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RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)

On-line version ISSN 1981-8637

RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59 n.3 Porto Alegre Jul./Sep. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Análise in vitro da anatomia interna de pré-molares inferiores inseridos em mandíbulas humanas por meio de exame radiográfico e tomografia computadorizada Cone Beam

 

In vitro analysis of the internal anatomy of lower premolars inserted in human mandibles through radiographs and Cone Beam computed tomography

 

Polianna BREDAI;Francisco Carlos RIBEIROI;Márcia Gabriella Lino de Barros BORTOLOTTII;Juliana Machado BARROSOII;José Luiz Cintra JUNQUEIRAII

IUniversidade Federal do Espírito Santo, Faculdade de Odontologia.
IIFaculdade São Leopoldo Mandic, Curso de Odontologia, Programa de Pós-Graduação em Radiologia
IIIEscola Superior São Francisco de Assis

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo
Analisar a anatomia radicular interna de pré-molares inferiores por meio dos exames radiográfico e tomográfico.

Métodos
A amostragem constitui-se de dez pré-molares inferiores, inseridos em quatro mandíbulas humanas, provenientes do acervo da disciplina de Anatomia da Universidade Federal do Espírito Santo. As mandíbulas foram primeiramente fotografadas. Em seguida os dentes foram submetidos ao exame radiográfico pela técnica periapical. As imagens obtidas foram digitalizadas, armazenadas em arquivo de computador e analisadas por três examinadores. As tomografias computadorizadas dos espécimes foram realizadas pela técnica Cone Beam.

Resultados
Os resultados evidenciaram que as médias das avaliações pelo exame radiográfico foram de 50%, 43% e 7% para um canal, dois canais e três canais, respectivamente. E pelo exame tomográfico foi encontrado em 40% dos dentes avaliados um único canal radicular (tipo I) e em 60% dos dentes, canais do tipo V, ou seja, canais que começam unitários no nível de câmara pulpar e, antes de alcançarem o ápice, sofrem uma bifurcação.

Conclusão
Conclui-se que a imagem tridimensional proporcionada pela tomografia computadorizada Cone Beam representa um grande avanço, como método auxiliar, para se estabelecer o diagnóstico endodôntico.

Indexing terms: Anatomia. Endodontia. Radiografia dentária. Tomografia Computadorizada por Raios X.


 

ABSTRACT

Objectives
The aim of this study was to analyze the root anatomy of lower pre-molars through X-ray and computed tomography scan (cone well).

Methods
The sample comprised ten premolars embedded in four human mandibles from the collection of the Anatomy section of the Federal University of Espírito Santo. The jaws were first photographed and the teeth were then submitted to radiographic examination via the periapical technique. The images were digitized, stored on computer files and analyzed by three examiners. The computed tomography-scanning of the specimens was made using the cone beam technique.

Results
The results showed that the mean ratings of the radiographic examination were 50%, 43% and 7% for one, two and three root canals, respectively. The computed tomography scan detected one single root canal (type I) in 40% of teeth assessed and V-type root canals in 60% of the teeth. In other words, root canals starting out as one at the level of the pulp chamber split before reaching the apex.

Conclusion
The conclusion is that the three-dimensional image provided by the the cone beam technique represents a major advance as a method of establishing endodontic diagnosis.

Termos de indexação: Anatomy. Endodontics. Radiography dental. Tomography, X-Ray computed.


 

 

INTRODUÇÃO

O conhecimento prévio do número exato de canais dos dentes com indicação de tratamento endodôntico, nem sempre é possível quando se utiliza somente o exame radiográfico como método auxiliar de diagnóstico. Vários fatores contribuem para as variações encontradas na raiz e no canal radicular nos estudos relatados. Esses fatores incluem a etnia, idade, sexo, tendência não intencional na seleção de exemplos clínicos de dentes (prática na especialidade endodôntica versus prática odontológica geral) e modelos de estudo (in vitro versus in vivo)1.

A complexidade da raiz e da morfologia do canal radicular do primeiro pré-molar inferior pode ter sido subestimada no passado1. Somente a partir dos trabalhos de Pucci & Reig2 sobre a anatomia radicular que se despertou para a importância do assunto. Variações na configuração do canal radicular do primeiro prémolar inferior não são raras e pode afetar até um terço da população. O diagnóstico correto dessas variações anatômicas é importante para o sucesso do tratamento endodôntico3.

O segundo pré-molar se difere, tendo baixa incidência de mais de uma raiz, mais de um canal e mais de um forame. Essas citações variam muito na literatura e aponta que a morfologia da raiz e a morfologia do canal do segundo pré-molar inferior podem ser extremamente complexa e altamente variável4-6.

Segundo Martínez-Lozano et al.7 certos grupos de dentes apresentam problemas na definição radiográfica devido a morfologia de número de canais, como por exemplo, os pré-molares inferiores. Os canais tendem a se colocar um atrás do outro, no plano vestíbulo-lingual, apresentando-se sobrepostos um ao outro, em radiografias periapicais ou radiografias panorâmicas. O tratamento endodôntico é sempre precedido por pelo menos uma radiografia do dente em questão. Quando há suspeita da presença de mais de um canal, mais de uma radiografia será realizada antes do tratamento e a variação do canal avaliada no momento correto3.

A avaliação tomográfica tridimensional da configuração do sistema de canal radicular é recomendada na Endodontia. A imagem em 3D da anatomia do dente é uma ferramenta valiosa para o ensino de estudantes da Odontologia e profissionais afins. O valor da investigação da tomografiacomputadorizada do tipo Cone Beam está em sua capacidade de representar fielmente a morfologia interna e externa, sem destruição do dente8-12.

Este estudo tem como objetivo estudar in vitro a morfologia dos canais radiculares de pré-molares inferiores humanos, por meio da técnica radiográfica e tomográfica.

 

MÉTODOS

Os procedimentos realizados nos dentes inseridos nas mandíbulas humanas foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, registro no CEP n. 061/10. Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizadas quatro mandíbulas nos quais foram selecionados 11 pré-molares inferiores. O elemento 34 da mandíbula cinco apresentou-se fraturado e portanto excluído do estudo. As mandíbulas foram previamente fotografadas. A seguir, foram realizadas as radiografias periapicais padronizadas por meio do posicionador radiográfico e com o mesmo tempo de exposição (5s) através do aparelho de Raios X 70kVp - 7mA. Todas as películas periapicais foram processadas ao mesmo tempo (câmara escura) sendo 24 segundos o tempo de revelador, lavadas rapidamente e condicionadas ao fixador por 10 minutos. As radiografias ficaram 10 minutos na água corrente para remover qualquer resíduo. A secagem foi ao natural. As imagens obtidas foram digitalizadas e armazenadas em arquivo de computador. As análises das imagens foram realizadas por três examinadores.

As tomografias computadorizadas foram realizadas pelo tomógrafo I-CAT 3D Dental Imaging System 120 KpV e 46,72 mA. Foram produzidos cortes axiais, sagitais e coronais com 0,2mm, 0,5mm e 0,2mm de espessura, respectivamente. Os cortes axiais foram executados em três níveis: cervical (logo abaixo da junção cemento-esmalte), terço médio (aproximadamente na metade da distância entre a junção cemento-esmalte e o forame apical) e apical (aproximadamente 2mm aquém do forame apical), permitindo assim a análise da configuração dos canais radiculares. O elemento 44 da mandíbula número cinco foi excluído do estudo por apresentar uma fratura radicular.

O método de avaliação para as imagens tomográficas seguiu a classificação Vertucci5: canais do tipo I) um só canal da câmara pulpar até o ápice; canais do tipo II) começam com dois canais no nível da câmara pulpar e terminam com um canal antes do ápice; canais do tipo III) começam únicos no nível da câmara pulpar e ao longo da raiz sofrem bifurcação, seguida por uma fusão dos mesmos, para acabar na extremidade apical em um só canal; canais do tipo IV) começam na câmara pulpar e terminam nos ápices, sempre duplos; canais do tipo V) começam unitários no nível de câmara pulpar e, antes de alcançarem o ápice, sofrem uma bifurcação; canais do tipo VI) começam duplos no nível da câmara pulpar, sofrem uma fusão ao longo da raiz, para logo após haver uma bifurcação, e assim continuarem duplos até o ápice; canais do tipo VII) apresentam-se com início unitário no nível da câmara, para sofrerem uma bifurcação, seguida por uma fusão, formando novamente um único canal, que antes do ápice ainda se bifurca para então terminar duplo, e canais tipo VIII) apresentam-se como três canais na câmara pulpar, que continuam independentes e separados até o ápice.

 

RESULTADOS

Para determinar a confiabilidade da avaliação radiográfica do número de canais radiculares, realizada pelos examinadores, a tomografia computadorizada Cone Beam foi utilizada como controle representativo, neste estudo, do número real de canais radiculares encontrados nos elementos dentários estudados.

As porcentagens das avaliações das imagens radiográficas realizadas por cada examinador foram: a) examinador 1: 60%, 40% e 0% para um canal, dois canais e três canais, respectivamente; b) examinador 2: 30%, 50% e 20% para um canal, dois canais e três canais, respectivamente; c) examinador 3: 60%, 40% e 0% para um canal, dois canais e três canais, respectivamente (Figura 1).

As médias das avaliações dos examinadores foram de 50% para a presença de apenas um canal, 43% para dois canais e 7% e três canais (Tabela 1).

Os resultados, quanto aos padrões morfológicos dos canais radiculares propostos por Vertucci6, encontrados pelo exame tomográfico foram de 40% para o tipo I e 60 % para o tipo V.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

As variações morfológicas encontradas nos diferentes grupos de dentes por vezes dificultam o saneamento adequado dos canais radiculares interferindo na reparação das áreas lesionadas, quer seja por causa inflamatória e/ou infecciosa. O conhecimento prévio dos aspectos anatômicos e morfológicos do dente a ser submetido ao tratamento endodôntico se faz necessário. O exame rotineiramente utilizado na obtenção desses dados é o radiográfico, que nem sempre mostra o número exato de canais de alguns elementos dentários. Nos pré-molares inferiores as variações anatômicas e morfológicas, quanto ao número de raízes e canais radiculares, são marcantes1,4. Quando esses dentes apresentam mais de uma raiz, frequentemente, essas são fusionadas, o que dificulta a obtenção de uma imagem radiográfica nítida comprometendo a previsibilidade do tratamento endodôntico5-6.

De acordo com os estudos de De Deus12 realizados por meio de diafanização a presença de mais de uma raiz nos pré-molares inferiores, acontece com maior frequência nos primeiros pré-molares. Esses achados corroboram com os estudos de Cleghorn et al.1 que em 4.463 primeiros pré-molares encontraram 97,9% deles com uma raiz, 1,8% com duas, 0,2% com três e 0,1% com quatro raízes. Enquanto nos segundos pré-molares a prevalência foi 99,6% com uma única raiz, 0,3% com duas e 0,1% com três, do total de 4.019 dentes analisados.

Quanto ao número de canais, também, podese observar que as alterações morfológicas são mais evidenciadas nos primeiros pré-molares inferiores, isto quando comparados aos segundos pré-molares inferiores. Esses achados estão evidenciados nos estudos de Cleghorn et al.1 realizados por meio de uma revisão de literatura, cujos resultados mostraram que 75,8% dos primeiros pré-molares inferiores analisados apresentavam-se com um único canal e 24,2% com dois ou mais canais, enquanto nos segundos prémolares a prevalência foi 91,8% com um canal, e 8,2% com dois canais. Esses achados estão de acordo com o estudo de Vertucci6 realizado em dentes diafanizados que encontrou nos primeiros pré-molares inferiores analisados 74,0% com um canal único, 25,5% com dois canais e 0,5% com três canais, enquanto nos segundos pré-molares inferiores 97,5% apresentaram um canal e apenas 2,5% dois canais. Os achados de Rozylo et al.13 discordam dos trabalhos dos autores acima referenciados, pois a prevalência de primeiros pré-molares inferiores com apenas um canal foi maior do que os segundos pré-molares inferiores, ou seja, 89,3% e 68,2%, respectivamente.

Neste estudo, devido o número da reduzido de amostra, priorizou-se a análise dos primeiros e segundos pré-molares inferiores em um mesmo grupo. Além disso, o objetivo principal foi verificar a eficácia do exame tomográfico na evidenciação da morfologia radicular interna. Dos dentes analisados 40% apresentaram um canal que se bifurcava entre o terço médio e apical com duas saídas foraminais. Velmurugan & Sandhya14 empregaram a mesma classificação no estudo com cem primeiros pré-molares inferiores realizados por meio da diafanização. Os autores obtiveram os seguintes resultados: 72% dos canais radiculares foram do padrão tipo I; 6% do tipo II; 3% do tipo III, 10% do tipo IV e 8% do padrão tipo V.

Amos15 utilizando apenas radiografias com ângulos de incidências variadas encontrou em sua amostragem de 1 mil dentes, 179 (17,9%) primeiros pré-molares inferiores apresentando bifurcação do canal, e destes, 114 (11,4%) eram bilaterais. Enquanto nos segundos pré-molares inferiores a prevalência foi de 2,5% para canais bifurcados. Essa metodologia tornase um recurso relevante como forma de minimizar a limitação imposta pelo exame radiográfico.

Recentemente a tomografia computadorizada Cone Beam vem sendo utilizada nos estudos relacionados à morfologia dos canais radiculares4,9-11. Na avaliação do número de canais do estudo de Yoshioka et al.16 que não houve diferença estatística entre o exame radiográfico e pela técnica da diafanização. No presente estudo houve diferença entre a análise radiográfica e tomográfica, quanto ao número de canais analisados. Nos 10 pré-molares inferiores analisados radiograficamente 50% apresentavam apenas um canal, 43% dois canais e 7% três canais. Enquanto pela análise tomográfica 40% apresentavam um canal único e 60% dois canais. Esses resultados evidenciam a importância da imagem tridimensional proporcionada pela tomografia computadorizada Cone Beam para o diagnóstico endodôntico.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que a imagem tridimensional proporcionada pela tomografia computadorizada Cone Beam representa um grande avanço, como método auxiliar, para se estabelecer o diagnóstico endodôntico.


Colaboradores

P BREDA, FC RIBEIRO, MGLB BORTOLOTTI, JM BARROSO e JLC JUNQUEIRA contribuíram igualmente em todas as etapas de elaboração do artigo.


REFERÊNCIAS

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15. Amos ER. Incidence of bifurcated root canal in mandibulars bicuspids. J Am Dent Ass. 1955;50(1):70-1.

16. Yoshioka T, Villegas JC, Kobayashi C, Suda H. Radiographic evaluation of root canal multiplicity in mandibular first premolars. J Endod. 2004;30(2):73-4.

 

 

Endereço para correspondência:
JM BARROSO
Universidade Federal do Espírito Santo,
Faculdade de Odontologia.
Av. Marechal Campos, 1468,
Campus Maruípe, 29040-090, Vitória,
ES, Brasil.

e-mail:
julimbarroso@hotmail.com

Recebido: 7/1/2011
Aceito: 25/5/2011