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RFO UPF

Print version ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.17 n.2 Passo Fundo May./Aug. 2012

 

 

Variáveis associadas ao desempenho de cirurgiões-dentistas na estratégia de saúde da família

 

Variables associated to the performance of dental surgeons in the health family strategy

 

 

Vanessa Barreiros GonçalvesI; Luciane Miranda GuerraII; Antonio Carlos PereiraIV
Marcelo de Castro MeneghimIII; Fábio Luiz MialheIV

I Professora mestra da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Jequié - BA, Brasil
II Professora Doutora. Adjunta do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina de Jundiaí SP. Jundiaí - SP, Brasil
III Professor Livre-Docente do Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia de Piracicaba – FOP-Unicamp. Piracicaba - SP, Brasil
IV Professor Titular do Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia de Piracicaba – FOP-Unicamp. Piracicaba - SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Introdução: a estratégia de saúde da família (ESF) tem se tornado, nos últimos anos, a principal estratégia para alavancar a reorganização dos serviços de saúde na atenção básica e, desde 2000, a Odontologia foi inserida nesse contexto visando à reestruturação de todas as ações e práticas em saúde bucal na atenção básica. Objetivos: O objetivo deste estudo foi investigar as variáveis que impactam no desempenho de profissionais em relação à odontologia na ESF. Métodos: para esse fim, participaram 15 cirurgiões-dentistas (CDs) que faziam parte de equipes de saúde bucal da ESF no município de Jequié - BA. Foram utilizados questionários autoaplicáveis como instrumento de coleta dos dados para os dentistas. A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva e pelo uso do teste exato de Fischer. Resultados: a maioria (86,6%) dos CDS participantes afirmou realizar o atendimento clínico como atividade predominante dentre as ações de saúde bucal, ao passo que as atividades preventivas foram desempenhadas com menor frequência. A remuneração foi vista como negativa por 78,6% dos profissionais, apesar de 71,4% relatarem satisfação em trabalhar na ESF. Conclusão: apesar das adversidades encontradas, os profissionais sentiam-se satisfeitos em trabalhar na ESF e havia centralização das atividades na figura do profissional e no consultório, o que apontou para necessidade de reformulação dos processos de trabalho, visando à descentralização de ações para toda a equipe e à atuação do profissional para além dos muros das unidades de saúde, e demonstrando , inclusive, necessidade de investimento na educação permanente dos profissionais.

Palavras-chave: Recursos humanos em odontologia. Sistema Único de Saúde. Saúde bucal. Saúde da família.


 

ABSTRACT

Background: the Family Health Program (FHP) has become in recent years the main strategy to improve the organization of health services in primary care in our country and, since 2000, dental services have been included in FHP to restructure all actions and practices of oral health in primary care. Objective: The aim of this study was to investigate the variables that impact the performance of professionals in relation to dentistry in the FHP. Methods: a sample of 15 dentists working in oral health teams from FHP of the city of Jequié, BA, participated in this study. The instrument of data collection was a selfapplied questionnaire. Data analysis was performed using descriptive statistics and exact Fischer test. Results: the majority (86.6%) of dentists reported that clinical care was the main activity among oral health actions, while preventive activities were performed less frequently. The majority of dentists (78.6%) declared dissatisfaction with their salary but 71.4% reported satisfaction in working in oral health teams of the FHP. Conclusion: it was concluded that despite the adversities encountered, the professionals felt pleased to be working in the FHP. It was verified a centralization of activities in the figure of the dentist in their office, which pointed to the need to invest in continuing education for professionals.

Keywords: Dental staff. Family health. Oral health. Unified health system.


 

 

Introdução

Durante muitos anos, no Brasil, a inserção da saúde bucal e das práticas odontológicas no Sistema Único de Saúde (SUS) deu-se de forma paralela e afastada do processo de organização dos demais serviços de saúde. Essa situação vem sendo revertida, observando-se uma maior integração da saúde bucal aos serviços de saúde, a partir da conjugação de saberes e de práticas que apontam para a promoção e vigilância em saúde, para revisão das práticas assistenciais que incorporam a abordagem familiar e a defesa da vida1.

De acordo com o Ministério da Saúde, as ações realizadas pelas equipes de saúde da família incluem ações territoriais que extrapolam os muros das unidades de saúde, enfatizando atividades educativas e de prevenção de riscos e agravos específicos, com ações básicas de atenção à saúde de grupos prioritários. A estratégia de saúde da família (ESF) vem se apresentando como estratégia de reorganização da atenção primária da saúde, influenciando na reestruturação do modelo de atenção em sua totalidade. Busca romper a organização disciplinar tradicional, fragmentada e prioritariamente voltada para a dimensão biológica do processo saúde-doença, oferecendo condições para que médicos, enfermeiros, cirurgiões-dentistas, e demais profissionais sejam capazes de estabelecer conexões entre os conhecimentos específicos de cada profissão, com a proposição de novas práticas de cuidado em saúde2.

Nessa nova visão, a publicação da portaria ministerial nº 1.444, de 28 de dezembro de 2000, inseriu oficialmente a atenção em saúde bucal na ESF, sob a modalidade um: composta de um cirurgião-dentista e um auxiliar de saúde bucal (ASB); e a modalidade dois: um CD, um ASB e um técnico em saúde bucal (TSB)1.

As diretrizes da política nacional de saúde bucal apontam para o desenvolvimento de ações na perspectiva do cuidado em saúde bucal, seguindo os princípios da gestão participativa, ética, acesso e acolhimento, universalidade, integralidade e equidade. No campo da saúde bucal, essa nova forma de se fazer as ações cotidianas representa, ao mesmo tempo, um avanço significativo e um grande desafio. Um novo espaço de práticas e relações a serem construídas, com possibilidades de reorientar o processo de trabalho e a própria inserção da saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde. Vislumbra-se uma possibilidade de aumento de cobertura, de efetividade na resposta às demandas da população e de alcance de medidas de caráter coletivo. As maiores possibilidades de ganhos situam-se nos campos do trabalho em equipe, das relações com os usuários e da gestão, implicando uma nova forma de se produzir o cuidado em saúde bucal8.

Com mais de uma década de inserção na estratégia de saúde da família, a saúde bucal ainda encontra desafios para sedimentar-se. A avaliação e o monitoramento das ações, das informações, dos indicadores, dos processos de trabalho e demais variáveis que possam impactar no desempenho profissional são fundamentais para o alcance da sua excelência e para sua sustentabilidade. Com base nessa compreensão, faz-se necessária a realização de estudos que avaliem tal inserção através de diferentes visões (gestor, usuário e profissional), a fim de que sejam identificados os desafios e entraves à prática profissional do cirurgião-dentista na ESF. Sendo assim, o presente estudo propôs-se a investigar as variações que impactam no desempenho de profissionais cirurgiões-dentistas na ESF, em um município de médio porte do estado da Bahia.

 

Materiais e método

O presente estudo foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), em Ilhéus-Bahia, de acordo com a resolução nº 196/96, sob protocolo nº 301/09. A pesquisa foi realizada no município de Jequié (BA), com área territorial de 3.227,34 km2 e cuja população é de 151.921 habitantes4. Dos 169 estabelecimentos de saúde cadastrados no CNES/SUS em 2010, 25 se referiam a unidades de saúde da família (USF), sendo que 18 dessas possuíam equipes de saúde bucal (ESB).

Foram selecionadas todas as USFs que possuíam ESB e que estavam localizadas na zona urbana de Jequié; bem como todos os CDs que estavam trabalhando em ESBs da zona urbana no período da coleta dos dados. Foram excluídos da amostra dois CDs da zona rural e um que estava de férias, totalizando 15 profissionais.

Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário semiestruturado e autoaplicável, pré-testado em cinco CDs de ESBs do município de Itabuna. A construção do instrumento pautou-se em questões propostas em estudos anteriores 5,11. Os dados obtidos foram inicialmente analisados através de estatísticas descritivas. Para a analítica, utilizou-se o teste exato de Fischer, com nível de significância de 5%.

 

Resultados

A idade média dos participantes foi de 37,7 anos, e a média de tempo de formação profissional foi de 14,1 anos. A maioria dos CDs era do sexo masculino (53,3%), sendo que 40% apresentavam mais de vinte anos de graduação e 53,3% relataram ter quatro anos ou mais de atuação no ESF.

A maioria dos CDs respondeu sempre prestar atendimento clínico e atividades preventivas/educativas no consultório odontológico. Quanto às atividades preventivas/educativas em sala de espera ou em espaços sociais, a maioria relatou realizá-las de vez em quando ou raramente, conforme Tabela 1.

 

 

 

Os CDs apontaram dificuldade de execução das atividades preventivo-educativas em espaços sociais, seguidas das de sala de espera, conforme Tabela 2.

 

 

 

Sobre a visita domiciliar (VD), 60% dos profissionais afirmou realizá-la aos acamados, conforme prescrito pelo Ministério da Saúde. Uma proporção significativa de profissionais (33,3%) também a realiza quando o agente comunitário de saúde (ACS) solicita. Apenas um profissional relatou não realizar a VD. Além disso, 42,9% dos profissionais entrevistados relataram não delegar outras funções ao auxiliar de saúde bucal (ASB) além daquelas relacionadas ao atendimento clínico no ambiente do consultório odontológico. Os profissionais relataram as condições limitantes do seu trabalho, conforme a Tabela 3.

 

 

 

As condições restritivas mais citadas foram: condição do consultório (22,2%) e qualidade do instrumental (19,4%). Em seguida, foram citadas as condições de instalações prediais e a equipe de trabalho (16,7% cada uma). Aspectos relacionados à limpeza e à esterilização do material/instrumental também foram citados numa proporção significativa (13,9% e 11,1%, respectivamente). Sobre a satisfação dos profissionais em trabalhar na ESFs, 71,4% afirmaram que apresenta um grau de satisfação positiva ao trabalhar dentro da ESF, apesar de que 78,6% demonstraram-se insatisfeitos com a remuneração.

Testou-se, ainda, a associação entre indicadores de formação e atuação profissional e atuação em atividades preventivas/educativas na ESF, conforme Tabela 4.

 

 

 

Foi constatado que não houve associação entre o profissional já ter participado de curso voltado à ESF, o tempo de graduação ou tempo de atuação na ESF com a realização de atividades preventivas e educativas no programa.

Outra associação testada foi entre o tempo de atuação do profissional na ESF e a satisfação profissional considerada positiva (soma das respostas ótima e boa) pelo teste Exato de Fischer. Constatou-se que não houve associação entre as variáveis, como pode ser observado na Tabela 5.

 

 

 

Discussão

O presente trabalho foi realizado em um município de médio porte, em processo crescente de estruturação da atenção básica, dada a expansão do número de equipes de saúde da família que vêm sendo implantadas naquele local. De acordo com Baldani et al.6 (2005), a partir do ano 2000, a ESF passou a ter maior adesão de municípios de médio e grande porte, contrapondo-se com o que se verificou no início da implantação do programa, quando houve uma maior adesão dos municípios de pequeno porte, sendo que, quando da implantação das ESBs, essas seguiram a mesma trajetória.

essas seguiram a mesma trajetória. Um dos aspectos de grande importância observado no presente estudo foi que a maior parte das ações desenvolvidas pelos profissionais era voltada ao atendimento clínico, já que 86,6% dos CDs relataram desenvolvê-lo de forma frequente. Apesar de as ações de prevenção e educação em saúde seremcitadas, eram desempenhadas em uma frequência inferior quando comparadas à assistência odontológica e majoritariamente realizadas de forma individual, dentro do consultório odontológico da unidade. E, em menor proporção, a realização dessas atividades na sala de espera da unidade ou em espaços sociais. Nesses espaços, os CDs relataram que achavam a realização dessas atividades de mais difícil execução do que no consultório. Logo, infere-se que esses profissionais têm encontrado dificuldades em desenvolver ações de cunho coletivo e que extrapolam a assistência individual.

Considerando-se as diretrizes da estratégia de saúde da família e da política nacional de saúde bucal, as ações odontológicas deveriam seguir os princípios de uma nova filosofia de reorganização do modelo de atenção em saúde, refletindo sobre uma concepção de saúde não centrada somente na assistência aos doentes, mas na promoção da boa qualidade de vida e intervenção nos fatores que a colocam em risco; o que aponta para a necessidade inequívoca da incorporação de ações de promoção e proteção, em conjunto com as ações de recuperação3.

Assim, os resultados deste estudo indicam que há necessidade de se focar esforços para a inversão da lógica de atenção em saúde bucal no município, a fim de que as ações de prevenção e de promoção de saúde sejam enfatizadas. Para tanto, percebe-se, pelos resultados, que ainda se faz necessário detectar os possíveis dificultadores desse processo. Há de se verificar as questões ligadas à organização da demanda, como agenda de atendimentos clínicos sobrecarregada, eventuais dificuldades com espaços sociais para a realização de atividades, entre outros.

Além disso, é necessário considerar a necessidade de recapacitação desses profissionais para a execução de tais atividades, dada a ênfase que os cursos de graduação conferem às ciências básicas e, consequentemente, às atividades clínicas, em detrimento dos componentes sociais e educativos e, por conseguinte, das atividades de cunho preventivo-promocional. Consequentemente, nota-se falta de visão crítica das necessidades sociais em saúde bucal. Somado a esse fator está uma formação em que as práticas de atividades educativas desenvolvidas foram baseadas em uma educação doutrinadora, realizada por meio de transmissão de informações, visando que o indivíduo alcance saúde depois de ser educado. Essa formação acadêmica, cujo processo ensino-aprendizagem é centrado em uma educação tradicional, faz com que ocorra uma reprodução dessa situação nos serviços de saúde, resultando na dificuldade em se realizar práticas educativas dialógicas e participativas, impedindo o indivíduo de desenvolver a autonomia e responsabilidade sobre sua própria saúde12.

Com relação à referência e contrarreferência, observou-se que a integralidade das ações de saúde bucal é possível, mas precisa melhorar, pois 46,8% o fazem de vez em quando ou raramente. Considerado o fato de que o município estudado conta com um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) para onde os pacientes podem ser referenciados na atenção secundária, bem como em nível terciário através do atendimento hospitalar, é visível a necessidade de melhorias da organização e diálogo entre os níveis de atenção do sistema. Os profissionais devem ter consciência da importância de referenciar os pacientes para a realização de procedimentos que requerem tecnologias e conhecimentos mais avançados do que aqueles oferecidos na atenção básica, visando à atenção integral ao usuário. Soma-se a isso a importância da contrarreferência, para que possam avaliar a resolutividade das ações integradas. Como limitação deste estudo está o fato de que não foram coletados dados suficientes para avaliar se o que era referenciado estava sendo resolvido e contrarreferenciado pelos níveis de atenção secundária ou terciária. Acrescente-se ainda o fato de que o CEO não foi pesquisado no presente estudo. Logo, não se sabe exatamente quais as especialidades oferecidas, nem tampouco qual a disponibilidade de vagas para as mesmas. Para os profissionais que relataram referenciar "de vez em quando"; não foi questionado se a razão do não referenciamento se deve à falta de referência e/ou de vagas para certas especialidades. Isso aponta a necessidade de continuidade deste estudo, a fim de melhor investigar eventuais dificuldades dos profissionais em relação à integralidade das ações.

Em estudo desenvolvido por Martelli et al. (2008)13, que analisou o modelo de atenção à saúde bucal em municípios do estado de Pernambuco, os autores observaram que 40% desses apresentavam a falta de uma rede de referência e contrarreferência oficializada para a saúde bucal, o que comprometia a qualidade da assistência prestada, não assegurando à população a possibilidade de integralidade da atenção em saúde bucal. Rocha e Araújo16, ao avaliarem as condições de trabalho das equipes de saúde bucal na ESF em Natal (RN), chegaram à conclusão de que a articulação da referência e contrarreferência não tem funcionado como previsto naquele município, tanto pelo fato de não haver o atendimento adequado da demanda das especialidades quanto pela falta de especialistas nas unidades básicas de saúde, impedindo, assim, a integralidade da assistência à população adscrita.

Observou-se que a maioria dos CDs frequenta reuniões em equipe "sempre"; ou "muitas vezes";, e nenhum profissional afirmou "nunca"; participar das reuniões. Essas são de grande importância no planejamento de ações, visando melhorar as condições de vida da comunidade pelo seu diagnóstico situacional, além de ser um catalisador da interdisciplinaridade ao propiciar envolvimento da ESB com a ESF.

Ao avaliar a frequência de realização das visitas domiciliares, poucos profissionais afirmaram fazê-la com frequência, sendo que a maioria (60%) o faz no caso de acamados e, em menor porcentagem, quando solicitado pelo agente comunitário de saúde (33,3%). A visita domiciliar constitui-se em um importante recurso dentre as atividades de âmbito de educação e prevenção, possibilitando o conhecimento da situação de saúde das famílias com uma maior profundidade, bem como favorecendo o fortalecimento do vínculo entre os profissionais e as famílias1.

Observou-se que apenas 28,6% dos CDs delegam outras funções às auxiliares de saúde bucal (ASB) que não sejam o atendimento clínico, o que reforça mais uma vez a formação profissional centrada no modelo biomédico. Muito embora seja importante que o profissional se desloque para além das atividades clínicas, é necessário atentar-se para que tal deslocamento seja cuidadoso, no sentido de evitar-se desassistência clínica. Para tanto, os deslocamentos podem também ser feitos pelo técnico em saúde bucal, pelo ASB e pelo agente comunitário de saúde, competindo ao CD planejá-los, organizá-los, supervisioná-los e avaliá-los3. O Ministério da Saúde recomenda que 75 a 85% do tempo de trabalho do CD seja para procedimentos clínicos e de 15 a 25% seja para atividades de outra natureza, visando uma maior resolutividade do serviço.

Vários estudos têm relatado que os CDs não conseguem realizar um bom trabalho dentro da ESF devido a fatores limitantes que atrapalham o desenvolvimento de suas ações. No presente estudo, a condição do consultório, bem como a qualidade do instrumental, foram as condições mais citadas como limitações. Também foram relatadas as instalações prediais, a equipe de trabalho e a limpeza e esterilização do material. A qualidade do instrumental e a qualidade do material de consumo foi citada em menor proporção. Tais achados corroboram estudo que analisou discursos proferidos por CD da ESF da área metropolitana de Fortaleza e concluiu que os principais motivos de insatisfação profissional na ESF referiram-se às condições estruturais e organizativas, consideradas insuficientes ou inadequadas pela maioria dos entrevistados, além da falta de insumos tecnológicos, bem como ausência de manutenção dos equipamentos odontológicos 14. Da mesma forma, Souza e Roncalli (2007)15 e Rocha e Araújo (2009)16 observaram que as unidades onde desenvolveram pesquisa apresentaram problemas físicos, como falta de sala de espera e sala de atendimento clínico em condições precárias. Além disso, observou-se o não atendimento por falta de material de consumo (luvas, amálgama e anestésicos), falta de limpeza, pela unidade estar passando por reforma ou pela falta de instrumental clínico15. Não obstante à importância dessas limitações, nota-se, contudo, que os profissionais referem-se a dificuldades apenas em relação às físico-estruturais, não citando, portanto, dificuldades outras, relacionadas a processo de trabalho, organização de demanda, modelo assistencial etc. Isso nos induz à reflexão: será que não há outros problemas além dos físico-estruturais? E se não há, por que, então, os profissionais ainda não conseguiram atender certas diretrizes da estratégia de saúde da família, como as já citadas? Ou será que o olhar desses profissionais é que ainda nem vislumbra os demais desafios, em razão de estar focado na prática clínica, atividades assistenciais e procedimentos?

No que diz respeito à satisfação profissional, apesar de a maioria (78,6%) perceber a remuneração como um fator fortemente negativo, 71,4% se sentem satisfeitos em trabalhar no ESF. Embora o presente trabalho não tenha testado a associação entre remuneração e grau de satisfação, é possível inferir que certamente a remuneração não é a única fonte de satisfação no trabalho, o que nos induz a pensar que outros fatores, peculiares ao processo de trabalho da estratégia de saúde da família, devem ser atrativos a esses profissionais. Contudo, se considerarmos que, de acordo com os resultados, as atividades coletivas, ações educativas e visitas domiciliares são pouco desempenhadas pelos entrevistados se comparadas com a atividade clínica, percebemos que esses profissionais poderiam ter sua satisfação potencializada, caso conseguissem mudar seu processo de trabalho, enfatizando as ações e atividades citadas, já que essas, por sua característica coletiva, ou por sua importância no acompanhamento das famílias, são características peculiares a essa estratégia.

As diferenças salariais existentes entre os profissionais de nível superior dentro do ESF – principalmente entre o médico e os outros profissionais – vêm sendo relatadas em inúmeros estudos. Isso tem sido impactante na dificuldade de integração entre os membros da equipe, estimulando a comparação competitiva ao invés da cooperação mútua interdisciplinar. Facó et al. (2005)5 relatam que CDs que trabalham em ESF no Ceará citam como pontos negativos os baixos salários, as condições inadequadas de trabalho e a falta de vínculo empregatício, o que gera insatisfação. Como ponto positivo é citada a adscrição da clientela, possibilitando melhor acompanhamento dos pacientes. Ressaltam, ainda, que a busca da odontologia voltada para os interesses da população passa pela discussão da gestão do trabalho.

 

Conclusão

O presente estudo aponta que os CDs atuantes nas ESBs do município de Jequié (BA), apesar das adversidades encontradas, sentiam-se satisfeitos em trabalhar no ESF e que o perfil dos mesmos demonstrou significativa tendência clínica, com centralização das ações no consultório e na figura do dentista. Para o alcance das diretrizes da estratégia de saúde da família e legitimação do papel do cirurgião-dentista nesta, há que se atentar para a necessidade de transformação dos processos de trabalho. Para tanto, as equipes deverão nortear-se pela descentralização de ações para toda a equipe; bem como a atuação do profissional para além dos muros das unidades de saúde, com utilização de espaços institucionais e compartilhamento com outros atores da comunidade. Na perspectiva de tais mudanças, reflete-se a necessidade de investimentos em educação permanente dos profissionais.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Fábio Luiz Mialhe
Faculdade de Odontologia de Piracicaba
Avenida Limeira, 901- Bairro Areão
13414-903 Piracicaba - SP

e-mail:
mialhe@fop.unicamp.br

 

Recebido: 25/04/2012
Aceito: 4/08/2012