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RSBO (Online)

On-line version ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 n.3 Joinville Sep. 2010

 

Editorial convidado

 

 

Difusão em ágar: um método confiável?

O método de difusão em ágar, amplamente empregado em avaliações de potencial antimicrobiano de diferentes soluções, medicamentos ou cimentos utilizados em Odontologia, atualmente vem sendo rejeitado para publicação em revistas indexadas de alto impacto na Odontologia. Nos últimos dez anos, verifica-se uma diminuição expressiva do número de artigos que recorrem a essa metodologia em revistas indexadas, visto que trabalhos com esse modelo experimental costumam ser devolvidos aos autores sem passar pelo processo peer review. Apesar de parecer radical, tal decisão não é infundada, o que nos leva a refletir melhor a respeito desse modelo experimental [1].

A metodologia de difusão em ágar foi originalmente desenvolvida para avaliar a susceptibilidade bacteriana a antibióticos sistêmicos, em que a mensuração do efeito antimicrobiano sobre determinada cepa bacteriana se baseia na medição do halo de inibição formado no meio ágar após o contato com um disco contendo antibiótico. Considerando as diferenças no padrão de difusão dos materiais em teste e a possibilidade de interação química entre o material e os componentes químicos do meio ágar, dezenas de anos foram necessários para o desenvolvimento da metodologia a fim de definir e padronizar as substâncias químicas envolvidas no teste, tornando confiáveis os resultados. Para fazer a mensuração da susceptibilidade bacteriana, foi estabelecida uma curva de comparação a fim de que a zona de inibição do crescimento bacteriano ao redor dos discos de antibióticos seja comparada às concentrações clínicas do antibiótico encontradas no soro humano, ajudando assim a estipular a efetividade clínica do antibiótico sobre determinada bactéria. Além disso, cepas de referência, de origem conhecida e com susceptibilidade previamente quantificada aos antibióticos, são usadas como controle em todos os testes. Graças a essa rigorosa padronização, a maioria das bactérias aeróbicas e facultativas pode ser testada de forma confiável quanto a sua susceptibilidade a antibióticos, no entanto ainda não se chegou a uma uniformização internacionalmente aceita para avaliar os microrganismos anaeróbios nesse aspecto [2].

Todavia, quando se analisa o potencial antimicrobiano de soluções ou medicamentos com suposta ação desinfetante utilizados em Odontologia, não há padronização do meio de cultura, tampouco das substâncias a serem testadas. Além disso, reações químicas entre meio ágar e materiais em teste são estudadas com pouca frequência e, portanto, são praticamente desconhecidas. De toda sorte, a ocorrência de qualquer interação química pode originar erros de interpretação dos resultados acerca do potencial antimicrobiano do material em teste. Materiais com comportamentos químicos distintos em relação ao meio de cultura podem provocar diferenças nos "halos de inibição" que reflitam essas interações químicas, de forma que a mensuração da ação antimicrobiana se torna indissociável dessas reações.

O meio de cultura às vezes apresenta, por exemplo, capacidade tampão. Ao testarmos materiais cuja ação antimicrobiana se dá em decorrência do seu alto pH, certamente sua atividade antimicrobiana será subestimada, pois em meio tamponado o alto pH do material é neutralizado, resultando em um pequeno halo de inibição.

Também é frequente um resultado falso positivo na avaliação da ação antimicrobiana de determinadas substâncias em meio ágar. O EDTA (ácido etilenodiaminotetracético), substância usualmente utilizada para remoção de smear layer durante o preparo biomecânico de canais radiculares, apresenta grandes halos de inibição em testes em meio ágar. No entanto, quando aplicada a metodologia de contato direto ou de concentração inibitória mínima, o EDTA não tem nenhum poder antimicrobiano. O que ocorre é que o EDTA é capaz de remover íons cátions do meio ágar, tornando-o assim impróprio para o crescimento bacteriano. Portanto, o halo de inibição nesses casos não decorre de uma real atividade antimicrobiana, mas apenas da interação química entre o ácido e o meio ágar.

É imperioso enfatizar que o objetivo de qualquer experimento in vitro é simular e estimar, dentro de determinadas limitações, o comportamento do material in vivo. Ou seja, o objetivo de um teste antimicrobiano realizado pelo método de difusão em ágar deve ser presumir o comportamento dos materiais em uma situação clínica. Porém as desconhecidas interações químicas entre material e meio ágar podem gerar um viés de interpretação dos resultados, levando a conclusões que tendem a superestimar ou subestimar o potencial antimicrobiano de algumas substâncias. Considerando que não há evidências de que a observação de um halo de inibição em placa de ágar seja capaz de predizer o comportamento clínico de um material, concluímos que essa metodologia nada adiciona ao conhecimento e, além de tudo, pode gerar uma obliquidade na escolha clínica de diferentes materiais, nas mais diversas áreas da Odontologia.

A avaliação da atividade antimicrobiana de substâncias usadas em Odontologia deve, portanto, ser realizada por outros métodos, entre eles o de contato direto. Nesse teste, a suspensão bacteriana é colocada em contato com as substâncias testadas pelos períodos de tempo predeterminados; decorridos esses tempos, alíquotas do material são retiradas. Se o objetivo for a avaliação pela presença de turbidez, indicativa do crescimento bacteriano, partes da mistura dos microrganismos com as soluções testadas são incubadas em meio líquido. Se a análise for quantitativa, o material deve ser diluído e alíquotas dessas diluições são levadas a placas de meio ágar, incubadas, e o número de UFC é calculado [3].

Ao digitar no campo de busca do PubMed o termo agar diffusion test tendo como foco revistas de Odontologia e periódicos de 2000 a 2010, encontram-se 106 títulos, dos quais 35 são de autores brasileiros. A alta prevalência de pesquisadores brasileiros que utilizam a difusão em ágar para avaliar a atividade antimicrobiana de antissépticos indica que ainda há falta de informação sobre as limitações do método e os riscos de gerar conclusões equivocadas. Dessa forma, seguindo a tendência dos periódicos de alto impacto na Odontologia, o conselho editorial da Revista Sul-Brasileira de Odontologia concorda que trabalhos desenhados com o objetivo de comparar a capacidade antimicrobiana de materiais ou soluções em meio ágar não serão aceitos para publicação neste periódico, sendo imediatamente retornados aos autores.

 

Fernanda Geraldes Pappen
Professora Doutora de Endodontia
Faculdade de Odontologia
Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Pelotas – RS

Erick Miranda Souza
Professor Doutor de Endodontia
Faculdade de Odontologia
Centro Universitário do Maranhão (Uniceuma)
São Luís – MA

 

Referências

1. Editorial Board of the Journal of Endodontics. Wanted: a base of evidence. J Endod. 2007;33(12):1401-2.         [ Links ]

2. Haapasalo M, Qian W. Irrigants and intracanal medicaments. In: Ingle JI, Bakland LK, Baumgartner JC (ed). Ingle's endodontics. 6. ed. Hamilton: BC Decker; 2008. p. 992-1018.         [ Links ]

3. Siqueira Jr JF, Uzeda M. Influence of different vehicles on the antibacterial effects of calcium hydroxide. J Endod. 1998;24:663-5.         [ Links ]