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RFO UPF

Print version ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.16 n.2 Passo Fundo May./Aug. 2011

 

 

Avaliação dos procedimentos clínicos mais glosados nos convênios odontológicos

 

Evaluation of the most rejected clinical procedures in dental plans

 

 

Daniel Pereira Parreiras de Bragança*; Eduardo Daruge Júnior**; Dagmar de Paula Queluz***; Mário Marques Fernandes****; Luiz Renato Paranhos*****

* Professor mestre de Odontologia Legal da Faculdade de Odontologia da Universo, Niterói, RJ.
** Professor Livre Docente de Odontologia Legal e Deontologia da FOP-Unicamp, Piracicaba, SP, Brasil.
*** Professora Doutora do Departamento de Odontologia Social da FOP-Unicamp , Piracicaba, SP, Brasil.
**** Professor mestre do curso de Especialização em Odontologia Legal da ABORS, Porto Alegre, Brasil.
***** Pós-doutorando em Odontologia Legal e Deontologia pela FOP-Unicamp, Piracicaba, Brasil. Professor Titular do programa de Pós-Graduação em Odontologia – Umesp, São Bernardo do Campo, SP, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A auditoria odontológica é uma área de conhecimento na qual não existem estudos consistentes para a elucidação dos principais pontos de divergência entre auditores e cirurgiões-dentistas clínicos. Objetivo: mostrar à classe odontológica em quais especialidades da odontologia estão os procedimentos clínicos que os auditores dos convênios odontológicos glosam com maior e menor frequência. Metodologia: A pesquisa foi realizada analisando-se 2.283 tratamentos odontológicos propostos por cirurgiões-dentistas e arquivados em uma cooperativa de trabalho odontológico no período de 2002 a 2008. Os dados foram compilados e analisados por estatística descritiva. Resultados: Verificou-se que os procedimentos de dentística restauradora são responsáveis por 50,1% das glosas, sendo 36,4% de restaurações em resina – uma face. A periodontia também apresentou um significativo número de glosas, 19,4%, representado pela raspagem supra e subgengival. Em contraposição, os procedimentos de endodontia e cirurgia oral menor obtiveram um baixo índice de glosas, 2,3% e 2,2%, respectivamente. Conclusão: As especialidades de dentística e periodontia têm maiores números de glosas, ao passo que a cirurgia e a endodontia são as especialidades com menor frequência de glosas.

Palavras-chave: Odontologia legal. Odontologia do trabalho. Auditoria clínica. Procedimentos clínicos. Convênios.


 

ABSTRACT

Dental audit is an area of knowledge where there are no consistent studies for the elucidation of the main points of disagreement between the auditors and clinical dental surgeons. Objective: the objective of this paper is to show the dentistry class in which dental specialties clinical procedures, glossed by auditors of dental plans, are with more or less frequency. Methodology: The survey was achieved by analyzing 2.283 dental treatments proposed by dentists and stored in a cooperative dental work in the period from 2002 to 2008. Data were compiled and analyzed by using descriptive statistics. Results: It was found that the procedures of dentistry are responsible for 50.1% of glosses, where 36.4% of restorations are in resin – one face. Periodontics also showed a significant number of glosses, that is, 19.4% represented by supra and sub gingival scaling. On the other hand, endodontics procedures and minor oral surgery obtained a low index of rejection, that is, 2.3% and 2.2%, respectively. Conclusion: dental and periodontics specialties obtained higher numbers of glosses, whereas surgery and endodontics are specialties which obtained the lowest index of glosses.

Keywords: Forensic dentistry. Occupational dentistry. Clinical audit. Critical pathways. Joint ventures.


 

 

Introdução

A história dos planos de saúde no Brasil inicia-se na década de 19601, na região do ABC Paulista, por meio de uma demanda crescente de empresas dessa região que almejavam oferecer assistência médica aos seus funcionários. A necessidade de regulamentar esse setor levou a discussão para o Congresso Nacional, por meio de projetos de lei apresentados à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, e em 3 de junho de 1998 foi sancionada a lei nº 9656, que trata dos Planos Privados de Assistência à Saúde2.

O aumento da população de cirurgiões-dentistas (CDs) e a diminuição da demanda particular foram fatores determinantes na última década para que o segmento odontológico sofresse sua maior transformação na relação de prestação de serviços entre CDs e clientes. Os profissionais conscientes da dificuldade de exercer a prática liberal da odontologia consideram que, em razão da crise do mercado, o convênio seria uma opção atraente para consultórios vazios3.

Com o incremento na demanda de utilização de planos odontológicos, fez-se necessária a implementação de auditoria odontológica para confrontar os serviços prestados com as normas estabelecidas e vigentes na profissão4. Essa fundamentação é reforçada pela definição terminológica conceitual adotada para o sistema de regulação e análise de serviços e produtos, sendo a auditoria em odontologia o método de eleição para o equilíbrio da relação de consumo, já que, quando normatizada e praticada com regularidade, utilizando-se de amostragem adequada, possibilita ao serviço de saúde a aprovação dos tratamentos necessários para a recuperação e manutenção da saúde bucal do paciente, expurgando as propostas de tratamento desnecessárias e/ou não indicadas5.

São consideradas características pessoais desejáveis aos auditores odontológicos: ser diplomático, bom ouvinte, pontual, bom observador, ser ético e profissional, habilidoso no trato com as pessoas, não ser tendencioso, ter critérios. Em contrapartida, são características indesejáveis aos auditores: ser influenciável, não seguir normas éticas, não ser objetivo, negligenciar o sigilo profissional, ser inflexível6. O auditor deve ter capacitação técnica para exercer a função, ter espírito investigativo e ter habilidade de comunicação verbal e escrita.

Nesse novo paradigma de mercado, no qual os elementos envolvidos são duplicados, em razão da interferência da operadora do plano de saúde e do seu auditor contratado, criam-se novos problemas no segmento odontológico, entre os quais se citam as reclamações de profissionais surpreendidos pela falta de autorização prévia para a execução dos procedimentos que prescreveram, as alterações determinadas pelo auditor sobre a terapêutica proposta, os pagamentos de procedimentos realizados glosados ou suspensos a partir dos pareceres dos seus auditores, bem como a postura não ética desses auditores diante dos pacientes avaliados7.

Um estudo pioneiro versando sobre as perícias administrativas ou auditorias em planos odontológicos mostrou que existe uma grande preocupação com essa atividade em virtude do despreparo ético e legal dos CDs que militam nessa área, bem como apontou a necessidade de a especialização em odontologia legal ser pré-requisito ao desempenho da função de auditor odontológico8.

O conflito de interesses entre profissionais, auditores e empresas da área de saúde suplementar existe e tende a aumentar com a demanda. Porém, à medida que for maior o vínculo entre os indivíduos que estão se relacionando e o conhecimento de suas expectativas e valores, pode diminuir a ocorrência de divergências mais inflamadas9. Isso posto, este trabalho objetivou elucidar aos CDs e profissionais de auditoria em planos odontológicos quais seriam os procedimentos glosados com maior ou menor frequência e em quais especialidades da odontologia estão inseridos.

 

Material e métodos

A pesquisa foi realizada avaliando-se dados coletados no arquivo de auditorias de uma cooperativa de trabalho odontológico sediada no município de Macaé, RJ, Brasil, sendo aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (Unicam), sob o protocolo de nº 066/2009.

Foram analisados 2.283 relatórios de auditoria clínica iniciais aprovados na cooperativa no período de 2002 a 2008, selecionados aleatoriamente de um total de duzentos mil relatórios, de usuários na faixa etária de 4 a 85 anos de idade, relacionando-se não conformidades (glosas) a tipos de procedimentos odontológicos (dentística, periodontia, cirurgia oral, reabilitações protéticas, odontopediatria, radiologia e ortodontia). Essas glosas foram verificadas nas solicitações de tratamento inicial pela equipe de auditoria da cooperativa estudada, sendo os dados descritos de forma sigilosa e arquivados pela cooperativa em arquivo próprio. Após a coleta, os dados foram analisados por estatística descritiva.

As auditorias foram realizadas no período de 2002 a 2008 pela mesma equipe de auditoria odontológica, composta por cinco CDs, que, dentro dos limites da interpretação individual, foram treinados para interpretar de forma similar lesões de cárie, tratamentos periodontais, procedimentos de prótese e outros em que possa haver interpretações diferentes, por meio de cursos de atualização dentro das diversas especialidades da odontologia.

 

Resultados

Dos 2.283 relatórios de auditorias clínicas iniciais analisadas nesta pesquisa, verificou-se a proporção entre orçamentos com pelo menos um procedimento glosado e orçamentos com total conformidade, conforme mostra a Figura 1.

 

 

 

Para ilustrar o resultado final desta pesquisa, o número de procedimentos glosados de 2002 até 2008, ano a ano, está demonstrado na Figura 2.

 

 

 

Em 320 fichas avaliadas na pesquisa – onde havia pelo menos um procedimento glosado – foram contabilizados 599 procedimentos odontológicos glosados no total. Os procedimentos com maior frequência de glosa estão descritos na Tabela 1 e na Figura 3.

 

 

 

 

 

Discussão

As auditorias são ferramentas de controle implantadas pela administração de forma voluntária ou impostas pela agência reguladora por norma de qualidade e, quando devidamente conduzidas, constituem um processo positivo e construtivo. A auditoria não se trata somente da decisão de aceitar ou rejeitar tratamentos, mas, sim, de orientar quando da verificação de uma não conformidade, implementando e acompanhando as ações corretivas no processo10. Mas há uma conotação negativa: abuso do processo de auditoria, utilizada para estabelecer culpa ou determinar ações punitivas.

O Conselho Federal de Odontologia promulgou a resolução 20/2001, de 16 de agosto de 2001, que normatiza perícias e auditorias odontológicas em sede administrativa, na qual estabelece padrões éticos da atuação deste profissional no mercado de odontologia suplementar11.

Sabe-se que a dentística é a especialidade que apresenta maiores números de procedimentos glosados; por outro lado, é a especialidade de maior demanda nos consultórios. Em outra pesquisa12 com convênios odontológicos, realizada no município de Araraquara - SP, verificou-se que a especialidade da dentística foi a maior demanda nos consultórios da operadora pesquisada, corroborando este estudo.

Em uma obra sobre auditoria foi relatada uma análise de 150 relatórios decorrentes de avaliações clínicas, na qual se verificaram 29,33% em não conformidade, o que envolveu 365 procedimentos glosados. Dos 365 procedimentos glosados, 81,36% foram de dentística. Verificou-se que a endodontia, a cirurgia oral e a prótese foram as especialidades em que foram realizadas menos glosas, com 2,2%, 1,1% e 0%, respectivamente7. Essa pesquisa ratifica os resultados do presente trabalho, que também aponta a especialidade de dentística como a principal causadora das divergências entre auditores e CDs, com 50,1% dos procedimentos glosados, e as especialidades de endodontia, prótese e cirurgia oral como as especialidades menos glosadas, com 2,2%, 1,8% e 1,0%, respectivamente. Na literatura odontológica nacional não foram encontradas outras pesquisas, o que reforça a importância de se explorar mais este campo de conhecimento da odontologia.

Esse indicador pode ser útil para evitar distorções e rever planejamentos na área de auditoria13. Uma padronização da equipe de auditoria é fundamental para a correta avaliação dos orçamentos propostos pelos profissionais. A existência de "predomínio da não padronização das avaliações dos procedimentos odontológicos" expõe o problema na tramitação de pareceres14.

A auditoria odontológica é a forma que o convênio odontológico/operadora tem de controlar os atendimentos aos usuários e a qualidade do serviço prestado pela rede de profissionais credenciados. Logo, é de suma importância que as operadoras mantenham sempre auditorias constantes, independentemente do tratamento realizado15. Assim, é de fundamental importância para os profissionais e para os auditores que militam em odontologia o conhecimento dos procedimentos de maior demanda na clínica odontológica, além dos procedimentos que tendem a ser mais glosados, com o intuito de se evitarem auditorias desnecessárias, reduzindo o custo das operadoras, que podem repassar esse valor para a melhoria da remuneração dos profissionais.

 

Conclusão

Os procedimentos de dentística restauradora são responsáveis por 50,1% das glosas verificadas na amostra, sendo as restaurações de uma face as mais incidentes nas não conformidades. Os procedimentos de periodontia também se mostram com uma frequência relevante, pois representam 19,4% das não conformidades. Opostamente, os procedimentos de endodontia, com 2,3%, de cirurgia oral, com 2,2%, e de prótese, com apenas 1,0%, foram os menos incidentes em glosas.

 

Referências

1. Mendes HJ. A relação entre cirurgiões-dentistas e as operadoras de planos de saúde no município de Bauru - SP [Dissertação de Mestrado]. Bauru: Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo; 2005.         [ Links ]

2. Brasil. Ministério da Saúde. Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União 1998a Jun 04: 1. Col. 1.

3. Ferreira RA. O valor da saúde bucal nas empresas. Rev Assoc Paul Cirur Dent 1995; 49(2):96-107.

4. Silva M. Compêndio de Odontologia Legal. Rio de Janeiro: Medsi; 1997.

5. Noronha FM, Salles DMT. A ferramenta auditoria aplicada à Odontologia. In: Anais do Congresso brasileiro de Administração de 2004.

6. Melani RFH. Curso de formação de auditores odontológicos. São Paulo: Fundecto – USP; 2009.

7. Juhás R. Auditoria em Odontologia. 2. ed. São Paulo: Viart; 2007.

8. Peres AS. Perícia de convênio odontológico [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: FO – USP; 1997.

9. Caleman G, Moreira ML, Sanchez MC. Auditoria, controle e programação de serviços de saúde. São Paulo: Fundação Petrópolis 1998; 5:138-45.

10. Mills CA. A auditoria da qualidade: uma ferramenta para avaliação constante e sistemática da manutenção da qualidade. São Paulo: Makron Books; 1994.

11. Conselho Federal de Odontologia. Resolução CFO-20/2001. Disponível em: www.cfo.gov.br.

12. Simplício AHLS, Santos PA, Campos JADB. Perfil dos convênios odontológicos no município de Araraquara - SP, Brasil. Cienc Odontol Bras 2008; 11(4):30-9.

13. Mata JE, Martos EC, Anzaldi MACE. Auditoria Odontológica. Buenos Aires: Ediciones Dunken; 1996.

14. Angelleti RF. A ferramenta auditoria aplicada à Odontologia. Revista da Associação Paulista de Cirurgiões – Dentistas (APCD) 1999; 2(10):26-30 [Acesso 2009 outubro 15]. Disponível em: www.apcd.com.br.

15. Schiavolin Neto L. Convênios e cooperativas odontológicas na região metropolitana de São Paulo: uma análise operacional. [Dissertação de Mestrado] Piracicaba: Universidade de Campinas; 2005.

 

 

Endereço para correspondência:
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Daniel Pereira Parreiras de Bragança
Caixa Postal 119332
27910-970 Macaé - RJ

e-mail:
danielpbraganca@hotmail.com

Recebido: 29.06.2010
Aceito: 27.06.2011