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RFO UPF

Print version ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.17 n.2 Passo Fundo May./Aug. 2012

 

 

Agitação sônica: um aparato alternativo para uso endodôntico

 

Sonic agitation: an alternative apparatus for use in endodontic

 

 

Luis Eduardo Duarte IralaI; Josy Michele GonzattiII; Elias Pandonor Motcy de OliveiraIII; Kathrein Tapia da SilvaIV

I Mestre em Endodontia pela Universidade Luterana do Brasil – Canoas - RS; especialista em Dentística Restauradora PUCRS – professor da disciplina de Endodontia, Ulbra, Canoas - RS e coordenador da especialização em Endodontia da São Leopoldo Mandic, Porto Alegre - RS, Brasil.
II Aluna do curso de especialização em endodontia da São Leopoldo Mandic, Porto Alegre - RS, Brasil.
III Doutor em Endodontia pela UFSM - RS. Professor convidado do curso de especialização em Endodontia da São Leopoldo Mandic, Porto Alegre - RS, Brasil.
IV Especialista em Endodontia pela São Leopoldo Mandic, Porto Alegre - RS, Brasil. Mestra em Endodontia pela PUCRS. Professora do curso de especialização em Endodontia da São Leopoldo Mandic, Porto Alegre - RS, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: confeccionar um aparato de agitação sônica com a finalidade de realizar agitação de irrigantes endodônticos no interior do canal radicular, principalmente para ser usado durante o toalete final. Materiais e método: montou-se o aparato a partir de uma escova dental sônica. As cerdas da escova foram totalmente removidas de sua cabeça, onde foi aberto, em sua porção mais extrema, um pequeno orifício no qual se transfixou um fio de nylon imobilizado com cimento resinoso. O fio de nylon é responsável pela transmissão da vibração sônica para o líquido dentro do canal radicular, cujo valor mensurado por um osciloscópio ficou em 200 Hertz. Ainda, para diferenciá-lo de outros modelos, deu-se o nome de "Agitador JI" à escova sônica modificada. Conclusão: este estudo mostrou uma técnica alternativa de montagem de um aparato sônico com o intuito de agitar líquidos no canal radicular.

Palavras-chave: Ativação. Hipoclorito de sódio. Irrigação do canal radicular. Smear layer.


 

ABSTRACT

Objective: build a sonic agitation apparatus in order to perform endodontic irrigants agitation inside the radicular canal, mainly to be used during the final flush. Method and materials: an apparatus was set up based on a sonic toothbrush. The brush bristles were completely removed from its head, where has been opened in its most extreme portion, a small orifice in which was transfixed a nylon thread immobilized with resin cement. The nylon thread is responsible for transmitting sonic vibration to the liquid inside the radicular canal. Its value, that was measured by an oscilloscope, was 200 Hertz. Still, to differentiate it from other models, was given the name "agitator JI" to the modified sonic toothbrush. Conclusion: this study has shown an alternative technique of mounting an sonic apparatus in order to agitate liquids in the radicular canal.

Keywords: Activation. Irrigation of the radicular canal. Smear layer. Sodium hypochlorite.


 

 

Introdução

A eliminação de restos pulpares, tecidos necrosados e micro-organismos e suas toxinas do sistema de canais radiculares é tarefa essencial para quem almeja um bom prognóstico clínico e, por conseguinte, o reparo periapical. Dessa forma deve-se usar a combinação da limpeza mecânica com a eficiência da irrigação para que se possa permeabilizar de maneira eficaz a dentina do canal radicular1.

Há que se considerar, contudo, que muitas vezes só o preparo químico-mecânico não parece ser eficiente na remoção de remanescentes orgânicos e inorgânicos dos canais radiculares, uma vez que são compostos por um complexo sistema nem sempre acessível aos instrumentos endodônticos. Dessa forma, durante a modelagem do canal radicular, a limpeza pode ser complementada por técnicas de agitação da solução irrigadora, como irrigação passiva ultrassônica, irrigação sônica ou irrigação final com seringa2.

A permeabilização dentinária, principalmente do terço apical, é um intento muitas vezes difícil ao endodontista, devendo esse profissional munir-se de artifícios como dispositivos sônicos e ultrassônicos para tal finalidade3.

Dessa forma, a irrigação, durante a limpeza e modelagem do sistema dos canais radiculares, torna- se um componente crítico na terapia endodôntica, na medida em que se têm três terços de parede do canal radicular, cada uma com características diferentes4.

Lee et al.7 (2004) salientam que a ação de limpeza da irrigação com seringa é relativamente fraca e depende não só da anatomia do canal radicular, mas também da profundidade de colocação da agulha, bem como do diâmetro desta.

Diversos estudos compararam a ação da irrigação padrão com seringa à irrigação passiva ultrassônica e irrigação sônica durante a limpeza do canal radicular, concluindo que a irrigação ativada pelos sistemas é bem mais eficaz na remoção de detritos do que apenas a seringa5-7,8-11.

Segundo Ahmad et al.3 (1997), uma maneira adequada de limpeza é a irrigação sônica, que opera numa frequência mais baixa (1-6 KHz) e produz menores tensões de cisalhamento numa alta amplitude.

Por outro lado, a irrigação ultrassônica opera uma frequência alta (25-30 KHz), mas baixa amplitude, além da percepção auditiva humana (> 20 KHz)9.

Gregorio et al.12 (2009) verificaram que a ativação sônica e ultrassônica dos líquidos resultou em uma melhor irrigação dos canais laterais comparada à irrigação tradicional com seringa e agulha, sendo que a adição de EDTA não resultou em melhor penetração de irrigantes nos canais laterais.

Resultados diferentes foram encontrados quando se comparou a irrigação passiva ultrassônica e a irrigação sônica, sendo que a primeira produziu significativamente canais mais limpos que a sônica11,13-14. Uma provável explicação é a de que a frequência de condução do ultrassom é maior que a sônica, resultando, por conseguinte, em maior agitação11. No entanto é possível que ambas as técnicas possam produzir graus similares de limpeza do canal, quando a irrigação sônica é aplicada por um período de tempo maior7.

O ultrassom cria tanto cavitação como ondas acústicas pequenas e está restrito ao elemento vibrante. A cavitação acústica pode ser definida como a criação de novas bolhas ou contração, expansão e/ou distorção de bolhas preexistentes, os chamados núcleos em um líquido. Dessa forma o líquido irrigante é ativado pela energia ultrassônica transmitida a partir dos instrumentos energizados, produzindo fluxo acústico e redemoinhos3,7,9.

No que tange à desinfecção, a irrigação ultrassônica passiva teve resultados significativos na remoção de bactérias do canal radicular, pois a produção de cavitação gera o enfraquecimento da membrana celular, fazendo com que as bactérias se tornem mais permeáveis ao NaOCl2,5,15-17. Segundo Huque et al.5 (1998), quando maior a concentração de NaOCl sua eficácia parece aumentar.

Como a maioria dos autores sugere o uso de instrumentos sônicos e ultrassônicos para um melhor contato do irrigante, bem como para facilitar a permeabilidade dentinária, o intento deste estudo foi dar uma alternativa para o uso de agitação de líquidos após o preparo químico-mecânico de canais radiculares, modificando e acrescentando material a uma escova sônica.

 

Materiais e método

Para a confecção do aparato sônico, utilizou-se uma escova dental Sonic Power 360o da marca Colgate ® (São Paulo, BR), movida a pilha do tipo "AAA" ou palito. Cortaram-se as cerdas da cabeça da escova dental com o auxílio de um estilete afiado até que se conseguisse um plano na cabeça da escova (Fig. 1).

 

 

 

Na cabeça da escova dental abriu-se um orifício pequeno de 0,5 mm com uma broca de haste longa 559 (KG Sorensen® , Cotia - SP, Brasil) a mais ou menos 3 mm da borda, ativado por uma peça de mão reta Kavo® (Joinville - SC, Brasil). Transfixou-se a cabeça plástica da escova para que se pudesse colocar um fio de nylon Condor® (Campinas - SP, Brasil) de 0,6 mm de diâmetro e 25 mm de comprimento. Afilou-se a ponta do fio com uma lâmina de bisturi nº 11. Para fixar o fio de nylon à escova utilizou-se cimento resinoso Luxa Core® (DMG, Hamburg, Alemanha). O fio configura-se como responsável pela transmissão da vibração sônica (Fig. 2 e 3).

 

 

 

 

 

Para verificar a qualidade de agitação do líquido, utilizaram-se três cubos de canal simulado em acrílico (KIT Dentsply Maillefer, Ballaigues, Vaud, Suíça) inundado com hipoclorito de sódio 2,5% para testar sua eficiência em agitar líquidos entre paredes (Fig. 4).

 

 

 

O aparato também foi submetido a um teste para verificação da sua frequência no Laboratório de Implantação Iônica do Instituto de Física da Ufrgs através de um osciloscópio digital (TDS 2022B, Tektronix), tudo isso sob a orientação do Doutor Paulo Franzen, onde se verificou a frequência de 200 Hertz quando acionado.

 

Discussão

Após a modelagem do canal radicular é necessário que se faça uma permeabilização do sistema de canais, seja para posterior colocação de uma medicação intracanal, seja para a sua obturação. Dessa maneira, o intento de permear a dentina pode ser conseguido com o uso de expedientes, como irrigação sônica, irrigação ultrassônica passiva ou irrigação final com seringa e agentes quelantes.

A partir de estudos onde a irrigação sônica e ultrassônica passiva foi comparada à irrigação com seringa, pode-se concluir que as irrigações ativadas pelos sistemas sônico e ultrassônico são mais eficazes na remoção de restos de tecido pulpar e dentina1, 5-7, 8-11.

Alguns autores, como Huque et al.5 (1998), Harrison et al.16 (2010) e Huffaker et al.17 (2010), avaliaram em seus estudos o uso da irrigação sônica e ultrassônica passiva e obtiveram resultados significativamente melhores na remoção de bactérias do canal radicular, o que motivou à escolha da escova dental Colgate® 360o Sonic Power. A escolha se deu, também, baseada no fato de que esse equipamento permite fácil acesso à cavidade bucal e principalmente por apresentar frequência equivalente a vinte mil movimentos por minuto, ou seja, vinte mil cpm18.

Alguns estudos, como os de Stamos et al.13 (1987), Sabins et al.14 (2003) e Jiang et al.11 (2010), compararam a eficácia dos sistemas sônico e ultrassônico, concluindo que esses são mais eficazes na remoção de restos de tecido pulpar e dentina que o sistema sônico, porém, deformavam o canal radicular. Segundo Van Der Sluis et al.9 (2009), não há um consenso na literatura que suporte que uma forma de energia é superior em relação a outra. Por esse motivo optou-se usar o método sônico, evitando o risco de deformação do canal radicular.

A escova sônica não tem fio, funciona com pilhas, o que facilita seu manuseio durante o uso. Cabe salientar a importância do uso de pilhas novas para manter a potência da vibração almejada pelo fabricante da escova.

Neste estudo, a ponta do "Ativador JI" foi fabricada a partir de um fio de nylon, o que se assemelha ao Sistema EndoActivator® (Dentsply Maillefer), dispositivo sônico recentemente desenvolvido. O Sistema EndoActivator® (Dentsply Maillefer) é composto por uma peça de mão e três pontas descartáveis de polímero e por isso não é capaz de promover cortes e desvios na dentina radicular, conforme informações constantes no site http://endoactivator. com19. Outra particularidade foi a fixação do fio de nylon com resina, o que permitiu uma melhor transmissão da vibração gerada pela escova sônica para o fio. Dessa forma o "agitador JI" ativa com segurança a solução irrigadora pela vibração da ponta dentro do canal radicular inundado de solução irrigadora resultando em um fenômeno hidrodinâmico.

Relativamente à desinfecção, essa pode ser feita numa cuba ultrassônica, mergulhando todo o aparato contrastando com o modelo de desinfecção do sistema Endoactivator® (Dentsply Maillefer) descrito no site http://endoactivator.com19, onde o fabricante orienta que as pontas sejam desinfetadas com gaze umedecida com uma solução como hipoclorito de sódio ou álcool. Já para a desinfecção da peça de mão do sistema Endoactivator® (Dentsply Maillefer), o site indica o uso de detergente neutro ou solução desinfetante, evitando mergulhar ou encharcar a peça em qualquer solução desinfetante, o que difere do agitador JI, que pode ser mergulhado em um enzimático no ultrassom sem prejuízo nenhum.

Autores como Ahmad et al.3 (1987), Huque et al.5 (1998) e Lee et al.7 (2004) salientam que a limpeza do sistema de canais radiculares só acontece se houver a formação de cavitação, formação de bolhas estourando, o que foi simulado usando um canal simulado que, pela sua transparência acrílica, visualizou-se tal efeito provocado pelo aparato.

 

Conclusão

Este estudo teve o intuito de mostrar uma técnica alternativa de construção de um aparato sônico objetivando a agitação de líquidos no canal radicular. No que concerne, contudo, a sua eficácia na permeabilização das paredes dos canais radiculares, ainda cabem estudos aprofundados.

 

Referências

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18. Colgate.Disponível:<http://www.colgate.com.br/app/Colgate360/ BR/home.cwsp?cid=BR_gOC_s_p360_prod_tb_colgate360_ artesc#SonicPower> Acesso em: 19 de setembro de 2011.

19. EndoActivator. Disponível em: <http://endoactivator.com/ sales_sheet.html>. Acesso em: 03 de junho de 2011.

 

 

Endereço para correspondência:
Luis Eduardo Duarte Irala
Rua General Salvador Pinheiro, 142 casa 01
91320-240 Porto Alegre - RS

e-mail:
luis.irala@terra.com.br

 

Recebido: 16/03/2012
Aceito: 03/07/2012