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Odontologia Clínico-Científica (Online)

On-line version ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.12 n.3 Recife Jul./Sep. 2013

 

Artigo Original / Original Article

 

Resistência de união de um sistema restaurador à base de silorano ao esmalte bovino

 

Bond strength of a Silorane-based composite to bovine enamel

 

 

Felipe Coelho Lima I; Amanda Holanda Almeida I; Fabianni Magalhães Apolonio II; Lidiane Costa de Souza II; Vicente de Paulo Aragão Saboia III

I Estudante de Graduação, Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem. Fortaleza, Ceará, Brasil
II Estudante de Pós-Graduação, Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem. Fortaleza, Ceará, Brasil
III Professor Adjunto. Departamento de Odontologia Restauradora. Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem. Fortaleza, Ceará, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi avaliar a resistência de união ao esmalte bovino de um sistema adesivo para compósitos à base de silorano, com e sem condicionamento prévio. Para isso, foram selecionados 12 incisivos bovinos com superfície de esmalte planificada e, então, divididos em dois grupos: Grupo 1 (P90) – realizado um platô em esmalte com o sistema restaurador P90; Grupo 2 (P90A) – realizado um platô com condicionamento ácido prévio à utilização do sistema adesivo, utilizando ácido fosfórico a 37% por 15s. Os espécimes (n=6) foram seccionados nos eixos "x" e "y" para obtenção de palitos para o teste de microtração com velocidade de 0,5mm/min. Os dados obtidos foram submetidos aos testes ANOVA One-way e Tukey. Os testes de microtração mostraram um aumento na resistência de união, quando utilizado o condicionamento ácido prévio ao sistema adesivo adotado no estudo (p<0,05). Concluiu-se que o condicionamento prévio com ácido fosfórico a 37% aumentou a resistência de união do sistema restaurador à base de silorano ao esmalte bovino.

Descritores: Esmalte dentário, Ataque ácido dentário, Adesivos dentinários, Resistência à tração.


ABSTRACT

The purpose of this study was to evaluate the bond strength produced by a Silorane-based restorative system to enamel with or without prior acid etching. Twelve bovine incisors were selected. Then, the enamel was planned. The teeth were divided into two groups: Group 1 – a plateau was built in the enamel planned with P90 system (P90); Group 2 – a plateau was built in the enamel with prior etching using 37% phosphoric acid for 15s (P90A). Specimens (n=6) were sectioned in enamel/composite sticks to microtensile testing. The cross-sectional area of the sticks was measured. Beams were pulled until failure and bond strength was calculated. Data were statistically analyzed using ANOVA One-way and Tukey (p=0,05). Microtensile bond strength showed higher values to group 2 (P90A), that used prior etching to the adhesive system tested in the study. In conclusion prior etching with phosphoric acid increased microtensile bond strength values of the Silorane-based composite on bovine enamel.

Keywords: Dental enamel, Acid etching dental, Dentin-bonding agents, Tensile strength.


 

 

INTRODUÇÃO

A maioria das resinas compostas usadas atualmente se constitui de metacrilato. Nelas, durante o processo de conversão de monômeros resinosos em uma rede polimérica, ocorre a troca das ligações de forças de Van der Walls por ligações covalentes levando a uma contração, já que essas ligações são mais fortes1. Esse fenômeno, conhecido como contração de polimerização, causa estresse na interface dente-restauração deixando, as resinas à base de metacrilato limitadas em relação à integridade marginal2. Essa contração pode resultar no surgimento de infiltrações, dores pós-operatórias, cárie secundária e, até mesmo, na deterioração da interface adesiva, diminuindo a longevidade da restauração3.

Recentemente foi lançada no mercado uma nova resina que apresenta menor contração de polimerização (P90, 3M ESPE, EUA). Esta resina tem em sua composição o silorano, obtido a partir da união de siloxanos e oxiranos, como matriz em substituição ao metacrilato. A diferente forma da molécula desta matriz, em forma de anel, permite que a contração após a polimerização fique abaixo de 1% do volume do material em contraste com as resinas à base de metacrilatos em que a contração varia de 2 a 5%1.

Para a adesão dessa resina aos substratos dentais, foi desenvolvido um sistema adesivo próprio, porém ainda com características dos sistemas à base de metacrilato. Este sistema é autocondicionante de dois passos, ou seja, composto de um primer autocondicionante hidrofílico (P90-primer) e um adesivo hidrofóbico (P90-bond). Ainda não se têm respostas de como essa união entre resina à base de silorano e adesivo à base de metacrilato funciona, porém se sabe que o adesivo possui um monômero bifuncional hidrofóbico que se une ao primer e à resina (1). Além disso, estudos com um material precursor mostraram que, apesar de haver uma adequada união entre o primer e o substrato dental, havia falhas na união entre a resina e o adesivo4.

Por se tratar de um sistema adesivo autocondicionante, com menor tempo clínico e técnica operatória bem mais simples, associado a uma resina de menor contração, o uso desses materiais resultaria em menor infiltração marginal e maior longevidade das restaurações. Além disso, essas características possibilitam a inserção da resina em camadas horizontais, proporcionando facilidade de uso e economia de tempo clínico, principalmente nas superfícies proximais2,5, requisitos importantes para qualquer material odontológico.

A maior parte das restaurações em dentes posteriores tem margens em esmalte dentário. Sabe-se, porém, que o uso dos adesivos autocondicionantes em esmalte é um assunto controverso, sendo indicado, muitas vezes, o condicionamento prévio desse substrato. Estudos microscópicos mostraram que a capacidade de condicionamento da camada desmineralizada por esses adesivos não é tão profunda quanto a promovida pelo ácido fosfórico6,7,8. Esses resultados levantam o questionamento do uso de ácido fosfórico prévio à aplicação de sistemas adesivos autocondicionantes na promoção de uma melhor retenção e integridade marginal. No entanto, a adição de mais um passo a esses sistemas adesivos, aumentaria a sensibilidade da técnica e o tempo operatório do procedimento restaurador, anulando as vantagens do uso de um sistema autocondicionante9.

Com base nessas informações, este estudo se propõe a avaliar o efeito do condicionamento ácido do esmalte previamente à aplicação de um sistema restaurador resinoso à base de silorano em esmalte planificado de dentes bovinos.

Logo, a hipótese nula é de que não existe diferença significativa na adição de um passo de condicionamento ácido prévio ao uso de um sistema adesivo autocondicionante específico para resinas à base de silorano em esmalte bovino.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Obtenção das amostras

Foram utilizados neste estudo 12 incisivos bovinos recém extraídos, coletados em um frigorífico da cidade, e estocados em solução aquosa de timol 0,01% por um período máximo de um mês. Esse estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Animal (CEPA), da Universidade Federal do Ceará sob o protocolo de número 41/2012. Os dentes foram limpos com curetas periodontais e polidos com escova de Robson, pedra-pomes e água. Foi realizada inspeção visual com lupa estereoscópica para comprovar a integridade coronária do esmalte.

A porção radicular de cada dente foi removida com auxílio de um disco diamantado em cortadeira metalográfica (Isomet, Buerhler Ltd., Lake Bluff, IL, EUA) sob abundante refrigeração. Após esse corte, o esmalte vestibular foi planificado com a utilização de lixas de carbeto de silício (3M – EUA) de granulação 600 montada em politriz, até se obter uma superfície sem ranhuras. Para a padronização da "smear layer" , foi utilizada lixa de carbeto de silício (3M - EUA) de granulação 1200 montada em politriz por 10s.

Após a padronização do esmalte, os espécimes foram divididos aleatoriamente em dois grupos, de acordo com o seguinte protocolo utilizando-se o sistema adesivo próprio para siloranos (Sistema Adesivo P90 - 3M ESPE – St Paul, MN, EUA).

Grupo 1 (P90) – Limpeza com escova de Robson, pedra-pomes e água, aplicação do primer por 15 segundos e fotopolimerização por 10 segundos, seguido da aplicação do adesivo e fotopolimerização por 10 segundos, seguindo as recomendações do fabricante;

Grupo 2 (P90A) – Limpeza com escova de Robson, pedra-pomes e água, aplicação de ácido fosfórico 37% por 15 segundos antes da aplicação do sistema adesivo P90 como descrito no grupo 1.

Então, foi realizado um platô de 5mm x 5mm x 2mm no esmalte, utilizando-se o compósito P90 (3M ESPE – St Paul, MN, EUA).

A composição do material usado na pesquisa está descrita na tabela 1.

Foi utilizado o aparelho de fotoativação Elipar FreeLight 2 (3M ESPE – St Paul, MN, EUA) com intensidade de luz de 465 mW/cm2 para a fotopolimerização.

 

 

 

TESTE DE MICROTRAÇÃO

Seis espécimes de cada grupo (n=6) foram submetidos ao teste de microtração. Os espécimes foram seccionados em dois eixos perpendicularmente à interface adesiva com o auxílio de uma cortadeira metalográfica (Isomet, Buerhler Ltd., Lake Bluff, EUA) sob abundante refrigeração. Foram obtidos palitos com uma área transversal de aproximadamente 1mm².

Os palitos foram estocados em água destilado por 24hs. Após esse período, os palitos foram mensurados com a ajuda de paquímetro digital (Absolute Digimatic, Mitutoyo, Tóquio, Japão) para obtermos a área transversal de cada palito. Os espécimes foram submetidos ao teste de microtração em uma máquina de ensaio universal (Modelo 3340, Instron Corp., EUA) sob velocidade de 0,5mm/min até a quebra.

A resistência de união do teste de microtração (MPa) foi calculada levando-se em consideração a carga obtida no momento da ruptura e a área de interface esmalte/resina composta, utilizando-se a seguinte fórmula:

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os resultados encontrados no teste de microtração foram submetidos aos testes estatísticos ANOVA One-way e Tukey, a fim de se verificar a diferença entre os grupos com nível de significância de 5%.

 

RESULTADO

Os valores e desvios-padrões assim como o número de espécimes são mostrados na tabela 2. O condicionamento com ácido fosfórico previamente à aplicação do sistema adesivo aumentou a resistência de união do compósito P90 ao esmalte bovino.

 

 

 

DISCUSSÃO

O sistema adesivo P90 é específico para o compósito à base de silorano Filtek P90 e não apresenta indicação de condicionante ácido prévio, sendo classificado como um adesivo autocondicionante de dois passos, contendo o ácido incorporado ao primer do sistema. Nesse tipo de sistema, a desmineralização do substrato ocorre concomitante à penetração do primer na rede de colágeno. Isso evita o colapso das fibrilas colágenas, diminuindo o risco de erros durante a sua aplicação, além de reduzir o tempo de trabalho10.

Entretanto, nesses sistemas, o primer, que contém monômeros ácidos, apresenta pH mais elevado, o que pode diminuir a efetividade do condicionamento ácido em esmalte. O potencial de condicionamento dos adesivos autocondicionantes depende diretamente do seu pH e de alguns outros fatores, como viscosidade, solubilidade e da técnica de aplicação. O ácido fosfórico a 37% possui pH menor que 1, e o primer do sistema adesivo P90 possui um pH de 2,7 11.

O resultado deste estudo mostrou que o condicionamento ácido do esmalte previamente à utilização do sistema adesivo P90 resulta em aumento significativo da resistência de união esmalte/resina composta à base de silorano. Como na prática clínica diária a maioria das cavidades possui margens em esmalte, é importante que haja um selamento marginal satisfatório nesse substrato, a fim de evitar problemas como sensibilidade pós-operatória e cárie secundária9.

O valor da resistência de união mais baixo obtido no grupo no qual o esmalte não recebeu condicionamento ácido prévio (controle) pode ser devido ao potencial reduzido de desmineralização do primer que, por si só, pode não ser tão efetivo no esmalte. Miguez et al.12 relatam que o condicionamento com ácidos mais fracos é efetivo na dentina, porém o uso destes no esmalte resulta em queda na resistência de união.

Taschner et al.13 relataram que um condicionamento não-homogêneo do esmalte pode ocorrer com adesivos autocondicionantes e, por isso, a adesão a esse tecido pode ser comprometida como um resultado da diminuição das retenções micromecânicas. Essa redução pode comprometer não somente a força de união e a estabilidade inicial mas também a durabilidade da restauração. Precipitações minerais no esmalte, deixando certas regiões mais mineralizadas, podem também interferir, de forma negativa, na efetividade do condicionamento ácido conseguido pelos sistemas autocondicionantes14.

O presente estudo mostrou um aumento de aproximadamente 60% na resistência de união para o grupo no qual o esmalte foi condicionado previamente com ácido fosfórico. Esses achados estão de acordo com outros esudos12-14. Miguez et al.14 utilizaram o teste de microtração para avaliar a resistência de união de alguns adesivos autocondicionantes. Taschner et al.13 utilizando o teste de cisalhamento mostraram que o condicionamento prévio melhorou cerca de 50% por cento a resistência de união de um adesivo autocondicionante ao esmalte, sugerindo que o condicionamento por um primer ácido fraco nesse tecido resulta em perda de resistência adesiva.

Apesar da economia de tempo e efetividade dos sistemas adesivos autocondicionantes em dentina, estes não tem sido visto em esmalte. Estudos sugerem o condicionamento prévio com ácido fosfórico das margens cavitárias em esmalte para aumentar a resistência adesiva12-15. No entanto, isso traria o inconveniente de um passo clínico adicional e, consequentemente. a dificuldade de aceitação dessa técnica pelos clínicos.

Para se evitar esse passo adicional, quando a restauração for restrita em esmalte, pode-se realizar o condicionamento ácido prévio e omitir a aplicação do primer, passando diretamente para o adesivo, sem prejuízo ao selamento da restauração12. Isso aumentaria a resistência da união dos sistemas adesivos autocondicionantes de 2 passos ao esmalte, sem alterar o tempo clínico, resultando numa técnica mais aceitável pelos clínicos. No entanto, o problema persiste na maioria das cavidades, aquelas preparadas em esmalte e dentina, pois as diferenças entre os dois substratos dificultam o uso de um só agente condicionante para ambos. A dentina necessita do primer e não pode ser condicionada com ácido fosfórico previamente ao uso de sistemas autocondicionantes sob o risco do supercondicionamento e dificuldade de penetração do primer, resultando em diminuição da resistência adesiva.

 

CONCLUSÃO

O condicionamento prévio com ácido fosfórico a 37% aumentou a resistência de união do sistema restaurador à base de silorano ao esmalte bovino.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a 3M ESPE pela doação do material de consumo do experimento bem como ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência:
Vicente de Paulo Aragão Saboia
R. Gilberto Studart, 770 Apto: 901 – Cocó
CEP: 60.190-750 Fortaleza, Brasil
E-mail: vpsaboia@yahoo.com

 

 

Recebido para publicação: 10/04/13
Aceito para publicação: 07/11/13