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RFO UPF

Print version ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.21 n.2 Passo Fundo May./Aug. 2016

 

 

Frequência do quarto canal radicular em primeiros molares superiores tratados endodonticamente: estudo retrospectivo

 

Incidence of the fourth root canal in upper first molars treated endodontically: a retrospective study

 

Virgínia Tonello I; Laís Regina Beé II; Alvin Tomm III; Mateus Hartmann IV; José Roberto Vanni V; Volmir Fornari VI

 

I Especialista em Endodontia pela Faculdade Meridional – Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Passo Fundo, RS, Brasil
II Especialista em Endodontia pela Faculdade Meridional – Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Passo Fundo, RS, Brasil. Mestre em Ciências Odontológicas com ênfase em Endodontia pela Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil
III Especialista em Dentística pela Faculdade Meridional – Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Passo Fundo, RS, Brasil
IV Professor Mestre da Escola de Endodontia da Faculdade Meridional – Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Passo Fundo, RS, Brasil
V Professor Doutor da Escola de Odontologia da Imed e do Curso de Especialização em Endodontia da Faculdade Meridional – Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Passo Fundo, RS, Brasil
VI Professor Mestre da Escola de Odontologia da Imed e do Curso de Especialização em Endodontia da Faculdade Meridional – Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Passo Fundo, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

Introdução: as variações anatômicas e a complexa anatomia do primeiro molar superior são um desafio constante quanto ao diagnóstico e ao sucesso da terapia endodôntica. A alta taxa de resultados negativos no tratamento desse dente é geralmente relacionada com a existência de um segundo canal na raiz mésio-vestibular (MV). Objetivo: verificar, por meio de uma coleta de dados, a ocorrência de um segundo canal na raiz MV de primeiros molares superiores e quantos canais haviam sido instrumentados próximo ao seu comprimento de trabalho. Materiais e método: os dados foram coletados em fichas clínicas, referentes ao primeiro molar superior, que estavam anexadas ao prontuário odontológico de pacientes que foram submetidos à terapia endodôntica por alunos de especialização da Faculdade Meridional – Imed — de Passo Fundo, no período compreendido entre 2013 e 2014. Resultados: de um total de 260 primeiros molares superiores tratados, observou-se que em 184 dentes foram localizados três canais radiculares (70,8%), em 76 foram localizados o quarto canal (29,2%) e, desses, 59 tiveram o quarto canal instrumentado em todo o seu comprimento (77%). Conclusão: conclui-se que a ocorrência do quarto canal é alta em primeiros molares superiores..

Palavras-chave: Anatomia. Cavidade pulpar. Molares. Variação anatômica.

 

Abstract

Introduction: The anatomic variations and the complex anatomy of the upper first molar are a constant challenge for the diagnosis and success of endodontic therapy. The high rate of negative outcomes in treatment of this tooth is usually related to the existence of a second canal in the mesio-buccal root (MB). Objective: This study aimed to verify, through data collection, the occurrence of a second canal in the MB root of upper first molars, and how many of them had been prepared close to their the working length. Materials and method: Data were collected from the clinical files attached to the dental medical records of upper first molars of patients that had been subjected to endodontic therapy by students of the post-graduation course of Faculdade Meridional – IMED Passo Fundo, RS, Brazil, from 2013 to 2014. Results: From a total of 260 upper first molars that were treated, 184 teeth presented three root canals (70.8%) and 76 teeth presented the fourth canal (29.2%). Additionally, 59 teeth had the fourth canal prepared to the full length (77%). Conclusion: It is concluded that the occurrence of the fourth canal is high in the upper first molars.

Keywords: Anatomy. Dental pulp cavity. Molars. Anatomic variation.

 


 

Introdução

A anatomia da câmara pulpar, devido à sua complexidade e variabilidade, é um desafio para o cirurgião-dentista. O conhecimento das características mais comuns e de suas possíveis variações é fundamental, pois a não instrumentação de um canal radicular pode levar ao insucesso no tratamento endodôntico1.

O primeiro molar superior (1ºMS) é submetido ao tratamento dos canais radiculares frequentemente, devido ao fato de ser um dente que irrompe precocemente na cavidade bucal, aproximadamente, aos 6 anos de idade. Na maioria das vezes, a falta de cuidado das crianças e dos pais com a higiene oral leva à ocorrência de cáries e restaurações extensas, que podem evoluir para um quadro com envolvimento pulpar e consequente necessidade de terapia endodôntica. A alta taxa de falhas no tratamento desse elemento dentário está normalmente relacionada à presença de um segundo canal na raiz mésio-vestibular (MV)2.

Em um estudo clássico, os autores classificaram os canais em três diferentes tipos, por meio da secção de 208 raízes mésio-vestibulares: tipo I canais únicos, tipo II – dois canais que iniciam separadamente na câmara pulpar e se unem no ápice, tipo III – dois canais distintos, desde a câmara pulpar até o ápice3. Em 1972, Weine complementou essa classificação acrescentando o canal tipo IV, que ocorre quando o canal começa único na câmara pulpar, mas se bifurca antes de chegar ao ápice.

Meios adicionais podem ser utilizados para auxiliar o cirurgião-dentista na procura pelo quarto canal, como o microscópio clínico e o ultrassom, aumentando a segurança e efetividade do tratamento endodôntico. O microscópio apresenta resultados favoráveis por meio da alta magnificação e luminosidade do campo operatório4.

Diante disso, o objetivo deste trabalho foi verificar a frequência do quarto canal radicular na raiz mésio-vestibular de 1ºMS e, desses, quantos haviam sido instrumentados em um nível próximo ao seu comprimento de trabalho.

 

Materiais e métodos

Os prontuários dos pacientes atendidos no curso de especialização em Endodontia da Faculdade Meridional, Passo Fundo, foram analisados (n = 2.149 prontuários) com aprovação do Comitê de Ética da Faculdade Meridional (sob número 689.454). As fichas clínicas de atendimentos de primeiros molares superiores foram selecionadas (n = 260) para avaliar a presença ou não do quarto canal na raiz mésio- vestibular e se ele havia sido totalmente instrumentado. Considerou-se totalmente instrumentado quando a diferença entre os canais mésio-vestibular e mésio-palatino é menor do que 3 mm.

Ao realizar os tratamentos endodônticos no curso de especialização em Endodontia da Imed, os alunos preenchem fichas clínicas detalhando como foi o tratamento, qual o tipo de instrumentação utilizado para preparo e limpeza dos canais radiculares, quantidade de limas e técnica para obturação. Quanto ao elemento tratado, descreve-se o número de canais encontrados e o comprimento real de trabalho em cada canal. Com a coleta desses dados, foi possível verificar a frequência do quarto canal em primeiros molares superiores e se ele havia sido instrumentado em todo seu comprimento de trabalho.

 

Resultados

No tratamento endodôntico de 260 primeiros molares superiores, observou-se que em 184 deles foram localizados três canais radiculares (70,8%), em 76 primeiros molares superiores foram localizados quatro canais radiculares (29,2%) (Quadro 1) e, desses, 59 apresentaram o quarto canal instrumentado em todo o seu comprimento (77%) e 17 (23%) abaixo de seu comprimento de trabalho (Quadro 2).

 

 

 

 

 

Discussão

A literatura comprova em pesquisas clínicas e laboratoriais as variações que podem ocorrer na anatomia do primeiro molar superior, principalmente relacionada ao quarto canal. O conhecimento da anatomia dental é um fator determinante para o êxito no tratamento endodôntico.

Neste estudo, foi encontrada a frequência de 29,2% de primeiros molares superiores com a presença do quarto canal radicular, dado semelhante aos resultados encontrados por Hartmann et al.5 (2009), que obtiveram a frequência do quarto canal radicular em 29,3% dos dentes analisados. Nesse mesmo estudo, os autores afirmam que ao serem utilizados meios adicionais que auxiliassem na busca pelo quarto canal, como o microscópio clínico, a incidência aumentara para 52,3%.

Os resultados obtidos no presente estudo, quando comparados com a literatura científica6-8, apresentaram baixa frequência de constatação do quarto canal. Isso pode ser explicado pela ausência de meios auxiliares na prática clínica que contribuam na procura pelo quarto canal e também pela diferença no delineamento dos estudos.

Dos 1ºMS com a presença do quarto canal analisados nesta pesquisa, 77% tiveram o quarto canal instrumentado em todo o comprimento de trabalho. Em um estudo realizado por Görduysus et al.9 (2001), a incidência do orifício do quarto canal foi alta (96%), porém, foram totalmente percorridos e instrumentados em 80%, devido a calcificações e atresias.

Em estudos realizados in vitro8,9, a frequência do quarto canal mostrou-se sempre superior quando se utilizava ultrassom, microscópio clínico, tomografia computadorizada e secção das raízes analisadas. Isso ocorre devido à facilidade em se manusear um elemento dental fora da boca do paciente, sem interferências, com visão direta e aumento de imagem.

Em um estudo que comparou as incidências do quarto canal radicular com a utilização de microscópio clínico, lupa e sem nenhum meio auxiliar, observou-se que com o uso do microscópio clínico o canal MV foi encontrado em 71,1% dos casos, com lupa, em 62,5% e sem meios auxiliares, somente com visualização clínica, em 17,2%, mostrando grande diferença. Devido a esses achados, o cirurgião-dentista deve, sempre que possível, utilizar meios auxiliares que possam amplificar sua visão do elemento dental para aumentar as chances de encontrar o quarto canal10.

Cleghorn et al.11 (2006) observaram uma discrepância entre os resultados clínicos e laboratoriais na incidência do quarto canal. Embora os estudos in vitro concordem que a incidência do quarto canal é alta, não necessariamente se relacionam com a rotina de observações na prática clínica diária.

Hasan e Khan12 (2014) determinaram, in vivo, a frequência de um segundo canal MV em 53 1ºMS através de uma lupa com magnificação (3 x 5). Os resultados foram superiores aos do presente estudo (50,9% dos dentes apresentavam quarto canal, ou seja, 27 dos 53 dentes analisados), o que pode ser explicado pela magnificação do campo operatório. Nesse estudo, também foi observada maior frequência de quarto canal no gênero masculino, embora não houvesse associação significativa entre a presença do quarto canal e idade, gênero ou obliteração da câmara pulpar.

Um estudo in vivo avaliou a influência do uso de ultrassom e do microscópio para detectar o orifício do segundo canal na raiz mésio-vestibular de 1ºMS. Sessenta primeiros molares superiores foram analisados e o quarto canal foi procurado por intermédio de três métodos, utilizados em sequência: I apenas com uma sonda reta, sem uso de magnificação, II uso de microscópio clínico, III uso do ultrassom. Os resultados mostraram que, em doze dentes, o quarto canal foi localizado sem magnificação, em 21, com uso de Microscópio Operatório (MO) e, em nove dentes, com o uso de ultrassom e microscópio. Esse estudo mostrou que o uso de MO e ultrassom aumentou as chances de encontrar o orifício do segundo canal na raiz mésio-vestibular. Se somados, os valores referentes à localização do orifício do quarto canal são de 42 ocorrências (70%), o que é um índice bastante alto em comparação com outros estudos13. Porém, é importante salientar que a avaliação é somente para a localização do orifício de entrada. Sabe-se que percorrer e tratar clinicamente, in vivo, toda a extensão do quarto canal da raiz mésio-vestibular dos primeiros molares superiores é uma tarefa de difícil execução, mesmo com o auxílio de magnificação de imagem e iluminação e de utilização de ultrassom, com incidências menores5.

 

Conclusâo

Neste estudo, de um total de 260 primeiros molares superiores tratados endodonticamente, observou- se que, em 184 dentes, foram localizados três canais radiculares (70,8%), em 76, foram localizados o quarto canal (29,2%) e, desses, 59 tiveram o quarto canal instrumentado em todo o seu comprimento (77%) e 17 (23%) abaixo do seu comprimento de trabalho.

 

Referências

1. Christie WH, Peikoff MD, Fogel HM. Maxillary molars with two palatal roots: a retrospective clinical study. J Endod 1991; 17:80-4.         [ Links ]

2. Rathi S, Patil J, Jaju PP. Detection of Mesiobuccal Canal in Maxillary molars and Distolingual canal in mandibular molars by dental CT: a retrospective study of 100 cases. Int J Dent 2010; 2010:1-6.

3. Weine FS, Healey HJ, Gerstein H, Evanson L. Canal configuration in the mesiobuccal root of the maxillary first molar and its endodontic significance. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1969; 28(3):419-25.

4. Feix LM, Boijink D, Ferreira R, Wagner MH, Barletta FB. Microscópio operatório na endodontia: magnificação visual e luminosidade. Rev Sul-bras Odontol 2010; 7(3):340-8.

5. Hartmann MSM, Ferreira P, Baratto-Filho F, Fariniuk LF, Limongi O, Pizzatto E. Clinical and microscopic analysis of the incidence of a fourth canal and its trajectory in the maxillary first molar. Rev Gaúcha Odontol 2009; 57(4):381-4.

6. Alaçam T, Tinaz AC, Genç O, Kayaoglu G. Second mesiobucal canal deteccion in maxillary first molars using microscopy and ultrasonic. Aust Endod J 2007; 34(3):106-9.

7. Baratto Filho F, Zaitter S, Haragushiku GA, de Campos EA, Abuabara A, Correr GM. Analysis of the internal anatomy of maxillary first molars by using different methods. J Endod 2009; 35(3):337-42.

8. Kulild JC, Peters DD. Incidence and configuration of canal systems in the mesiobuccal root of maxillary first and second molars. J Endod 1990; 16(7):311-7.

9. Görduysus MO, Görduysus M, Friedman S. Operating microscope improves negotiation of second mesiobuccal canals in maxillary molars. J Endod 2001; 27(11):683-6.

10. Buhrley LJ, Barrows MJ, BeGole EA, Wenckus CS. Effect of magnification on locating the MB2 canal in maxillary molars. J Endod 2002; 28(4):324-7.

11. Cleghorn BM, Christie WH, Dong CCS. Root and root canal morphology of the human permanent maxillary first molar: a literature review. J Endod 2006; 32(9):813-21.

12. Hasan M, Khan FR. Determination of frequency of the second mesiobuccal canal in the permanent maxillary first molar teeth with magnification loupes (× 3.5). Int J Bio Sci 2014; 10(3):201-7.

13. Sujith R, Dhananjaya K, Chaurasia VR, Kasigari D, Veerabhadrappa AC, Naik S. Microscope magnification and ultrasonic precision guidance for location and negotiation of second mesiobuccal canal: an in vivo stud. J Int Soc Prev Community Dent 2014; 4(3):209-12.

 

 

Endereço para correspondência:
Virgínia Simionato Tonello
Rua Eduardo de Brito, 1.650/102
990250-60 Passo Fundo, RS
e-mail:
virst_pf@hotmail.com

 

Recebido: 24/04/2016
Aceito: 19/08/2016