digital Imaging: A Clinical Report. J Prosthodont. 2015 Aug;24(6):506-10.

12. Harris S., Wheeler CEntrepreneurs relationships for internationalization: functions, origins and strategies. International Business Review, 14. 2005.

13. Johanson J, Vahlne J E. The Mechanism of Internationalization. International Marketing Review. 1990;7(4): 11-24.

14. Dias AVC. "Política Industrial em Setores Dominados por Transnacionais: O Brasil como Sede de Concepção e Projeto de Produto", in A. Fleury e M. T. L. Fleury (eds.), Política Industrial 2. 2004. São Paulo, Publifolha, pp. 67-91.

 

 

Endereço para correspondência:
Neide Pena Coto
Avenida Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária - São Paulo – SP
05508-000
Brasil
e-mail: npcoto@usp.br

 

Recebido: mar/2016
Aceito: abr/2016