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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

On-line version ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.58 n.1 Porto Alegre Jan./Mar. 2010

 

CLÍNICO CLINICAL

 

Emprego do enxerto de tecido conjuntivo subepitelial no recobrimento radicular

 

Use of subepithelial conjunctive tissue graft in root covering

 

 

Denis Clemente Rodrigues; Ricardo Alves; Takeshi Kato Segundo1

CIODONTO - Clínica Integrada de Odontologia, Curso de Especialização em Periodontia. Rua Itália Pontelo, 50, 35700-170, Sete Lagoas, MG, Brasil

 

 


RESUMO

A recessão gengival pode provocar alterações estéticas e hipersensibilidade radicular, o que pode alterar a mastigação e a escovação e desta forma colaborar para a progressão da doença periodontal. O tratamento de recessões gengivais com o enxerto de tecido conjuntivo subepitelial é muito previsível devido ao seu caráter bilaminar. Todavia alguns fatores podem influenciar o sucesso do procedimento, são eles: seleção da lesão; características do defeito em relação à profundidade e largura da recessão, quanto mais profunda e larga a recessão pior o seu prognóstico e também a presença de restaurações. Além disto, é preciso controlar os fatores etiológicos das recessões, como a inflamação e a escovação traumática, o controle dos fatores sistêmicos, o traumatismo oclusal, o cigarro e hábitos nocivos, considerações técnicas e assepsia. O sucesso do procedimento deve estar alicerçado na observação dos possíveis fatores que possam influenciar sua previsibilidade e também o respeito aos princípios básicos da cirurgia mucogengival.

Termos de indexação: periodontia; retração gengival; tecido conjuntivo.


ABSTRACT

Gingival recession may cause cosmetic changes and root hypersensitivity, which can alter mastication and tooth brushing, and thus contribute to the progression of periodontal disease. Treatment of gingival recessions with subepithelial conjunctive tissue grafting is very predictable due to its bilaminar nature. However, some factors may influence the success of the procedure, among them: selection of the lesion; characteristics of the defect with regard to the depth and width of the recession, the deeper and wider the recession, the worse the prognosis, and also the presence of restorations. Furthermore, it is necessary to control the etiologic factors of recessions, such as inflammation and traumatic brushing, control of systemic factors, occlusal trauma, smoking and harmful habits, technical considerations and asepsis. The success of the procedure must be based on observing the possible factors that might influence their predictability, as well as respecting the basic principles of mucogingival surgery.

Indexing terms: periodontics; gingival recession; connective tissue.


 

 

INTRODUÇÃO

A recessão gengival é definida pela American Academy of Periodontology, desde 1992, como o deslocamento da margem gengival apicalmente à junção amelocementária. É um defeito mucogengival que pode provocar um aspecto antiestético, hipersensibilidade radicular, impactação alimentar, predisposição a cáries radiculares, dor durante a mastigação ou escovação e dificuldade no controle de placa, fatores esses que podem colaborar na progressão da doença periodontal.

O tratamento da recessão gengival por meio da cirurgia mucogengival tem sido extensamente pesquisada. Para Wennström1, dentre as técnicas cirúrgicas atuais utilizadas para o recobrimento radicular, o enxerto de tecido conjuntivo destaca-se, pois fornece uma maior previsibilidade de sucesso.

Desde que Langer & Langer2 descreveram a técnica precursora do enxerto de tecido conjuntivo para cobertura radicular, ocorreu um notável desenvolvimento e aprimoramento dos métodos capazes de promover a cobertura de raízes expostas.

Para uma avaliação de resultados, é importante questionar quais os critérios adotados para caracterizar o sucesso das técnicas implementadas. Segundo Bouchard et al.3, o indicador mais comum de sucesso das técnicas cirúrgicas para o recobrimento radicular seria a porcentagem ou a quantidade em milímetros da cobertura radicular da área desnudada. Para os autores, outros indicadores como a coloração do enxerto em relação à mucosa alveolar e ao tecido queratinizado pré-existente, a aparência do enxerto com ausência de fibrose ou cicatrizes, seu aumento de volume ou textura e a localização da linha mucogengival deveriam ser observados e avaliados para confirmar o sucesso do procedimento.

Al-Zahrani & Bissada4 definiram que os procedimen-tos de enxerto de tecido conjuntivo apresentavam uma grande sensibilidade técnica. Constataram que muitos fatores determinavam a previsibilidade dos procedimentos e que os mesmos não se encontravam totalmente esclarecidos. Segundo esses autores a habilidade do clínico, as características do defeito, as características do enxerto, o tipo de procedimento cirúrgico, a condição sistêmica do paciente e o desempenho da higiene oral são fatores que definem a previsibilidade do recobrimento radicular. A melhor elucidação destes fatores poderia refletir em um valioso auxiliar da prática clínica, uma vez que nortearia os profissionais para uma avaliação mais criteriosa das possíveis interferências na previsibilidade da técnica selecionada.

Etiologia das recessões

A etiologia das recessões gengivais é considerada multifatorial e os fatores predisponentes agem concomitantemente com os fatores desencadeantes5. Os fatores anatômicos, considerados predisponentes, são pre-ponderantes na etiologia das recessões gengivais e incluem: a) deiscência óssea; b) fenestração óssea; c) cortical óssea fina; d) má posição dentária; e) tração dos freios e bridas; f) vestíbulo raso; g) altura e espessura reduzida do tecido queratinizado. Já os fatores desencadeantes são: a) escovação traumatogênica; b) inflamação; c) lesões cervicais não cariosas; d) prótese fixa mal adaptada; e) violação do espaço biológico; f) incisão relaxante mal situada; g) traumatismo oclusal; h) cigarro e hábitos nocivos; i) grampo, barra ou sela compressivas em prótese removível e j) movimento ortodôntico fora dos limites ósseos.

Borghetti & Monnet-Corti5 descreveram que o desenvolvimento de uma recessão gengival necessariamente depende da presença de um ou mais fatores anatômicos predisponentes juntamente com um ou vários fatores desencadeantes.

Segundo Ceruti et al.6, as lesões cervicais não cario-sas caracterizam-se como uma perda de tecido dental perto da junção cemento-esmalte, provocada por diferentes fatores como: ácidos endógenos e exógenos, ação abrasiva mecânica e flexão do dente devido à sobrecarga oclusal. Essas lesões são classificadas como erosão, abrasão ou abfração e são sempre acompanhadas de algum grau de recessão gengival.

Uma vez instalada a recessão, o prognóstico para a indicação de cobertura cirúrgica dependerá da influência de diversas variáveis inerentes ao defeito e à técnica a ser utilizada, como se segue:

Características do defeito

Para as classes I e II é possível um recobrimento completo, classe III recobrimento parcial, classe IV nenhuma cobertura é esperada7. Em relação à profundidade e largura da recessão, quanto mais profunda e larga é a recessão pior o seu prognóstico3,8.

Zucchelli et al.9 descreveram que a ausência de perda de tecido duro e mole em altura na região interproximal é o princípio biológico essencial para alcançar o sucesso independente da técnica utilizada.

Para Al-Zaharani & Bissada4, nos dentes com lesão cervical não cariosa ou com restaurações de compósitos, a cobertura radicular será possível, embora estes fatores influenciem a previsibilidade do procedimento.

Modificação da superficie radicular

O tratamento da superfície radicular foi proposto para oferecer uma condição apropriada para a busca da reconstrução periodontal.

A desmineralização da superfície radicular foi proposta por Stahl et al.10 para expor o colágeno e facilitar o depósito de cemento pela indução das células mesenquimais do tecido adjacente que se diferenciaram em cementoblastos. Esse condicionamento da superfície radicular pode ser efetuado com ácido cítrico (pH 1, por 1 minuto) ou tetraciclina hidroclorada (50 a 125mg/ml por 3 a 5 minutos) e foi usado por Harris11, dentre outros.

A remoção mecânica dos depósitos bacterianos, do cálculo e do cemento contaminado é importante para a formação de uma "nova inserção" conjuntiva12. Miller13 defendeu uma ampla raspagem e alisamento radicular para diminuir a proeminência radicular. Pini Prato et al.14 em recessões rasas usou apenas o polimento radicular.

Características do enxerto

Com relação ao enxerto de tecido conjuntivo, diversos fatores podem influenciar a sua previsibilidade no recobrimento radicular. Segundo Raetzke15 o enxerto deve apresentar a vantagem de ter dupla vascularização, ou seja, do retalho e do leito supraperiosteal.

A estabilidade cicatricial, fornecida pela fibrina do coágulo e por suturas adequadas, é crucial para o resultado da cirurgia16. A espessura do enxerto com no mínimo 1,5mm foi usada por Langer & Langer17.

Borghetti & Monnet-Corti5 descreveram que a assepsia do enxerto é importante, devendo-se evitar o trauma para manter a ferida estabilizada, uma proteção pós-operatória com cimento cirúrgico pode ser usada e também a prescrição de bochechos com clorexidina por 15 dias.

Em relação ao tamanho do enxerto, Yotnuengnit et al.18 sugeriram que deveria ser no mínimo 11 vezes maior que a área desnudada visível ou estender no mínimo de 3 a 5mm, além da exposição radicular. Assim, o tamanho do sítio receptor determinará o tamanho do enxerto.

 

CASO CLÍNICO

Paciente, sexo masculino, 42 anos de idade, não fumante e bom estado de saúde geral. Apresentou-se ao Curso de Especialização em Periodontia da Ciodonto - Sete Lagoas (MG), apresentando um quadro de recessões múltiplas em toda a arcada superior. A queixa principal era de grande sensibilidade térmica, principalmente na região do canino superior esquerdo.

Após exame clínico, o paciente foi orientado quanto ao uso de escovas macias e à técnica de escovação atraumática.

Foi realizado um enxerto de tecido conjuntivo subepitelial, utilizando tetraciclina (125mg/ml) como agente modificador da superfície radicular. O sucesso do tratamento deveu-se, principalmente, ao controle dos fatores anteriormente discutidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O resultado positivo das técnicas que utilizam o emprego do enxerto de tecido conjuntivo subepitelial para o recobrimento radicular pode estar diretamente relacionado com a observação dos princípios já referidos, todavia, em alguns pontos existem controvérsias entre os diversos autores.

Al-Zahrani & Bissada4, Allen8 e Nelson19 relacionaram a largura e a profundidade da recessão com a previsibilidade do enxerto, quanto mais larga e profunda menor a previsibili-dade. No entanto, Jahnke et al.20 não encontraram essa relação.

A relação entre o tamanho volumoso da papila com um melhor prognóstico do enxerto foi descrito por Miller13, todavia Jahnke et al.20 não alcançaram esse resultado.

Por meio dos estudos realizados por Wennströn1, Al-Zahrani & Bissada4 e Müller et al.21, comprovou-se que os fatores desencadeantes mais importantes da recessão gengival são a inflamação e a escovação traumática. Entretanto, Kallestal & Uhlin22 não conseguiram relacionar a escovação traumática com a perda de inserção, mas sim os fatores anatômicos como tecido alveolar fino, largura estreita da gengiva inserida e a presença de um posicionamento dentário inadequado.

Já o uso de agentes modificadores da superfície radicular foi defendido por Miller7, Harris11, Wikesjö et al.16, Jahnke et al.20 e Jepsen et al. 23, com os objetivos de remover o smear layer, alargar os túbulos dentinários, expor o colágeno e facilitar a nova inserção fibrosa. Outros estudos como o de Langer & Langer2, Nelson19, Zucchelli et al.9 e Raetzke15 alcançaram o sucesso sem mencionarem o uso da desmineralização proposta por Stahl et al.10 que tinha como objetivo expor o colágeno e facilitar o depósito de cemento devido à indução da diferenciação dos cementoblastos a partir das células mesenquimais dos tecidos adjacentes.

Miller24 descreveu que o enxerto deveria ser colocado na altura da junção amelocementária para se alcançar o recobrimento radicular total. Contrariando essa posição, Zucchelli et al.9 relataram um trabalho com enxerto de tecido conjuntivo colocado apicalmente à junção amelocementária no qual se alcançou sucesso com o procedimento.

 

CONCLUSÃO

Desta forma, pode-se concluir que a recessão gengival é uma doença que afeta o paciente em termos funcionais e estéticos. As técnicas cirúrgicas para o tratamento da recessão gengival são inúmeras, dentre elas destaca-se o enxerto de tecido conjuntivo subepitelial como sendo o mais previsível devido a seu caráter bilaminar. Além disto, há um melhor resultado estético. No entanto, para o sucesso do tratamento, são vários os fatores que devem ser observados e controlados como: as características do defeito e seleção da lesão, o controle dos fatores etiológicos, o controle dos fatores sistêmicos, a escolha da técnica cirúrgica, o tratamento da superfície radicular e também o preparo do leito receptor e, além disto, deve-se observar os fatores relacionados ao enxerto como: vascularização, hidratação, posicionamento, espessura, largura, estabilidade cicatricial e assepsia da ferida.

Colaboradores

DC RODRIGUES, R ALVES e TK SEGUNDO participaram de todas as etapas da elaboração do artigo.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 11/2/2009
Versão final reapresentada em: 1/7/2009
Aprovado em: 27/8/2009

 

 

1 Correspondência para / Correspondence to: TK SEGUNDO. E-mail: <takeshi@uai.com.br>.