SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.59 issue3 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

On-line version ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59 n.3 Porto Alegre Jul./Sep. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Experiência de cárie em indivíduos com paralisia cerebral

 

Experience of caries in patients with cerebral palsy

 

Mylene Quintela LUCCAI;Carlos Alfredo LOUREIROII

IUniversidade Vale do Rio Doce, Faculdade de Odontologia.
IIClínica Integrada de Odontologia.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo
Analisar os fatores associados à experiência de cárie em indivíduos com paralisia cerebral.

Métodos
Participaram 543 indivíduos entre 2 e 34 anos de idade. Realizou-se análise descritiva das variáveis e calculou-se a experiência de cárie na dentição decídua (ceo-d ≠ 0), e na dentição permanente (CPO-D ≠ 0). As diferenças entre os dois grupos foram analisadas pelo teste de Mann-Whitney e para as amostras com três ou mais grupos utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis. As variáveis categóricas foram comparadas através do teste Qui-quadrado de Pearson. Para análise multivariada utilizou-se a regressão logística binária para descrever a relação entre as covariáveis e variável resposta. O ajuste dos modelos foi realizado por meio da estatística de Hosmer & Lemeshow e pelo coeficiente de determinação R2. Para avaliar a classificação econômica foi utilizado o formulário da Associação Nacional de Empresas de Pesquisa.

Resultados
Os resultados mostraram que em ambas as dentições, os indivíduos com paralisia cerebral têm menos chance de ter cárie que os indivíduos dos grupos de comparação; os pacientes da classe econômica D e E têm mais chance de apresentar cárie do que os da classe A, B ou C, em ambos os grupos e ainda uma relação positiva entre idade e a chance de experiência de cárie.

Conclusão
Pode-se concluir que as diferenças entre os resultados apresentados na literatura e nessa pesquisa se justificam, principalmente, porque as respostas foram estabelecidas, com base em análise de regressão múltipla, que indicou resultados diferentes dos obtidos em análise univariada.

Indexing terms: Cárie dentária. Condições sociais. Fatores de risco. Paralisia cerebral.


 

ABSTRACT

Objective
To analyze the factors associated with the experience of caries in individuals with cerebral palsy.

Methods
A total of 543 individuals in the 2-34 age range was included in the study. To evaluate their economic class, the National Association for Business Research form was used. A descriptive analysis of the variables was made and the experience of caries was calculated both in deciduous teeth (ceo-d ≠ 0), and in permanent teeth (DMF-T ≠ 0). Differences between the two groups were analyzed by the Mann-Whitney test. For samples with three or more groups, the Kruskal-Wallis test was used. The category variables were compared using the Pearson's chi-square test. For multivariate analysis, logistic binary regression was used to describe the ratio between covariates and the variable response. The models were adjusted by means of Hosmer & Lemeshow statistics and the R2 determination coefficient.

Results
The results showed that in both dentitions, individuals with cerebral palsy have less chance of having caries than the subjects in the comparison groups. Patients of the D and E economic class are more likely to have caries than those in Class A, B or C in both groups. There is a positive ratio between age and the chance of having cavities.

Conclusion
We can conclude that the differences between the results found in the literature and in this research are justified, mainly because the answers were established based on multiple regression analysis, which indicated different results from those obtained with univariate analysis.

Termos de indexação: Dental caries. Social conditions. Risk factors. Cerebral palsy.


 

 

INTRODUÇÃO

A prevalência das deficiências no mundo é de uma em cada dez pessoas, seja ela, física, mental, congênita ou adquirida. No Brasil, têm-se aproximadamente 24,5 milhões de deficientes e em Minas Gerais estimam-se 2,7 milhões, conforme o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 20001.

Dentre as deficiências destaca-se a disfunção neuromotora como uma condição que predispõe o indivíduo ao acometimento de doenças bucais, pois as limitações dos movimentos apresentadas dificultam ou impossibilitam o indivíduo para a realização das atividades que controlam os fatores determinantes destas doenças.

O ortopedista inglês Willian John Little descreveu pela primeira vez, em 1862, certos quadros clínicos característicos apresentados por 47 crianças, que foram denominados de rigidez espástica ou doença de Little2. A evolução do estudo destas manifestações clínicas culminou no reconhecimento da então denominada paralisia cerebral, conceituada atualmente por Lima & Fonseca3 como uma disfunção neuromotora, decorrente de lesões ocorridas em no encéfalo em desenvolvimento, antes dos três anos de idade, levando a distúrbios de motricidade, tônus e postura, podendo ou não ter comprometimento cognitivo.

Portanto, as diferenças entre os indivíduos com e sem paralisia cerebral não se restringem às limitações, mas também do grau de dependência para as Atividades de Vida Diária (AVD) que estão diretamente relacionadas à capacidade de compreender e realizar ações para promoção e manutenção da saúde. Esta situação ocorre devido a vários fatores como: alterações dos padrões de movimentos dos músculos faciais e da língua, falta de compreensão sobre higiene bucal, dificuldade no movimento de braços e mãos. Além disso, a relação entre a presença de anomalias dentais e a própria doença, os coloca em situação de risco para o desenvolvimento de doenças bucais como a cárie dentária4.

Diante das evidências científicas, é inquestionável para Bönecker & Sheiham5 que a cárie dentária é uma doença infecciosa, transmissível, multifatorial e que resulta de uma combinação de três fatores principais: hospedeiro e dentes susceptíveis, micro-organismos do biofilme dental, principalmente Streptococcus mutans e substrato, sendo a sacarose considerada com o papel mais importante. Relatam também que a idade da pessoa, o sexo, a raça e o padrão familiar e genético podem influenciar diretamente na prevalência de cárie. Além disto, diferenças socioeconômicasque significam diferenças no grau de instrução, atitude, valores, renda, modo de vida e acesso à saúde e ao lazer, devem ser considerados ao se avaliar o processo saúde/ doença.

O estudo dos fatores associados a uma doença bem como de sua distribuição, em populações específicas, fornece subsídios de grande relevância para o controle do problema de saúde por meio de ações que englobam educação em saúde, mudança de políticas públicas, enfoque ambientalista e ação comunitária. Portanto, os resultados deste estudo irão contribuir não apenas para um diagnóstico da realidade desta população, mas principalmente para nortear o planejamento dos serviços para futuras investigações.

Este estudo objetiva analisar fatores demográficos e socioeconômicos associados à experiência de cárie em indivíduos com paralisia cerebral, assistidos no Pólo Integrado de Assistência Odontológica ao Paciente Especial (PAOPE).

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, realizado nas clínicas odontológicas da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), localizada em Governador Valadares, Minas Gerais, Brasil, em 2006.

Para compor o grupo-inicial, foram selecionados todos os pacientes cadastrados e assistidos no PAOPE/ Univale, no período entre 1995 e 2006, que apresentavam em seu prontuário o diagnóstico de paralisia cerebral, totalizando 201 indivíduos.

Para selecionar o grupo-comparação foram analisados os cadastros da secretaria e agendamentos dos pacientes a serem atendidos nas clínicas odontológicas convencionais da Univale. Antes do início de cada clínica, foram realizadas as abordagem ao paciente ou responsável sobre sua disponibilidade e interesse em participar do estudo. Para inclusão no estudo foram utilizados os seguintes critérios: ser paciente regular do serviço, não ter paralisia cerebral e apresentar a mesma faixa etária do grupo de estudo totalizando 342 indivíduos.

A amostra foi estratificada nas faixas etárias: 2 a 5 anos, 6 a 12 anos, 13 e 14 anos, 15 a 19 anos, 20 a 24 anos e 25 a 34 anos, sendo que em cada uma delas, os grupos foram pareados por idade, tomando como referência o número de indivíduos da população finita representada pelo censo de pacientes com paralisia cerebral.

O tamanho das amostras calculado para N foi obtido com a resolução da equação: N = {(tn (m+1) -2α/2 + tn (m+1) - 2β/2)2}/d2 onde: d = delta/dp; α = alfa, β = 1 - poder. Na equação n é valor do número arredondado até o inteiro mais próximo.

Os parâmetros utilizados foram: alfa = 0,05; poder = 0,80; diferença entre médias = 0,50; desvio-padrão por idade, obtido do último inquérito epidemiológico do município de Governador Valadares em 2003. Para os Desvios-Padrão (DP) das crianças com paralisia cerebral na faixa etária entre 2 e 5 anos de idade foram utilizados dados de um estudo anterior realizado, em São Paulo, por Guaré & Ciamponi6, e para as idades não contempladas, neste estudo, os DP foram obtidos por regressão múltipla.

Devido a limitação relativa à quantidade de pacientes no grupo-estudo para algumas faixas etárias, aumentou-se o número de indivíduos do grupocomparação (Tabela 1).

 

 

 

Antecedendo os exames clínicos foi realizada uma capacitação e pré-testes com quatro examinadores, que participaram do projeto, com os objetivos de assegurar uma interpretação, compreensão e aplicação uniforme dos códigos e critérios para a análise da doença. Foram asseguradas ainda, as condições observadas e registradas e a confiabilidade dos dados. Os resultados do Teste Kappa variaram entre 0,91 e 0,97, indicando ótima concordância intra e inter- examinadores.

O Termo de Consentimento Livre Esclarecido foi assinado pelo responsável ou paciente, permitindo a coleta dos dados e posterior divulgação, necessárias a para realização desta pesquisa.

Para avaliar a classificação econômica foi utilizado um formulário proposto pela Associação Nacional de Empresas de Pesquisa identificado por Critério de Classificação Econômica Brasil, que tem como função definir as classes econômicas através de um sistema de pontos para posse de itens e escolaridade do chefe da família. O referido formulário foi respondido pelos responsáveis (das crianças e pacientes com paralisia cerebral) ou pelo próprio indivíduo, quando esse apresentava condições para tal.

As questões que identificam a ausência de disfunção neuromotora no grupo-comparação foram respondidas pelos responsáveis das crianças ou pelo próprio indivíduo quando possível. As informações referentes ao diagnóstico e classificação da paralisia cerebral foram retiradas dos prontuários dos pacientes arquivados no PAOPE.

O exame bucal e a entrevista foram realizados nas clínicas odontológicas da Univale e nas Instituições frequentadas pelo pacientes com paralisia cerebral (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Inhapim e de Ipatinga e da Casa da Esperança em Ipatinga), devido às dificuldades de transportá-los.Os exames foram realizados sob luz natural, sendo utilizados: espelhos bucais, gaze, espátulas de madeira e abridores de boca, se necessário. O examinador permaneceu sentado e o paciente deitado e foram respeitados todos os princípios de biossegurança.

Para avaliar experiência de cárie, foram utilizados os critérios indicados no Projeto SB Brasil, que verificou as condições de saúde bucal da população brasileira no ano 2003. Os índices utilizados foram ceo-d e CPO-D para dentição decídua e permanente, respectivamente.

Inicialmente foi feita uma análise descritiva das variáveis utilizadas no estudo. Para as variáveis nominais ou categóricas, foram produzidas tabelas de distribuição de frequências. Já para as variáveis ordinais, como "número de dentes", "CPO-D" e outras, normalmente tratadas como contínuas, foram utilizadas medidas de tendência central e variabilidade.

Calculou-se ainda, a experiência de cárie na dentição decídua entre as crianças de 2 a 5 anos (ceo-d ≠ 0), e na dentição permanente entre os indivíduos de seis a trinta e quatro anos (CPO-D ≠ 0), com respectivos intervalos de confiança de 95%.

Para verificar diferenças entre dois grupos foi utilizado o teste não-paramétrico de Mann-Whitney e para as amostras com três ou mais grupos utilizou-se o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis. Optou-se por utilizar testes não-paramétricos devido ao tamanho de algumas amostras e ao caráter assimétrico das variáveis testadas. As variáveis categóricas foram comparadas através do teste qui-quadrado de Pearson.

Com o objetivo de controlar possíveis fatores "Modificadores" foi feita ainda uma análise multivariada, utilizando a regressão logística binária para descrever a relação entre as co-variáveis como: "idade", "classe socioeconômica" e "grupo (com ou sem paralisia)" e uma variável resposta ou desfecho, nesse caso, a experiência de cárie.

Foi realizada ainda, uma análise multivariada por meio de regressão linear, utilizando agora como desfecho os índices CPO-D ou ceo-d. A análise multivariada tem como vantagem controlar possíveis fatores de confusão, isto é, aqueles que podem influenciar no efeito de outros fatores da análise. Todas as co-variáveis analisadas foram incluídas, inicialmente, nos modelos e para permanência da variável no modelo final foi adotado um nível de significância de 5%.

Para verificar o ajuste dos modelos, foi utilizada no modelo logística, a estatística de Hosmer & Lemeshow e no modelo linear, o coeficiente de determinação R².

Em todas as análises foi utilizado o software SPSS versão 12.0.

A presente pesquisa teve seu projeto submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade São Leopoldo Mandic, registrado sob o número 1118.

 

RESULTADOS

Após a avaliação dos 543 pacientes do PAOPE e das outras clínicas odontológicas da Univale, que participaram desta pesquisa, compondo os grupos com e sem paralisia cerebral, designados como grupo de estudo e de comparação, respectivamente, os dados foram registrados, para que a Análise Estatística fosse realizada.

A Tabela 2 apresenta resultados para algumas variáveis sócio-demográfica das amostras dos grupos estudo e comparação para ceo-d igual a zero ou diferente de zero.

Os resultados indicam menor prevalência de cárie no grupo-estudo comparada ao grupo-comparação e com diferença significante. Não foram encontradas diferenças significantes em relação a sexo e classe econômica.

A Tabela 3 apresenta resultados para algumas variáveis sócio-demográfica das amostras dos grupos estudo e comparação para CPO-D igual a zero ou diferente de zero.

Os resultados indicaram não existir diferença significante para prevalência de cárie no grupo-estudo comparada ao grupo-comparação para as variáveis, sexo e classe econômica e diferença significante para as classes de idade.

A Tabela 4 apresenta os resultados do modelo final de regressão logística para avaliar o efeito das variáveis testadas sobre a prevalência de cárie na dentição decídua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O modelo de regressão mostrou um bom ajuste de acordo com a estatística de Hosmer & Lemeshow (valor-p = 0,963). Apenas as variáveis classe econômica e grupo-estudo e comparação estavam associadas com diferenças de prevalência de cárie na dentição decídua.

A Tabela 5 apresenta os resultados do modelo final de regressão logística para avaliar o efeito das variáveis testadas sobre a prevalência de cárie na dentição permanente.

O modelo de regressão mostrou um bom ajuste de acordo com a estatística de Hosmer & Lemeshow (valor-p = 0,907). As variáveis classe econômica, idade e grupo-estudo e comparação estavam associadas com diferenças de prevalência de cárie na dentição permanente.

 

DISCUSSÃO

Participaram deste estudo 543 pacientes das clínicas odontológicas da Univale, divididos em: grupo-estudo constituído de 201 pessoas com paralisia cerebral e grupo-comparação composto de 342 pessoas sem paralisia cerebral. O processo de seleção, coleta de dados e exames dos indivíduos foram realizados no ano de 2006. A seleção dessa amostra apresentou algumas limitações que devem ser consideradas: foi constituída por uma população restrita a uma região e de acesso a um serviço- Universidade; foi selecionada por conveniência e teve uma linha de base com intervalo de tempo muito grande, devido a dificuldades de localização e locomoção dos pacientes. A aceitação para participar da pesquisa, bem como a taxa de respostas, foi satisfatória, considerando que os pacientes da universidade estavam cientes da possibilidade de participarem de projetos de pesquisa e se sentiram comprometidos em contribuir.

A literatura apresenta muita controvérsia, quando se compara experiência de cárie em indivíduos com paralisia cerebral e os que não apresentam essa doença, em diferentes faixas etárias. Constata-se, também, que os estudos, além de escassos, apresentam uma alta variabilidade em seus delineamentos, grupos amostrais, localização, identificação das variáveis e proposições. Além disso, existem variabilidades inerentes aos indivíduos que apresentam paralisia cerebral com relação ao desenvolvimento de suas habilidades e competências, o que os torna menos ou mais independentes, além da presença de hipoplasias dentárias e atrasos na cronologia de erupção. São, pois, os fatores que aumentam as dificuldades para interpretação das análises comparativas.

A análise multivariada dos resultados deste estudo, tendo como resposta a experiência de cárie na dentição decídua (ceo-d ≠ 0), mostrou que as crianças na faixa etária entre 2 e 5 anos de idade do grupo sem paralisia cerebral, têm nove vezes mais chance de ter cárie que as do grupo-estudo. Além disso, uma criança da classe econômica D e E tem sete vezes mais chance de apresentar cárie na dentição decídua do que uma da classe C, em ambos os grupos.

Para a faixa etária entre 6 e 34 anos de idade, os resultados mostraram que o grupo com paralisia cerebral também está mais protegido de ter cárie na dentição permanente do que as pessoas sem paralisia cerebral, que apresentaram duas vezes mais chance de um CPO-D ≠ 0. Com relação à classe econômica, os indivíduos classificados nas categorias D e E tem duas vezes mais chance do que aqueles das classes A ou B, em ambos os grupos. Percebeu-se também uma relação positiva entre idade e a chance de experiência de cárie, ou seja, quanto maior a idade, maior a chance de CPO-D ≠ 0. Esta relação positiva entre idade e experiência de cárie, também, foi comprovada por Fiorati et al.7, em seu estudo com indivíduos de 6 a 36 anos de idade.

Os resultados da análise estatística entre os grupos estudo e comparação para verificar diferenças quanto ao número de dentes hígidos, índices ceo-d e CPO-D e seus componentes, não se mantiveram quando realizada a análise multivariada linear ou o ajuste de modelos de regressão logística binária. Apesar de Bönecker & Sheiham5, Camargo20, Thylstrup & Fejerskov21 e Gushi et al.25 citarem que haviam controlado o efeito da variável socioeconômica sobre a experiência de cárie, não foi encontrada na literatura consultada resultados baseados em análise multivariada para avaliar o efeito combinado dessas duas variáveis aplicadas na população de pacientes com paralisia cerebral.

Desta forma, será discutido a seguir os resultados do modelo final da análise multivariada, bem como os resultados das análises univariadas, relacionando experiência de cárie e grupo (paralisia e comparação), encontrados neste estudo, com os apresentados na literatura consultada.

Os resultados da análise multivariada (condição econômica e grupo), tendo como resposta a experiência de cárie na dentição decídua em crianças na faixa etária entre 2 e 5 anos de idade, mostraram que o grupo comparação tem nove vezes mais chance de apresentar cárie do que o grupo com paralisia. Resultado semelhante foi apresentado apenas por Morales8, que ao comparar o valor do índice ceo-d entre grupos com e sem paralisia cerebral, em crianças entre 4 e 6 anos de idade, mostrou valores maiores para o grupo sem paralisia cerebral.

Na análise univariada dessa mesma associação, este estudo não apresentou diferença significante entre os grupos, corroborando com os resultados dos estudos de Siegel9, Magnusson & Val10, Pope & Curzon11. Ciola12 avaliando o índice ceo-d em crianças na faixa etária entre dois e onze anos, mostrou valor significativamente maior para o grupo com paralisia cerebral. No entanto, ao categorizar os indivíduos por faixa etária, as crianças com idade entre 3 e 5 anos, assim como nos demais estudos, não apresentaram diferença significante entre os grupos. Sznader et al.13 também demonstraram um valor maior no índice ceo-d para as pessoas com paralisia cerebral na faixa etária de 2 a 11 anos, mas ao estratificá-lo, os grupos com idade entre 2 e 5 anos não apresentaram diferenças significantes. Guaré & Ciamponi6, em estudo realizado com crianças de 2 a 6 anos de idade, mostraram maior valor do ceo-d para os indivíduos com paralisia cerebral.

Os resultados apresentados, neste estudo, do modelo multivariado (classe econômica, idade e grupo), tendo como resposta a experiência de cárie na dentição permanente, nos pacientes na faixa etária entre 6 e 34 anos de idade, indicaram que as pessoas sem paralisia cerebral têm duas vezes mais chance de ter CPO-D ≠ 0 que o grupo-estudo. Desfechos semelhantes foram encontrados por Nielsen14, que comparando resultados de seu estudo em 86 adolescentes de 14 e 15 anos com paralisia cerebral, com dados epidemiológicos secundários, apresentou resultado maior para o grupo sem paralisia cerebral; no entanto o índice utilizado foi o CPO-S.

Na análise univariada dessa mesma associação realizada nos indivíduos com seis a trinta e quatro anos de idade estratificada em cinco faixas etárias: 6 a 12 anos, 13 a 14 anos, 15 a 19 anos, 20 a 24 anos e 25 a 34, este estudo mostrou diferenças estatisticamente significantes para algumas faixas etárias. Observou-se que, nos grupos com idade entre 6 e 12 anos, o valor do CPO-D foi estatisticamente maior para o grupo comparação, não apresentando concordância na literatura estudada.

No entanto, alguns trabalhos mostraram valores maiores para o grupo com paralisia cerebral8,11,15-16 e outros não apresentaram diferenças significantes entre os grupos9,13,17-18. Na faixa etária de 13 e 14 anos não houve diferença estatisticamente significante para nenhum dos casos comparados, corroborando com Magnusson & Val10, Pope & Curzon11 e Swallow18. Sharamak & Bernstein15, em seus estudos com indivíduos de seis a quinze anos de idade que mostraram índices de CPO-D mais elevados para o grupo com paralisia cerebral, em todas as idades, exceto para 13 anos. Os resultados dos estudos de Ciola13 e de Santos et al.16 mostraram valores maiores para o grupo com paralisia cerebral. Nos indivíduos com idade entre 15 e 19 anos os resultados mostraram diferenças significantes entre os grupos, sendo que o valor do índice foi maior para o grupo-estudo com paralisia cerebral. Sznader et al.13, em seu estudo com indivíduos apresentando entre 11 e 22 anos de idade, não mostraram diferença significante entre os grupos. Na análise dos grupos de indivíduos na faixa etária entre 25 e 34 anos de idade, foram verificadas diferenças estatisticamente significantes, apenas no número de dentes cariados, sendo que o grupo comparação apresentou maior média do que o grupo estudo (paralisia cerebral). No entanto, o número de dentes perdidos foi maior e de obturados foi menor para o grupo com paralisia cerebral. No estudo de Rodriguez et al.19, os resultados mostraram uma maior média de CPO-D para o grupo da faixa etária entre trinta e cinco e quarenta anos, sendo que a situação mais encontrada foi a de dentes perdidos.

Os resultados da análise multivariada, do presente estudo, indicaram que os indivíduos de classe econômica mais baixa, tanto no grupo-estudo quanto no grupo-comparação, apresentaram valores maiores nos índices de CPO-D, semelhantes ao estudo de Camargo20, que também apresentou essa relação, analisada apenas entre pacientes com paralisia cerebral. A relação inversa entre experiência de cárie e condição socioeconômica, em indivíduos sem paralisia cerebral foi constatada através de avaliações de renda familiar, escolaridade, poder de consumo ou até mesmo pelo grau de acesso ao serviço5,21, 25.

As diferenças entre os resultados apresentados na literatura e nesta pesquisa se justificam, principalmente, porque as conclusões foram estabelecidas, com base em análise de regressão múltipla, que indicou resultados diferentes dos obtidos em análise univariada. Quando a condição sem ou com paralisia cerebral foi controlada, a condição econômica apresentou um grande e significante efeito sobre a dependente experiência de cárie, tanto para a dentição decídua quanto para a permanente. Por meio da avaliação do R² e diferentemente das análises univariadas, a regressão múltipla pode estabelecer qual o conjunto de variáveis independentes, que melhor explicam uma proporção da variância na dependente a um nível de significância e estabelecer a importância preditiva relativa de cada variável independente.

A não detecção de uma diferença significante na variável dependente, experiência de cárie, entre o grupo paralisia cerebral e o de comparação, nos estudos que utilizaram apenas análise univariada, podem ser explicados por um possível efeito supressor sobre essa variável, ou seja, o efeito da condição de ter paralisia cerebral só se torna aparente e significante quando a referida variável é controlada pela variável classificação econômica. O fato de haver utilizado um modelo de entrada livre de variáveis no modelo de regressão múltipla, em vez de modelos passo a passo, permitiu revelar o efeito supressor.

A escolha de um pequeno número de variáveis independentes para elaborar os modelos de regressão se mostrou adequada. Classificação econômica e condição de paralisia cerebral, ou não, indicaram ótimo ajuste do modelo que explicou 96% da variabilidade na experiência de cárie na dentição decídua, enquanto faixa etária, classificação econômica, e condição de paralisia explicaram 90% da variabilidade da experiência de cárie na dentição permanente.

A variável independente com maior poder preditivo da variabilidade na dentição decídua foi a condição frente à paralisia e na dentição permanente, foi a idade, seguida por classificação econômica.

Ressalta-se também que apesar de todos os pacientes analisados neste trabalho terem acesso a um serviço odontológico, o grupo com paralisia cerebral recebia atenção multidisciplinar especializada com regularidade, que proporcionava não só o tratamento odontológico ao paciente, como também orientações aos familiares e/ou cuidadores para ações preventivas e manutenção da saúde geral.

Além disso, fatores importantes que, apesar de não terem sido objeto de análise neste estudo, devem ser considerados como possíveis confundidores, a saber: a falta de padronização na faixa etária entre os estudos, a falta de dados sobre as atividades de vida diária dos indivíduos e o grau de independência para realizá-las. E ainda, se são institucinalizadas ou não, se têm ou não cuidadores e que tipo de dieta consomem.

 

CONCLUSÃO

O aumento da faixa etária apresenta um efeito independente e significante, quando controlada por outras variáveis, de até 13 vezes sobre a variabilidade da experiência de cárie na dentição permanente, tanto no grupo-estudo (paralisia cerebral), quanto no grupo-comparação.

Para crianças com dentição decídua na faixa etária entre dois e cinco anos de idade, a condição paralisia cerebral apresenta um efeito independente e significante, quando controlada por outras variáveis, igual a nove vezes mais chances de apresentar ceo-d = 0 em relação ao grupo-comparação.

A condição econômica D e E de crianças entre dois a cinco anos de idade e dentição decídua, apresentou um efeito independente e significante, quando controlada por outras variáveis, igual a sete vezes mais chances de apresentar ceo-d ≠ 0, quando comparadas às da classificação C.

O grupo de indivíduos com paralisia cerebral entre 6 a 34 anos e dentição permanente apresentou um efeito independente e significante, quando controlada por outras variáveis, com uma chance duas vezes maior de apresentar CPO-D = 0, comparadas ao grupo sem paralisia cerebral. A condição econômica D e E de indivíduos entre 6 a 34 anos de idade e dentição permanente apresentou um efeito independente e significante, quando controlada por outras variáveis igual a duas vezes mais chance de apresentar CPO-D ≠ 0, quando comparadas as da classificação A ou B.

 

REFERÊNCIAS

1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Comentário dos resultados. In: IBGE. Tabulação avançada do censo demográfico 2000: resultados preliminares da amostra. Rio de Janeiro: IBGE; 2002. p. 45-8.         [ Links ]

2. Fourniol AF. Pacientes especiais e a odontologia. São Paulo: Santos; 1998.

3. Lima CLA, Fonseca LF. Paralisia cerebral: neurologia, ortopedia, reabilitação. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.

4. Isshiki Y, Kitafusa Y, Iguchi H. Caries prevalence in crippled children-special emphasis on environmental variation. Bull Tokyo Dent Coll. 1970;11(3):177-92.

5. Bönecker M, Sheiham A. Promovendo saúde bucal na infância e adolescência: conhecimentos e práticas. São Paulo: Santos; 2004.

6. Guaré RO, Ciamponi AL. Dental caries prevalence in the primary dentition of cerebral-palsied children. J Clin Pediatr Dent. 2003;27(3):287-92.

7. Fiorati SM, Spósito RA, Borsatto MC. Prevalência de cárie dentária e doença periodontal em pacientes com paralisia cerebral. JBP J Bras Odontopediatr Odontol Bebe. 1999;2(10):455-8.

8. Morales HCC. Parálisis cerebral: sus efectos sobre la erupción del primer molar permanente y las condiciones de saludenfermedad. Acta Odontol Venez. 1987;25(1):13-33.

9. Siegel JC. Dental findings in cerebral palsy. J Dent Child. 1960;27(3):233-8.

10. Magnusson B, Val RD. Oral condition en a group of children with cerebral palsy. Odontol Revy. 1963;14(1):385-402.

11. Pope JE, Curzon ME. The dental status of cerebral palsied children. Pediatr Dent. 1991;13(3):156-62.

12. Ciola EG. Prevalence of caries in children with cerebral paralysis. Trib Odontol. 1975;59(4-6):112-6.

13. Sznader N, Bouza E, Feniak R. Prevalência de caries en pacientes normales y paralíticos cerebrales. Rev Asoc Odontol Arg. 1965,53(4):101-3.

14. Nielsen LA. Caries among children with cerebral palsy: relation to CP-diagnosis, mental and motor handicap. ASDC J Dent Child. 1990;57(4):267-73.

15. Shamarak KL, Bernstein JE. Caries incidence among cerebral palsy children: a preliminary study. J Dent Child. 1961;28:154-6.

16. Santos MTR, Masiero D, Novo NF, Simionato MR. Oral conditions in children with cerebral palsy. J Dent Child. 2003;70(1):40-6.

17. Fishman SR, Young WO, Haley JB. The status of oral health in cerebral palsy children and their siblings. J Dent Child. 1967;34(4):219-27.

18. Swallow JN. Dental disease in cerebral palsied children. Dev Med Child Neurol. 1968;10(2):180-9.

19. Rodriguez Vazquez C, Garcillan R, Rioboo R, Bratos E. Prevalence of dental caries in an adult population with mental disabilities in Spain. Spec Care Dentist. 2002;22(2):65-9.

20. Camargo MAF. Estudo da prevalência de cáries em pacientes portadores de paralisia cerebral. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004.

21. Thylstrup A, Fejerskov O. Cardiologia clínica. 2. ed. São Paulo: Santos; 1994.

22. Moura MS, Pinto LAMS, Giro EMA, Cordeiro RCL. Cárie dentária relacionada ao nível socioeconômico em escolares de Araraquara. Rev Odontol UNESP. 1996;25(1):97-107.

23. Peres MA, Latorre MRDO, Sheiham A, Peres KG, Barros FC, Hernandez PG, et al. Determinantes sociais e biológicos da cárie dentária em crianças de 6 anos de idade: um estudo transversal aninhado numa coorte de nascidos vivos no Sul do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2003;6(4):293-306.

24. Cortelli SC, Cortelli JR, Prado JS, Aquino DR, Jorge AOC. Fatores de risco a cárie e CPOD em crianças com idade escolar. Ciênc Odontol Bras. 2004;7(2):75-82.

25. Gushi LL, Soares MC, Forni TI, Bightti TI, Vieira V, Wada RS, et al. Dental caries in 15-to-19-year-old adolescents in São Paulo State, Brazil, 2002. Cad Saude Publica. 2005;21(5):1383-91.

 

 

Endereço para correspondência:
MQ LUCCA
Universidade Vale do Rio Doce,
Faculdade de Odontologia.
Rua Israel Pinheiro, 2000,
Universitário, 35020-220, Governador Valadares,
MG, Brasil.

e-mail:
mqlucca@uol.com.br

Recebido: 6/11/2009
Aceito:5/9/2010